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sexta-feira, 25 de julho de 2025

ACONTECE: Honestidade moral

 Por Juliana Rehfeld



Hoje, mais um acordo perdido, mais uma possibilidade de cessar fogo perdida, nada muda. Mas, nesse caso, se nada muda tudo piora - a frustração em Israel e nas comunidades na diáspora aumenta, as condições dos reféns pioram, as condições dos soldados em Gaza pioram, as condições dos civis em Gaza pioram e acima de tudo isso, e de maneira explosiva, as narrativas de todos os lados e o antissemitismo pioram. 

A frustração vem porque estava-se, novamente, “quase lá”, a sensação de que “desta vez, vai sair!” É fácil e errado julgar à distância, sem ter os inúmeros detalhes da complexa negociação, mas a impressão é de que não existe vontade sair disso, de ambas as partes… terrível, não é?

E a nossa impotência e cansaço aumentam. O persistente esforço de esclarecer, informar e explicar vai dando a impressão de estarmos enxugando gelo. Senti isso, impotência e cansaço quando ouvi uma fala de Henrique Cymerman ainda na semana passada, quando comentou que seus - sempre importantes e poderosos - contatos no cenário político árabe lhe disseram que Israel “ao invés de gastar esforços e equipamentos militares deveria gastar esforços em comunicação com ‘a rua palestina’, porque nas ruas a população acha que tudo que Israel faz hoje tem o objetivo de anexar terras e se expandir, do Nilo ao Eufrates”…! As pessoas nas ruas dos territórios em conflito e em muitos países árabes, que obviamente não recebem as notícias de fontes internacionais quaisquer que sejam NÃO SABEM O QUE ACONTECEU EM 07 DE OUTUBRO  DE 2023. Pergunto-me, se fizermos uma enquete nas ruas de São Paulo, qual seria o resultado. E é lá que a informação precisa chegar. 

Mas a mídia internacional, escrita, narrada ou televisiva, além de não buscar estas informações (difíceis e complexas), muitas vezes ainda filtra (ou simplesmente repete) os dados já superficiais disponíveis… sem tocar aqui nas falas e imagens adulteradas, requentadas, produzidas mal intencionalmente. 

É claro que, com o alongamento da duração da guerra, os fatos e as imagens verdadeiros também pioram. É-me penoso acompanhar os erros que o governo comete, um ou outro ministro comete, uma facção ultra radical comete, uma imagem horrível mostra, e não são poucos, vão se empilhando, dia a dia…

E o desespero e o cansaço se agravam. Uma das consequências adicionais, “lateral mas não periférica”, que temos visto ao longo da história, de crise em crise, é a necessidade dos próprios judeus de se manifestarem publicamente contra Israel como que dizendo “olha, eu sou judeu mas apesar disso sou tão legal quanto vocês que me criticam….” Há muitos exemplos disso recentemente, no jornalismo, em ex-autoridades de Israel, em artistas, em professores (!), na psicanálise (!), muitos. 

A  Parashá desta semana, Matot - Tribos - trata das leis sobre juramentos e promessas quando se dá distribuição de terras a serem conquistadas “do outro lado do Jordão”. Duas tribos, Gad e Reuven decidem se estabelecer do “lado não designado” do rio, por ser mais interessante economicamente, e apesar de Moisés não concordar - quebra do comando de Deus - Deus mesmo permite mas deve haver um compromisso: prometem que vão ajudar as demais tribos a vencerem as batalhas para obter a Terra Prometida. E há então regras sobre  juramentos e promessas. E a linguagem é fundamental, “a linguagem que age”. Na base da visão essencial de uma sociedade com liberdade e responsabilidade do judaísmo está, segundo Jonathan Sacks, Z’L, em seu magistral texto sobre Matot, “Juramentos e Promessas”, o fato de que uma promessa cria uma realidade. Diz o rabino Sacks que, explicando a leitura que Nietzsche faz da importância da promessa para a vida moral em seu livro “Sobre a Genealogia da Moral”, Hanna Arendt: “Os assuntos humanos são repletos de imprevisibilidade. Isso porque somos livres. Não sabemos como outras pessoas se comportarão ou como reagirão a um ato nosso. Portanto, nunca podemos ter certeza das consequências de nossas próprias decisões. A liberdade parece roubar a ordem do mundo humano. Podemos prever como objetos inanimados se comportarão sob diferentes condições. Podemos ter uma certeza razoável de como os animais se comportarão. Mas não podemos prever com antecedência como os humanos reagirão. Como, então, podemos criar uma sociedade ordenada sem privar as pessoas da liberdade? “ A resposta seria fazer uma promessa.

Então, quando juro ou prometo, estou criando algo novo porque me comprometo com aquilo que ainda não é, mas que devido ao meu cumprimento, será. 

E o que tem isso a ver com nossa situação hoje? Creio que muito:

Evidentemente falar sobre cumprimento de promessas de políticos é ridículo, não vem ao caso… deveria ser sério mas não é. 

Quanto às narrativas, trata-se de realidades interpretadas ou criadas para acomodar nossas incertezas, nossos medos, e tornar possível nossa contínua convivência com o paradoxo das situações complexas. 

Na longa e penosa espera pela chegada e conquista da Terra Prometida, que leio hoje como, chegada e conquista de uma paz sustentável no Oriente Médio contemporâneo, nos posicionamos de maneiras muito diversas, em classes e intra-classes, os políticos, os jornalistas, os professores, os psicanalistas, os atores, nós todos e cada um de nós. E com certeza, vamos conviver com isso, desde o acordar até colocar a cabeça no travesseiro. 

Se somos moralmente honestos, isto é, éticos e sinceros, quando julgamos, condenamos, prometemos e juramos em nossas manifestações, estamos nos comprometendo com nossa visão de mundo, de uma maneira que crie uma realidade que queremos, e na qual nos seja possível viver bem. Ao expressar isso estamos agindo para criar um mundo melhor.

Além de nós comprometermos, agimos para esclarecer, informar, divulgar essa visão de mundo. 

Alternativamente, se desinformamos, mentimos, tornamos simplista o que é complexo, julgamos superficialmente o que é profundo, criticamos para não sermos confundidos com o que nos incomoda ser, estaremos minando a possibilidade desta visão de paz sustentável que em tese, todo mundo quer. 

A impotência e o cansaço me levam a esta triste e apenas íntima conclusão. Além de continuar teimosamente a agir para disseminar informações que não se lêem na mídia e explicar o que muitos já esqueceram ou nunca tiveram a oportunidade de aprender ou conhecer, só posso esperar que a desonestidade moral e as falsas promessas de tantos não prevaleçam…

Shabat Shalom

2 comentários:

  1. Oi Juliana, gostei. Tal qual "sair às ruas" este seu informativo tambem a meu ver deveria circular nas "ruas judaicas". ShabatShalom!

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