Óia, pisar nas Arcadas pra mim é que nem entrar em capela antiga, sabe? Dá um arrepio bão na espinha. Aqueles corredor comprido, a moçada nova aprendendo as lei, parece que a gente ouve o eco dos tempo de antes.
E
lá tava eu, lambendo a cria, numa dessas prosa de gente estudada, falando da
defesa dos pequeno, das minoria.
Do
meu lado, um professor da Holanda, jeitão sério, aprumado que nem palanque de
cerca nova. E eu, né, com meu jeito Policarpo Quaresma de ser, o peito já
inflando que nem sapo em noite de chuva quando o assunto é nosso Brasilzão.
A
conversa ia que ia, feito água de riacho manso, mas funda. A gente concordou
num monte de coisa, mais que nada que o nó mais apertado que enforca os coitado
das minoria é a falta de cobre no bolso.
A
roupagem do discurso era que nem de domingo, engomada e cheirosa. Mas o miolo,
ah, o miolo da conversa é que nem fruta, tem hora que surpreende.
Quando
chegou a hora de arrematar o laço, o professor holandês, com aquele jeito de
quem enxerga o mundo por cima do óculos, soltou: "Esse Brasil," disse
ele, esticando a palavra que nem massa de pão, "tá virando um Fazendão sem
porteira pro mundo. E isso, tenho cá pra mim, piora o distanciamento do povo
daqui de dentro."
O
sangue me subiu pra cabeça que nem poeira em dia de ventania.
Ele
ainda emendou, gabando as comida da terra dele: os doce com um tiquinho só de
açúcar, que mal lambuzava o beiço, e a mania de não misturar dois tipo de
carboidrato no mesmo prato.
O
recado, mesmo não dito com todas as letra, era que nem chifre em cabeça de boi:
nossa fartura era um chamado pro desperdício, pra uma moleza de quem tem de
sobra.
"Cruz
credo, herança de gente que conta cada migalha," matutei cá com meus botão...
"Mas que bicho tinhoso! Falar mal do nosso rancho, dentro da nossa
cozinha!" Meu coração de brasileiro, que tem intuição de bicho do mato, me
dizia que aquela prosa não podia morrer assim, murcha que nem flor sem água. A
casca da crítica parecia até lustrosa, mas a semente era de um orgulho que não
me descia pela goela.
Pedi
a palavra, já sentindo a voz ficar mais grossa, que nem de quem vai apartar
briga de galo. "Professor," comecei, tentando manter a pose que o
lugar pedia, "precisamos desatar esse nó sobre esse tal de
'Fazendão'."
E
aí, meu amigo, abri a porteira da emoção e do conhecimento. Falei do nosso
agro, que não é só enxada e suor, não, senhor! É ciência de primeira, sabedoria
que brota da terra e da cabeça do nosso povo.
Falei
do nosso boi, ajeitado pela pesquisa, que dá mais carne, mais leite e cresce
ligero que nem criança em dia de festa, aproveitando cada capim. Contei do
pasto especial que nossa gente inventou, que solta menos fumaça ruim no ar!
"A
gente tá na crista da onda, professor," disse firme, "com as coisa da
natureza que ajuda a lavoura, na ponta da bioeconomia. O jeito que a gente
planta e cria aqui, cuidando da terra e do povo, muito lugar chique por aí
podia tirar o chapéu e aprender uma ou duas lição!"
A
história do açúcar então, essa não deixei passar batido.
"E
esse doce sem açúcar, professor?" sorri de canto de boca. "Vamos
puxar pela memória, que nem se puxa água de cisterna. Os português, nossos avô
de longe, foram os primeiro a mandar nas estrada do mar pras Índia, coisa que
os holandês, com o perdão da palavra, sempre ficaram de olho gordo..." Dei
uma piscadela pra plateia, que entendeu o recado.
