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quinta-feira, 5 de novembro de 2020

2020 – O ANO QUE FICA PARA A HISTÓRIA

 2020 – O ANO QUE FICA PARA A HISTÓRIA



Letter to Rabbi Sacks 


4 de novembro de 2020, uma quarta-feira que poderia ser igual a tantas outras. Um dia da semana em que costumo escrever para o Eshtá na Mídia, uma corruptela de Esh Tamid – que pode ser simplesmente traduzido por Luz Eterna, mas que requer um tempo longo e muitos toques (ou será muita tinta?) para debater os conceitos de luz e de eterno. Mas, neste ano tão atípico, em que vemos a humanidade se defrontar com a força do muito pequeno, estamos nos deparando com fatos inéditos e já esperados para alguns, mas completamente inesperados para outros. 


Neste mês presenciamos uma série de atentados terroristas na Europa. Paris, Nice e Viena sofreram atentados sem sentido. Se a imprensa e alguns políticos têm dificuldade de dizer que são ataques terroristas, ou que estão sendo praticados sob a égide de grupos terroristas islâmicos, os alvos tornam clara a intenção de amedrontar a Europa. Por outro lado, todos os dias chegam notícias de mais e mais ações consolidando os tratados de coexistência e cooperação entre países mulçumanos da África e Ásia com Israel.


 



Neste lado positivo, vemos ser formado um caminho que poderá gerar uma história positiva. Uma paz baseada na convivência entre os diferentes. Países árabes instituindo restaurantes kasher, e o hallal já é bastante conhecido em Israel. Também chama atenção a dispensa de vistos e a liberação de espaços aéreos. 

 

E o mundo continua dando as suas voltas. Hoje, dia 4 de novembro, foram iniciadas as falas da promotoria no julgamento de Carlos Telleldín, acusado de ter participado do atentado à AMIA (Associação Mutual Israelita Argentia), entregando o caminhão usado como carro-bomba. Para quem não lembra, afinal já se passaram 26 anos, conto um pouco no próximo parágrafo. Em razão da pandemia gerada pelo SarsCov-2, o julgamento está sendo feito ON LINE e transmitido pelo youtube. Iniciou às 10 horas da manhã, e chegou a registrar 150.000 pessoas assistindo. Ainda está disponível (clique aqui).

 

4/11/2020 - em julgamento - 26 anos depois




Buenos Aires – Argentina – America Latina: foi lá que no dia 18 de julho de 1994 um carro-bomba explodiu em frente a AMIA, um centro da vida judaica portenha, um local que tinha uma escola para crianças. 85 vidas e centenas de feridos em nome da luta armada pelo islamismo. A impunidade já dura 26 anos, relações políticas com governos que usam de táticas terroristas para intimidar o mundo e que encontram eco em pessoas que têm dificuldade de entender a coexistência. Coexistência é mais do que paz. Coexistência é o que muçulmanos e judeus, árabes e israelenses, estão começando a fazer no ano de 2020. Seria espetacular que coroássemos este ano com a coexistência baseada no diálogo e na cooperação. Baseada na divergências e diferenças, pois são estas que garantem a liberdade de expressão. 

 

4 de novembro de 2020: 25 anos da morte de Itzhak Rabin – na época primeiro-ministro de Israel que havia assinado o tratado de paz com Iasser Arafat, patrocinado por Bill Clinton. Morto por um judeu, dia em que cenas bíblicas foram revividas e que a paz parecia mais longe do que nunca. Hoje, todos estes eventos foram lembrados com intensidade em um Estado de Israel que tem dificuldades em criar diálogos entre os diferentes – e que precisa rever Shamai e Hillel. Entre os que estudam as razões e as verdades absolutas, e, portanto não têm como escutar o próximo, e aqueles que para estudar em profundidade, creem ser importante registrar também pensamento discordantes.

Neste dia quero ir um pouco além. Hoje li um texto que o Rabino Jonathan Sacks disponibilizou há 5 anos que ele havia escrito ao voltar do enterro de Itzhak Rabin e que mostra de forma factual os percalços da “paz” sem coexistência. Escreve Rabbi Sacks: “Em setembro deste ano (1995) escrevi um artigo na imprensa dando a ele (Itzhak Rabin) meu apoio pessoal. Ao mesmo tempo, escrevi uma carta pessoal a Rabin sobre a minha mais profunda preocupação sobre a oposição aos planos, tanto por parte de sionistas religiosos, quanto de palestinos. Eu não recebi resposta.”

Continua Rabi Sacks contando que ao voltar de Israel, logo após o funeral, foi conversar com o embaixador israelense que havia ficado em Londres. E este entregou-lhe uma carta que havia chegado no último malote. Era a resposta de Rabin (a tradução completa está no final do texto). E, nesta resposta, Rabin deixa claro que aquele momento solene poderia se transformar em nada, caso o terrorismo continuasse.

