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quinta-feira, 21 de novembro de 2024

‘Mitzvá Legal’ - Não matarás?

 

NÃO MATARÁS?

Por Angelina Mariz de Oliveira

 

O Judaísmo, como religião e como cultura, se orgulha de ter como valor maior a vida. A Torá contém expressamente as ordens de ‘não matar’ (Êxodo, 20:13 e Deuteronômio, 5:17) e de ‘escolher a vida’ (Deuteronômio, 30:19). Lembrando que a proibição ao assassinato é um mandamento universal, para toda a humanidade, como lemos nas reprimendas de Deus quando Caim matou seu irmão Abel (Gênesis, 4:10-12), e nas leis dadas a Noé após o dilúvio (Gênesis, 9:6).

A proibição ao assassinato, porém, é dirigida para as pessoas. É uma proibição de uso da força para resolver com as próprias mãos alguma disputa ou diferença com outra pessoa. Os juízes que julgavam o povo hebreu, no entanto, tinham autorização, e até o dever, de condenar à morte pessoas que tivessem praticado ações consideradas abomináveis como, entre outras, homicídio, adultério ou trabalhar no Shabat.

No decorrer da história Judaica, foram criadas regras que procuravam evitar a pena de morte. Como, por exemplo, a exigência de que duas testemunhas atestem a prática do crime (Talmud, Sanhedrin 37b). Além disso, essas duas testemunhas também devem ter advertido a pessoa para não cometer o erro; e a pessoa deve ter declarado que ouviu os avisos, mas mesmo assim praticaria o delito. Também existe a proibição de condenação à morte se todos os juízes unanimemente decidirem pela aplicação dessa pena. E mais ainda, um tribunal que condenasse alguém à morte no período de setenta anos, deveria ser considerado uma ‘corte assassina’ (Talmud, Makkot 7a).

Na moderna legislação brasileira não encontramos o comando direto e objetivo de ‘não matar’, mas o valor de defesa da vida, e de punição do assassinato faz parte de várias normas. Por exemplo:

 

“Não haverá penas de morte (...)” (Constituição Federal, art. 5º, XLVII);

“Matar alguém: Pena – reclusão, de seis a vinte anos” (Código Penal, art. 121);

“Matar mulher por razões da condição do sexo feminino: Pena – reclusão de vinte a quarenta anos” (Código Penal, art. 121-A).

 

Mas esse comando também não é absoluto, pois existe a previsão de pena de morte em casos de guerra (Constituição Federal, art. 5º, XLVII). Também é prevista a possibilidade da inexistência de crime nos casos de legítima defesa, quando alguém ao se defender mata seu agressor, ou agressor de outra pessoa (Código Penal, arts. 23, II e 25).

Em Israel a pena de morte é prevista para casos de nazistas genocidas e de traição em tempos de guerra. Foi aplicada no conhecido julgamento de Adolf Eichmann. Existe um projeto de lei estendendo a aplicação da pena de morte para terroristas que tenham assassinado israelenses. É uma norma polêmica que está em discussão desde 2018.

Como se vê, nesses três sistemas normativos (a Torá, e as modernas legislações brasileira e israelense) prevalece o comando de ‘não matar’. Essa regra geral é essencial para garantir a estabilidade e a pacificação social, para impedir os abusos da vingança, e a desproporcionalidade das reações punitivas aos erros e crimes.

Ao analisar as regras, a questão parece clara e solucionada. No entanto, a realidade traz situações trágicas e desafiadoras. Um dos aspectos que dificulta a criação de uma sociedade sem homicídios é uma parcela significativa dessa sociedade aceitar a morte como uma forma de solução de conflitos.

No Brasil, a execução de negros é cotidiana, seja pelas forças públicas de defesa, seja por grupos criminosos. O feminicídio é modo descontrolado de lidar com conflitos familiares. O assassinato de pessoas com opções sexuais não tradicionais é dos mais altos índices mundiais. São milhares de homicídios ao ano que desprezam a proibição expressa de assassinato.

Em Israel há a estratégia de guerra de executar líderes terroristas fora dos campos de batalha, muitas vezes junto com membros não combatentes de suas famílias, como crianças e esposas. Sem analisar o valor e a necessidade dessa tática de combate, ela tem o efeito de não cumprir o comando de não matar, ou de matar apenas após um julgamento por uma corte imparcial.

A questão de ‘não matar’ se torna mais complexa se adotamos as tradições judaicas que ampliam esse comando para as mortes sociais, provocadas pelas difamações, fofocas, calúnias. No atual contexto de nossas sociedades encantadas por fake news, dos cancelamentos nas redes sociais, do uso abusivo do poder da comunicação, a morte social não poucas vezes tem levado à morte física, através de suicídios ou ataques em escolas; cujos índices têm crescido, especialmente entre adolescentes.

No Talmud, e em nossas sociedades, se discute se a ausência de penas de morte não estimula os assassinatos, já que potenciais homicidas saberão de antemão que não sofrerão a pena capital. A solução adotada pela tradição Judaica é prevenir o crime, prevenir através do estudo e da educação, de crianças e adultos. O fortalecimento das relações sociais e das redes de amparo, a valorização da dignidade humana, são elementos eficazes contra a violência em geral, e mesmo contra a violência extrema dos homicídios.

Algumas ações individuais também são importantes na prevenção dos assassinatos, e tornar eficaz o comando de ‘não matar’:

- Avaliar as palavras que serão pronunciadas e escritas, para que não prejudiquem, humilhem, nem destruam, mesmo que sejam palavras verdadeiras;

- Participar de grupos de estudo e patrocinar a educação das crianças;

- Verificar que as empresas, entidades e instituições nas quais você trabalha, frequenta, negocia, apoia, e para as quais contribua estejam dedicadas à prática da justiça social, que é uma poderosa forma de evitar a violência;

- Escolher como líderes, legisladores e administradores públicos pessoas comprometidas com a defesa da vida.

 

Apesar de cada pessoa ser apenas uma em sete bilhões de humanos, cada vida que ela puder ajudar a salvar com suas atitudes será um universo preservado. Será um exemplo para os demais, uma fonte de inspiração, e mais uma contribuição para a era messiânica.


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