Marcadores

quinta-feira, 28 de março de 2024

‘Mitzvá Legal’ - Dever de alimentar os civis iminigos

DEVER DE ALIMENTAR OS CIVIS INIMIGOS DURANTE A GUERRA 

Por Angelina Mariz de Oliveira


Existe obrigação de os grupos em conflitos militares proverem alimentos para as populações inimigas durante os períodos de guerra? É razoável a exigência mundial de que Israel seja responsável pela segurança alimentar da população de Gaza? Em nenhuma das outras guerras que atualmente se desenvolvem os organismos internacionais requerem o cumprimento dessa obrigação. Por que apenas ao Estado de Israel é imposto o ônus de alimentar a população civil inimiga? 

A guerra do Hamas contra Israel, iniciada em 7 de outubro de 2023, passou do território israelense para o território de Gaza. É uma típica guerra de defesa, e até março de 2024 o conflito está em curso. Ainda não existe ‘território ocupado’, mas ‘zona de guerra’. Enquanto Israel não instituir suas estruturas de administração e de policiamento em Gaza, juridicamente não se pode falar em ‘ocupação’. Se não há ocupação, e a situação é de combates intensos em curso, é razoável exigir que Israel tenha que dirigir parte de seus recursos e estratégias para alimentar a população inimiga? Parece uma questão que facilmente pode ser respondida com um ‘não’. No entanto, para o Judaísmo a resposta é ‘sim’. 

Há milhares de anos nós sabemos a tragédia que é a fome em tempos de guerra para a população não combatente. O Tanach nos traz diversos relatos da dureza e do sofrimento provocados pela falta de alimentos em tempos de guerra. Podemos ler algumas descrições como: “E te sitiará em todas tuas cidades, até subjugar teus muros altos e fortes nos quais tu confias, em toda tua terra, que te tem dado o Eterno, teu Deus. E comerás o fruto de teu ventre, a carne de teus filhos e tuas filhas que te deu o Eterno, teu Deus, por causa do sítio e do aperto com que te apertarão teus inimigos” (Devarim 28:52). “Farei com que devorem a carne de seus filhos e de suas filhas, e cada um devorará a carne de seu amigo, durante o cerco e as agruras que seus inimigos, e todos que anseiam por destruí-los lhes imporão” (Jeremias 19:9). “Quando, para destruição, enviar contra vós, as flechas malignas da fome, será retido o pão do vosso sustento, sereis tingidos por fome (...)” (Ezequiel 5:16-17). 

Por isso, temos mandamentos relativos à população civil inimiga, que se aplicam durante guerras de defesa entre o Estado de Israel e outros povos contemporâneos. Entre elas destaca-se que mulheres, crianças e animais não podem ser mortos como estratégia de guerra. Desde o século XX a Convenção de Genebra IV distingue em seu artigo 14 as seguintes pessoas entre a população não combatente em zonas de operações militares: “os feridos e os doentes, os enfermos, os velhos, as crianças com menos de 15 anos, as mulheres grávidas e as mães de crianças com menos de 7 anos”. Todos que se enquadrem nessa categoria devem ser protegidos pelas partes no conflito. A proteção conferida pela Torá é mais ampla em relação às mulheres, pois todas são incluídas sem exclusão de nenhuma natureza. Não se refere, porém, a homens em situação de vulnerabilidade, como consta na convenção de Genebra. Essa proteção à vida pode se interpretada como incluindo garantia de acesso deste grupo aos meios de sobrevivência, incluindo alimentação. 

Essa constatação decorre da leitura conjunta do mandamento de preservação das árvores frutíferas, que são necessárias para a alimentação humana (Deuteronômio 20:13-15 e 20:19). O artigo 14 do Protocolo II Adicional às Convenções de Genebra, por sua vez, estabelece que “É proibido utilizar contra as pessoas civis a fome como método de combate. É, portanto, proibido atacar, destruir, tirar ou pôr fora de uso com essa finalidade os bens indispensáveis à sobrevivência da população civil, tais como os gêneros alimentícios e as zonas agrícolas que os produzem, as colheitas, o gado, as instalações e as reservas de água potável e os trabalhos de irrigação”. Demonstrando que o Direito internacional há muito tempo busca civilizar aqueles que combatem, com respeito a proteções humanitárias que cada um gostaria de receber para si próprio e para sua família. As regras que garantem a vida da população civil inimiga, inclusive a garantia de acesso a alimentos durante os conflitos, são contrárias ao senso comum de uma humanidade brutal. Seu cumprimento não é visto ou noticiado. 

Sempre é bom lembrar como a fome é uma arma de guerra amplamente utilizada ao longo da História até nossos dias, semelhantemente às violências sexuais contra mulheres. Israel, porém, deve se esforçar para garantir segurança à população civil de Gaza, mesmo sendo ela inimiga e amplamente favorável ao Hamas e a seus objetivos de destruição de Israel de extermínio dos judeus. Por quê? Para cumprirmos integralmente o mandamento de apagar a memória de Amalek debaixo dos céus, e não esquecer Amalek (Devarim, 25:17-19). 

Deus nos instrui não apenas para derrotar nossos inimigos nas guerras de defesa, mas também a não esquecer o que eles nos fizeram, para que não nos tornemos iguais a eles. Essa é uma das partes mais desafiadoras e difíceis de ser lembrada e cumprida, nos campos de batalha e nas vitórias.

Nenhum comentário:

Postar um comentário