Há razões para otimismo?
Por Juliana Rehfeld
Temos dito que as coisas estão difíceis, que vemos retrocessos em várias questões sociais e políticas em distintos cantos do mundo, que a pauta de costumes que tanto avançou desde os anos 90 vem sendo desafiada por surtos dispersos de obscurantismo e xenofobia, anacrônicos e, por vezes, assustadores.
A pandemia, como se não bastassem a mortalidade, a morbidade e o isolamento, nos permite perceber quantos e quantas vizinh@s de planeta desconfiam da ciência, recusam-se a tomar vacina ou pouco se importam com qualquer coisa ou qualquer um além de seu umbigo.
Mesmo em países cujos governantes acertaram muitas medidas e vêm vacinando celeremente e ajudando economicamente os mais vulneráveis, assistimos a ruidosos protestos contra medidas de isolamento em nome de um direito de ir e vir que se alia ao direito de contaminar e ser contaminado, de sobrecarregar o sistema hospitalar e forçar um ritmo insano de trabalho a médicos e enfermeiros.
Para piorar, as variantes virais estão gostando de se multiplicar e trazer recaídas, fazendo com que a luz no fim do túnel não esteja muito visível…
Acumulam-se os sinais que nos fazem desacreditar do futuro, temos razões para tristeza e pessimismo… e, justamente agora, chegamos a Tisha B’Av - 9o dia do mês de Av, neste Shabat!
Tisha B’Av é considerado o dia mais triste do calendário, fazendo referência ao momento em que 12 líderes das tribos enviados como espiões por Moisés a Canaã voltam e relatam o que encontraram lá: dez entre eles só trouxeram más notícias da Terra Prometida, contaram que era habitada por um povo indestrutível, formado por “gigantes”, inconquistável. Estes dez dizem “preferir retornar à escravidão egípcia a tentar conquistar a Terra Prometida e serem dizimados”. O que espalha o pânico a todo o povo.
E, conta a Torá, que ao ouvir isso D’us fica profundamente descontente com essa demonstração pública de descrença em Sua promessa e poder. E jura que aquela geração de judeus que deixara o Egito – e que chorara ao ouvir o relato dos 10 espiões – jamais entraria na Terra Prometida. Somente seus filhos teriam tal privilégio. E muitas outras tragédias são atribuídas a esta mesma data, inclusive a destruição dos dois Templos de Jerusalém e a expulsão de judeus de vários países no fim do século XIII, chegando, devido à já comentada mobilidade do calendário lunar, a coincidir com a data de 2 de agosto de 1941, atribuída à decisão, na Alemanha Nazista, pela “Solução Final para o Problema Judeu”.
Já não basta!?
Há rituais de lamúrias e penitências, muitas acompanhadas, ou não, de jejum de 24 horas.
Mas então de onde surge a ideia de que 9 de Av é uma luz em tempos de escuridão? Há vários motivos, inclusive o que associa a mesma data à esperada “chegada do Messias que permitirá a construção do terceiro e eterno Templo.”
Acredito mais palpável e consistente, no entanto, pensar que esta luz significa que justamente porque estudamos, contamos, debatemos e refletimos sobre nossa história, sabemos que sempre saímos desses piores momentos com uma combinação de força e perseverança, fé e trabalho, e mais do que sobreviver, emergimos e evoluímos como nação entre as Nações e temos contribuído solidamente para o que chamamos de Tikun Olam - a melhoria do mundo em que vivemos.
Em outro nível de reflexão penso que nesta fonte bebeu a moderna e amplamente usada Teoria U de mudanças que nos propõe mergulhar em nós mesmos, individual ou coletivamente, buscando o que nos é essencial para, a partir disso reconstruir um caminho que possa alcançar uma situação melhor e sustentável.
Há diversas definições para otimismo e esperança, mas creio que o importante é extrairmos destas, o que diferencia a atitude proativa daquela passiva frente a situações difíceis ou trágicas que atingem os outros ou a comunidade como um todo. Particularmente o emérito rabino Jonathan Sacks z’l’ dizia que “otimismo é acreditar que as coisas vão melhorar, enquanto esperança é acreditar que nós conseguiremos melhorar as coisas”.
Nestes tempos sombrios e neste 9 de Av façamos este mergulho naquilo que nos é essencial, deixando de lado o que nos amarra a circunstâncias voláteis, mutáveis ou mesmo sinais e notícias enganosas ou precipitadas, empenhad@s a reemergir mais sólid@s, mais poderos@s para dirigir nossos próximos caminhos. E dediquemo-nos a passar às próximas gerações o impulso e o método desse continuo exercício de descida e retorno para que elas sigam construindo um mundo cada vez melhor para tod@s.
Juliana Rehfeld
N.E.: para tornar o texto mais inclusivo e acolhedor, a Juliana Rehfeld, autora deste Editorial, escolheu usar @ no lugar dos artigos.
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