Por Juliana Rehfeld
Tem acontecido muita coisa, em Israel e no front em Gaza, mas também no planeta, com o ressurgimento, para mim assustador, do “irracional” antissemitismo e de proporções inacreditáveis.
Em Israel, a vida tentando voltar ao “normal”, apesar de muitos cidadãos e muitas cidadãs, sejam judeus ou árabes ou cristãos, ainda estarem substituindo em vários setores - agricultura, indústria - trabalhadores que estão atuando nas Forças de Defesa e é claro, apesar dos ataques ainda diários de foguetes do Hamas no sul e no centro e de drones suicidas do Hezbollah no norte.
Fora de Israel, nas ruas, nas redes sociais e nas universidades da Europa, Estados Unidos e aqui no Brasil, acontecem manifestações anti-semitas de uma virulência que não mais acreditávamos possível. De tudo, um pouco, mas demasiado: afirmações mentirosas, dados historicamente inverídicos, generalizações “banalizadoras”. Frases como:
- “Israel está mostrando seu verdadeiro objetivo de exterminar os palestinos” que ouvi de colegas “esclarecidos” - como se Israel precisasse de 75 anos para fazer isso se realmente o quisesse…
- “Hospitais palestinos são alvo de bombardeio indiscriminado por parte de Israel levando à morte de mais de 10 mil civis, sobretudo crianças" - quando casas e hospitais do norte foram evacuados a pedido de Israel mas contra vontade do Hamas e números não são checados e além disso, imagens divulgadas mostram uma já famosa tática de os mesmos adultos e crianças “morrerem” diversas vezes em locais diferentes…
- O presidente Lula desinformando ao dizer que "a ONU tinha sido capaz de criar o estado judeu mas não tem até hoje força para criar o estado palestino ao lado” quando todos sabem que a resolução de criar o estado árabe de 1947 não foi aceita pelos países árabes, o que resultou na primeira guerra de Israel. E na época, ao referir a palestinos falava-se da população também judaica, de moedas e jornais em hebraico e árabe…
- Ainda Lula falando que “parece que Israel quer invadir Gaza e expulsar os palestinos", e tantos falando em genocídio quando, de novo, se Israel realmente quisesse ocupar o território não teria saído de lá em 2005, retirando à força a população judaica de lá, ou quisesse exterminar os árabes e fazer a alegada “limpeza étnica” quando em seu território abriga com plenos direitos cerca de 2 milhões de árabes!
- E a ameaça verbal e à integridade física de professores e alunos judeus de inúmeras universidades mesmo que esses nem se tivessem manifestado pró Israel, mas simplesmente por serem judeus!
E o pior, porque majoritário: o silêncio seletivo. O silêncio que deixa de condenar o estupro e a violência contra mulheres quando são israelenses ou judias, o silêncio que deixa de condenar as barbaridades perpetradas em 7 de outubro tratando essas ações como resistência a… ao que mesmo?? O silêncio das autoridades brasileiras em relação ao refém brasileiro enquanto se esforçam sobremaneira para trazer não-brasileiros fugindo de Gaza…
E é claro, o silêncio da imprensa que deixa de mostrar as dificuldades do dia-a-dia em Israel, que mencionei acima, ou o cuidado com que estão sendo feitos os ataques a Gaza para reduzir ao mínimo as mortes colaterais dos escudos humanos usados pelo Hamas - se eu recebo essas imagens e vídeos, tenho certeza que a imprensa também recebe mas escolhe não mostrar!
Manifestações em todos os lugares que repetem “hipnoticamente” "Palestine Free - from the river to the sea” - palestina livre do rio ao mar - pregando portanto apagar Israel do mapa! Isso é resistência ao colonialismo??
E a ausência da Cruz Vermelha, supostamente preocupada em garantir a integridade de civis sequestrados? Quando são israelenses, não?
E manifestações que incluem desenho de suásticas e de estrelas de David em muros onde haviam sido apagados em 1945 ao final da 2a guerra! E achávamos que nunca mais!
Se na Europa dos anos 40 estava escrito “Judeus - saiam daqui e vão pra Palestina" - hoje se escreve “Judeus - saiam da Palestina" e “e da nossa frente”!
Felizmente há movimentos, sobretudo de jovens, que antes alheios à polícia em Israel ou fora, manifestam em alto e bom som seu orgulho em serem cidadãos israelenses ou judeus na diáspora, e artigos e falas - poucos, mas fundamentais - expondo fatos que mencionei nesta coluna, e também trabalham há tempos pela paz e contra o ódio. Apenas alguns:
- Artigo de Mariliz Pereira Jorge na Folha - "O feminismo abandonou as judias”;
- Resposta na Folha de Alexandre Schwartsman a um judeu com auto ódio desproporcional (esse assunto falamos em outro artigo): “O que Breno Altman esconde”;
- O material fantástico produzido pelo StandWithUs e pelo IBI…
- Mulheres da ONU, UN Women: “Your silencie is Unbelievable” - teu silêncio é inacreditável;
- Movimento de cidadãos judeus e palestinos de Israel que buscam a paz: standing-together.org ;
- O movimento Mulheres que agem pela Paz - נשים עושות שלום - Nashim Ossot Shalom.
Acabei de receber a notícia de que um advogado americano - não tenho o nome- obteve em 17/11 a patente da frase "From the River to the Sea, Palestine Will be Free" e com isso processará quem a está usando. Grande ideia!
Mas de fato creio que nós judeus, sionistas, não israelenses, estamos perplexos e tristes com a ausência de reação ou com a triste reação de colegas e pessoas que pensávamos próximas, e sem dúvida, informadas e esclarecidas. Onde estava guardado e como emergiu esse antissemitismo cheio de ódio, vazio de crítica e auto-controle? Minha sensação é de me tirarem o chão, bases em que eu acreditava, me enganava. Alinhamento que eu imaginava ter foi totalmente quebrado e fico triste ao estar hoje acompanhada em meus argumentos por pessoas com as quais nunca concordei política ou socialmente. Por que isso acontece?
Tenho sempre tentado fazer uma correlação, ver se há alguma possível reflexão na parashá da semana com o que acontece em nossos dias. Nesta semana lemos na Torá que Jacó saiu de sua casa a caminho da terra onde o tio Laban morava. O mais famoso sonho da Bíblia ocorre então, justamente quando ele está fora de sua casa, fugindo da ameaça de Esau, antes de padecer dos enganos a que Laban o submete, sozinho, no escuro, no máximo da vulnerabilidade: sonha com uma escada que vai ao céu, anjos sobem e descem por ela, Deus lhe aparece do alto e lhe promete dar-lhe a terra em que ele está, onde seus descendentes se espalharão, e lhe diz que sempre o acompanhará, não o abandonará até cumprir a promessa.
Escolho “pescar” nisso que a esperança é possível no momento de grande vulnerabilidade, de solidão. Mas como se desenvolve a vida de Jacó, ele consegue “crescer e se multiplicar” apenas a partir de muito trabalho e resiliência.
Hoje vi que no fim de outubro, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), sancionou a Lei nº 17.817/2023 que proíbe o ensino ou abordagem disciplinar do Holocausto a partir de perspectivas negacionistas ou revisionistas. A nova norma é válida para o Sistema de Educação Básica do Estado. A educação começa pela base, se esse trabalho for bem feito poderemos sonhar com um Nunca Mais de fato!
Shabat Shalom