"O
nosso melado, professor, não é de quem conta tostão, é de quem já foi rei do
pedaço! É a prova da riqueza que a gente soube colher. Não é à toa que os
holandês vieram bisbilhotar nosso Nordeste, atrás de quê? De mais
rapadura!" O povo riu, um riso gostoso de quem entende a malícia.
"E
a nossa mesa," continuei, pegando embalo que nem cavalo em disparada,
"aqui ela é cheia, sim! Graças ao bom D'us e ao suor da nossa gente, aqui
não precisa guardar comida pra amanhã com medo de faltar. A gente põe no prato
arroz, feijão, farofa, macarrão, um naco de carne de primeira, um frango assado
no capricho e, se ninguém tiver espiando, uma pururuca estalando!"
Mais
risada.
"E
pra adoçar o bico, um bolo de fubá com queijo e banana, e um café coado na
hora, forte que nem abraço de amigo!"
Aí,
a voz mudou um tiquinho, mas ganhou a força da verdade doída e bonita.
"Professor,
é dessa fartura, dessa terra que dá sem pedir licença, que brota, viçosa que
nem pé de milho depois da chuva, a mão aberta do nosso povo. É a vontade de
ralar não só pra si, mas pra ter mais pra dividir. É dessa humildade de raiz,
de quem sabe que a colheita farta é fruto do suor e da bênção do céu, e não
dessas modernage que só brilha por fora e é fria que nem relento de
madrugada, que a gente constrói a verdadeira Justiça! A fartura,
pra nós, professor, não é rede pra deitar na preguiça. É chamado pra Responsabilidade.
Um encargo que a gente veste com respeito, que nem roupa de ir na missa em dia
santo: um lembrete de que temos que botar comida na mesa do nosso povo e ajudar
a encher a barriga do mundo."
"Nossa
intuição de gente da terra nos ensina que o pão tem que ser repartido.
Nossa memória das vacas magras nos faz dar valor a cada espiga. Essa
responsabilidade, essa peleja por Justiça que nasce da nossa força de
produzir, é o que faz nosso coração bater mais forte."
Respirei
fundo, que nem boi antes de beber água. "E é com essa força que eu digo,
lembrando da palavra sagrada, lá em Números 23:24: 'Eis que o povo se
levanta como leoa, e se exalta como leão; não se deitará até que coma a presa,
e beba o sangue dos que foram mortos.'"
Esperei
um cadinho, pras palavras assentarem que nem poeira depois da boiada.
"A
nossa 'caça', professor, é a vida boa pra todos, o nosso 'sangue', falando com
respeito, é a alegria de ver cada filho desta terra com o bucho cheio e o
coração contente, participando do banquete que esta terra mãe nos dá. Defender
os pequeno de verdade é garantir que todo mundo tenha seu lugar nesse grande
almoço de domingo, onde a alegria é o tempero e a partilha é a lei."
Fez-se
um silêncio na sala, daqueles que a gente consegue ouvir o próprio pensamento.
Depois, vieram as palma, forte que nem trovão anunciando chuva boa. Olhei pro
professor da Holanda. Ele continuava aprumado, mas os zóio dele, antes afiado
que nem faca de cortar fumo, parecia que enxergava um "Fazendão"
diferente, um que ele não tinha imaginado.
E
eu, por dentro, me senti que nem o peão que defendeu a honra da fazenda, com a
alma mais leve que pluma e o coração batendo no compasso do hino nacional,
verde e amarelo que só vendo.
André
Naves
Defensor
Público Federal. Especialista em Direitos Humanos e Sociais, Inclusão Social –
FDUSP. Mestre em Economia Política - PUC/SP. Cientista Político - Hillsdale
College. Doutor em Economia - Princeton University. Comendador Cultural.
Escritor e Professor.
Conselheiro
do Chaverim. Embaixador do Instituto FEFIG. Amigo da Turma do Jiló.
www.andrenaves.com
Instagram:
@andrenaves.def
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