Liberdade...
Amanhece de novo aqui. Chego dos meus
exercícios e mergulho no abraço confortável do banho. Visto o terno e me sento
diante dos jornais. E então, uma melodia de perfumes, sobe o cheiro do café que
a Ana Rosa, com suas mãos de pianista, vai tocando.
É nessa rotina sagrada que o meu camarote
ganha vida. Tenho uma varanda, sabe um espacinho de um por um? É lá que pousam os
artistas: uma trupe de passarinhos, pinceladas de azul e cinza, como se gotas
de céu tivessem caído no meu parapeito. Vêm para o café sagrado das minhas
romãs.
Na varandinha tem um vaso. Lá plantei
uma romãzeira. Vocês sabem, né? Eu sou um palpiteiro de mão cheia! Quem pôs a
mão na massa foi a Ana Rosa! Ela plantou, ela rega com carinho... Eu me limito
à minha insignificância de quem nem sai do sofá...
É só um frutinho apontar, uma joia
vermelha se insinuando na casca, para que a festa comece. Chega essa tribo,
depois os sabiás com seus lamentos doces, e os bem-te-vis, anunciando com seu
grito de que a vida presta. Eu até perco o rumo das notícias, porque os
mistérios dos céus e da terra chegam a caber naquele vaso.
É que fui notando, sabe? As tribos, com
suas cores e cantos diferentes, tecem uma dança no ar para abrir a romã. É um
balé, um concerto de bicadas, uma sinfonia de asas. Cada um entrega o seu dom,
a sua força, a sua alma de pássaro. Aquilo tudo que eles têm de mais próprio:
sua propriedade! É o mais puro Iachad, uma lição de comunidade. A união
que supera a barreira e revela o tesouro.
Mas aí... ah, a vida... Aberta a romã,
o coletivo se quebra e o arranca-rabo começa! A poesia da união vira a prosa da
disputa. Onde havia um coro, agora há um turbilhão de penas e egos. A lei da
selva em miniatura. Cada um por si, defendendo seu grão de paraíso com uma
fúria que só a fome explica.
E eu aqui, testemunha de terno e jornal
na mão... Minhas ideias nem ligam mais para o tarifaço, para a política, para o
jogo de hoje à noite... Meu pensamento vai longe da Odete Roitman! Fico
pensando nessa liberdade de querer, de avançar, de espantar... E, coladinha nela,
a responsabilidade de bancar a briga, de aguentar a bicada, de se garantir no
voo.
Quem quer ter Liberdade tem de ser
Responsável!
"Você não vem?", a voz da Ana
Rosa é um porto seguro que me chama de volta. Sempre!
Levanto devagar, e o encanto se desfaz
numa explosão de asas. Ninguém paga pra ver. Vai que esse gigante imóvel é um
predador, um ladrão de céus e de cantos? Quem garante que eu não tenho gaiolas?
Mal sabem eles que não sou caçador. Sou
só plateia. Minha gaiola é o jardim, é o mundo! Minha alegria, minha oração, é
essa! Saber que são livres, donos do vento e do próprio canto, me ensinando,
sem uma palavra, que a beleza mais funda da vida está em voar!
André Naves
Defensor Público Federal. Especialista
em Direitos Humanos e Sociais, Inclusão Social – FDUSP. Mestre em Economia
Política - PUC/SP. Cientista Político - Hillsdale College. Doutor em Economia -
Princeton University. Comendador Cultural. Escritor e Professor.
Conselheiro do Chaverim. Embaixador do
Instituto FEFIG. Amigo da Turma do Jiló.
www.andrenaves.com
Instagram: @andrenaves.def
Muito bom! Parabéns! Itanira
ResponderExcluirque lindo André! uma bela poesia|!
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