A
Hora da Verdade
No
silêncio acolhedor de uma manhã que misturava o antigo e o novo, José se via
diante de uma tela que mais parecia uma janela para o seu passado.
Recém-promovido CEO da maior corporação brasileira de agronegócio, ele não
conseguia escapar do perfume envolvente de café e bolo de fubá – uma
experiência sensorial que, assim como a madeleine de Marcel Proust, o fazia
viajar de volta às lembranças da infância, àquelas tardes morenas onde dona
Tereza, a copeira, preparava com tanto carinho os aromas que agora se tornavam
tão inevitavelmente humanos.
Na
simplicidade de um gesto tecnológico, o aroma digital despertava memórias que
eram, ao mesmo tempo, doces e amargas. Lembrava-se dos dias de fome e medo, mas
também da dor transformada em força, de um sofrimento que, mesmo duro, moldara
o homem que ele se tornara. Seus irmãos, trabalhando nos vastos campos de soja
e milho, eram parte inevitável dessa história: como peças de um quebra-cabeça
invisível, eles traziam à tona questões profundas, como se fossem instrumentos
da vontade Divina, responsáveis tanto pelo seu triunfo quanto pelas cicatrizes
da alma.
Enquanto
observava essas imagens em holograma, a sensação de estar entre dois mundos – o
futurístico e o ancestral – tomava conta de José. Era como se, num mesmo
instante, o cheiro do bolo e o calor de um abraço perdido se misturassem aos
brilhos artificiais e aos comandos digitais. E nesse turbilhão de sentimentos,
ele se via lutando contra seus próprios conflitos internos. Cada lembrança do
pai Jacó, da mãe Raquel, e a saudade apertada das risadas simples do passado,
lembrava-o de que a vida sempre foi feita de luz e sombra.
Com
o coração apertado e a mente repleta de dilemas, José entendia que o sofrimento
o havia levado até ali – àquele cargo que tanto prezava, mas que também vinha
carregado dos ecos de um tempo em que as emoções eram mais genuínas, menos
calculadas. E então, num ato de coragem e de desejo de resgatar o que parecia
estar se perdendo, ele ordenou, com a voz trêmula mas decidida: “Chamar os
irmãos!”
Naquele
comando, mais que um simples ato empresarial, havia um pedido de reencontro com
um passado que, mesmo marcado pela dor, era essencial para se reconhecer e
compreender. E, entre o som das máquinas e as pulsações de um coração que
insistia em lembrar, José percebeu que, apesar de toda a tecnologia e dos dias
modernos, era o calor humano – o cheiro do café, o sabor do bolo, o abraço dos
entes queridos – que realmente fazia a vida valer a pena.
André
Naves
Defensor
Público Federal. Especialista em Direitos Humanos e Sociais, Inclusão Social –
FDUSP. Mestre em Economia Política - PUC/SP. Cientista Político - Hillsdale
College. Doutor em Economia - Princeton University. Comendador Cultural.
Escritor e Professor.
Conselheiro
do Chaverim. Embaixador do Instituto FEFIG. Amigo da Turma do Jiló.
www.andrenaves.com
Instagram:
@andrenaves.def
Fazer o bem, sem esperar retorno, acalma.
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