Passaram-se 25 anos de muita dificuldade, quando o terrorismo tentou impor sua forma de ser em todos os cantos deste planeta, desde a demonização do Estado de Israel, até a perda completa da qualidade de vida em muitos países árabes e islâmicos, ataques sem sentido na Europa e América – e coloco aqui o continente americano de norte a sul, sem esquecer dos atentados que ocorreram na Ásia. Esta face está exposta. Não há mais tempo para discursos que dificultem a coexistência. Chega de melhor ou pior, vamos uma vez mais lembrar que na base do Monte Sinai, quando sem nenhuma luz nem pompa Moisés entregou as Tábuas da Lei, que ele havia gravado com as próprias mãos, o fez para todo o povo, homem, mulheres e crianças, e como retorno recebeu a promessa que a herança da educação seria passada de geração em geração.

 

Que 4 de novembro de 2020 seja um dia a mais quando, no futuro, nossos bisnetos e bisnetas contarão como foi dada a largada para a Era da Coexistência – a era em que a humanodiversidade passou a ser uma das mais respeitadas conquistas da humanidade.

 

Boa Semana!

 

Regina P Markus 

 


 

Texto completo da resposta de Yitzhak Rabin ao Rabino Sacks

(datado de 18 de outubro de 1995):

"Muito obrigado pela sua carta eloqüente e instigante e pelos votos de bom ano. Seu apoio contínuo e infalível ao processo de paz é muito apreciado pelo governo israelense e por mim.


Estes são, de fato, tempos difíceis. Estamos envidando todos os esforços possíveis para moldar um futuro novo e promissor para nosso povo e a luta pela paz não é menos difícil do que travar uma guerra. Infelizmente, isso também afeta vidas humanas. Cada vítima que sofremos, seja um soldado ou um civil, independentemente de onde ele ou ela resida, me entristece profundamente. Mesmo assim, sei que não há resposta de longo prazo para nossos problemas de segurança e para nossa coexistência com nossos vizinhos, exceto a paz. Pelo bem de nossos filhos e netos, não podemos perder esta oportunidade histórica. Já disse muitas vezes que não oramos por quase dois milênios pelo retorno a Sião, apenas para nos encontrarmos governando mais de dois milhões de palestinos ou criando um Estado binacional. Eu sei que você compartilha dessa visão.


Eu entendo a ansiedade dos israelenses que vivem nos territórios e agradeço suas preocupações. Estes são compartilhados por muitos judeus, religiosos e não religiosos. Eu me encontrei com seus representantes, li suas cartas, passei por suas manifestações. Ouço seus argumentos e não sou indiferente às suas necessidades, nem ignorei seus pedidos.


Graças a Deus, somos uma nação democrática e todas as vozes são ouvidas. Mas mesmo dentro da estrutura democrática, obstruções, o apelo à violência, o uso de meios não democráticos para desestabilizar nosso sistema e nosso modo de vida não podem e não devem ser permitidos. Compromisso e tolerância são essenciais para que a paz seja alcançada.


Estou bem ciente da tremenda contribuição do sionismo religioso ao Estado de Israel e ao povo judeu. O fato de seus apoiadores serem tão apaixonados em suas opiniões sobre o processo de paz é, talvez ironicamente, o melhor testemunho de seu compromisso com o sionismo. Mas não menos sionistas são as opiniões daqueles que acreditam que Am Yisrael [o povo judeu] tem precedência sobre a Grande Eretz Yisrael [a terra de Israel].


Estou profundamente perturbado se o debate público sobre o processo de paz é percebido por alguns como um debate entre religiosos e não religiosos. Existem judeus seculares que se opõem veementemente ao processo de paz, assim como existem judeus religiosos que o apóiam com fervor. As decisões que meu governo e eu tomamos não estão enraizadas no ódio contra o judaísmo, mas no ahavat Yisrael [amor por um outro judeu] na esperança fervorosa de que nunca mais um pai diga o kadish por seu filho caído, nunca mais nossa Chevra Kadishah [sociedades funerárias] vasculham as ruas em busca dos restos mortais ensanguentados, nunca mais um bar-mitzva lerá o maftir pela primeira vez sem seu pai ao seu lado.


Em Washington, no mês passado, disse publicamente a Arafat que: “Se todos os parceiros da construção da paz não se unirem contra os anjos do mal, da morte e contra o terrorismo, tudo o que restará desta cerimônia serão instantâneos coloridos, lembranças vazias ... Nós (os que assinam o tratado) não devemos permitir que o terrorismo derrote a paz. Não permitiremos. Se não tivermos parceiros nesta guerra amarga e difícil, lutaremos sozinhos. Nós sabemos como lutar. Nós sabemos como vencer.” Ao mesmo tempo, o Estado de Israel e seu governo estão fazendo todos os esforços para proteger as vidas de israelenses e judeus, não apenas em Israel, mas onde quer que estejam. Essa é minha responsabilidade solene como primeiro-ministro e meu compromisso pessoal como filho do povo judeu.


Em particular, espero que você possa comunicar esta mensagem ao anglo-judeu e ao mundo judaico na Diáspora em geral, pois a parceria entre Israel e a Diáspora continua sendo a pedra angular de nossa política. Confio em que continuaremos a trabalhar juntos para manter a unidade e a força de nosso povo e nosso país.

Mais uma vez, agradeço profundamente por tudo o que você fez, e termino acreditando que Hashem yevarekh et amo vashalom, “D’us abençoará Seu povo com paz."

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