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quinta-feira, 24 de março de 2022

Editorial - VIVENDO e CONTANDO


Séculos de História - contada e registrada

Hoje é dia 24 de março de 2022. Vivemos tempos de relevância histórica. Tempos que vão ficar registrados em histórias oficiais e histórias contadas. A primeira passando pelo rigor da ciência. Registros e provas corroborando o que conta o historiador, e desta forma tentando resgatar uma "verdade". Também será registrado de forma individual através de diários, lives e a memória dos filhos, netos e bisnetos. Histórias pessoais refletem memórias muitas vezes filtradas através de gerações. Michel Laub, brasileiro, gaúcho e judeu que atualmente mora em Berlim escreveu um interessante artigo no Valor Econômico, que dá o sabor de procurar entender o que acontecia em tempos remotos a partir de documentos familiares. 



Esta semana a Guerra da Ucrânia completa um mês. Há um novo desenho geopolítico pairando no ar. Para os judeus descendentes do Leste Europeu, que ouviram falar daquelas terras por seus familiares próximos ou amigos, os nomes e termos são conhecidos. Para os russos-ucranianos que emigraram para Israel após a queda da União Soviética há grande preocupação com familiares e amigos que ainda estão nas zonas de conflito.

A figura acima ilustra a diversidade da vida judaica que se iniciou há mais de 4 séculos. Nas terras que iam desde a Polônia, passando pelos países Bálticos, descendo por Bielorússia, Ucrânia, Moldávia, Romênia e entrando pelo território russo havia miríades de pequenas aldeias judaicas chamadas Shtetls. A terra, o estudo e a família eram características destes lugares que compensavam a primitividade com um sistema educacional muito eficiente. Gerações que saíam do Shtetl para o mundo ocidental rapidamente se engajavam na vida normal, propiciando aos filhos e aos jovens emigrantes condições de se destacarem nos saberes ocidentais.

Também havia judeus nas cidades. Olhando uma coleção de cartões postais, vi o que foi postado acima. Este cartão também está na internet e foi despachado em 1898 da cidade de Brody que fica na região de Lviv (Lemberg), oeste da Ucrânia, zona da Galícia polonesa. A comunidade judaica formava 88% do distrito de Brody e foi extinta durante a segunda guerra mundial. Esta foi uma cidade reconhecida como "uma cidade onde sabedoria e riqueza, Torá e compreensão, comércio e fé estão unidos": Assim escreveu o Nachman Krochmai (1785-1840) para  Isaac Erter  (1792 - 1851), intelectuais e rabinos do século XVIII. {judeus de Brody}.

É nesta região que se desenrola a Guerra entre a Rússia e a Ucrânia em pleno século XXI. O Estado de Israel hoje é responsável por ajuda humanitária, como ilustrado pelas ambulâncias blindadas acima e também tem aberto suas portas (como comentado na semana anterior) para judeus e não judeus.

Israel, apesar de sofrer "bulliyng" internacional e diplomático é um país inclusivo e multicultural. Admite a diversidade dos judeus e a isto inclui a diversidade dos não judeus. Um importante exemplo de convivência é o serviço da Magen David Adom - instituição sem fins lucrativos que faz parte do sistema da Cruz Vermelha Internacional.  Um imagem especial, que registra o conviver, está no painel acima. Uma ambulância em que uma dupla de israelenses - judeu e muçulmano - param para rezar. A hora certa é igual para os dois, mas a direção das orações é diferente. O judeu reza olhando para Jerusalém e o muçulmano se dirige para Meca. Estas são as cidades sagradas para cada uma das religiões. Se estivessem no Brasil, ambos olhariam para Leste, e no Japão ambos olhariam para Oeste - Portanto, é apenas em uma pequena parte do globo terrestre, no próprio Oriente Médio, que um reza de costas para o outro. 

No meio destes dias terríveis, assistimos com esperança todos os movimentos que acontecem do Marrocos à Arábia Saudita, dos Emirados Árabes Unidos ao Egito. Embaixadas, turistas, comércio, encontros científicos e educacionais, competições esportivas e certames intelectuais... tudo acontecendo de forma acelerada, com muito contato pessoal e muito entendimento. Buscar pontos de contato e discutir diferenças agora é possível nesta região do mundo e a forma de rezar parece estar sendo menos importante que os objetivos das rezas.

Muito a comentar e muito a registrar, mas vou terminar com um toque pessoal. Ontem, jantando com um grupo de amigas, a que chegou por último, após alguns minutos de sentar-se à mesa, levantou a voz e disse: "quero falar, ESCUTEM". Paramos todas porque notamos a urgência da mensagem e porque havia algo estranho no ar. Esta é um amiga muito calma e de fala baixa. Fez-se silêncio, e retornando à forma macia de falar contou: "todas aqui comentam da forma como os pais ou avós saíram da Europa durante o século XX. Preciso dizer que eu vivi esta história quando tinha 6 anos. Quando os russos ocuparam a Hungria. E, ouvimos memórias de uma menina de 6 anos. Um menina que hoje olha documentos e revê rostos. Uma menina que esteve em uma estação ferroviária embarcando de Budapeste para Viena e depois, algum bom tempo depois, para o Brasil. Uma menina que levou apenas um ursinho de pelúcia de uma mansão e que viu este ser cortado pelo agente ferroviário antes de permitir o embarque. 

Um dia, esta menina vai contar a sua história, que é parte da nossa história e que precisa ser contada não apenas pelos que querem entender a geopolítica, mas também por aqueles que querem conviver com seres humanos.

Esperemos que esta semana traga boas novidades.

Regina P. Markus

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