Por Itanira Heineberg
Isaac e
Rebecca em A noiva judia - Rembrandt (1665-1669) – RijksMuseum, Amsterdã |
VOCÊ SABIA que
um dos mais importantes artistas de todos os tempos, o grande mestre do barroco
holandês Rembrandt viveu e trabalhou durante duas décadas em sua residência no
bairro judeu de Amsterdã, de onde saíram seus melhores trabalhos, como A
Noiva Judia?
Os judeus
refugiados da Espanha foram muito bem recebidos na Holanda, como já vimos
anteriormente em outras matérias apresentadas.
Em pouco tempo,
tornaram-se pessoas proeminentes na sociedade em que atuavam.
Como um
passe de mágica, era melhor serem conhecidos como judeus em Amsterdã do que
como comerciantes portugueses, devido ao sentimento anti-ibérico após a
separação da Espanha.
Intelectuais
holandeses descobriram com admiração os moradores um tanto exóticos do bairro
judeu e para lá se dirigiram para com eles conversar.
“Em
certa medida, a posição dos judeus foi regularizada em 1597, quando os direitos
dos burgueses foram concedidos aos membros da “nação portuguesa” em Amsterdã.
Não foi
até 1606 que se encontrou a primeira referência oficial a Joodche Gemeente (a Congregação
Judaica), mas em 1609 a comunidade sefardita contava com 200 almas e sustentava
duas sinagogas.”
“No início
de sua carreira, Rembrandt, jovem e desconhecido, esboçou muitos de seus
vizinhos portugueses, incluindo Menasseh ben Israel [eminente rabino e
estudioso; que fez uma petição a Oliver Cromwell pela readmissão dos judeus à
Inglaterra em 1655-6].
A
Noiva Judia – detalhe
das mãos – terna fusão de amor físico e espiritual
Por outro
lado, os judeus sefarditas colheram os benefícios da vida intelectual animada
criada pelos sábios de Amsterdã, que cultivavam avidamente a teologia, a
filosofia, a jurisprudência, a matemática e as línguas orientais.”
Abraão
e Isaac - 1635 - Museu
Hermitage |
“Desde
o século 19, a relação entre Rembrandt e os judeus tem sido alvo de estudo. Os
historiadores são unânimes em afirmar que foi pela mão do mestre holandês que
se percebeu uma visível mudança na forma como os judeus eram retratados nas
artes plásticas. Há quem chegue a considerá-lo um "artista judaico",
apontando o fato de ter vivido no bairro judeu e de um terço de suas obras
retratarem personagens ou temas bíblicos - fato pouco comum na Holanda
protestante do século 17, pois os temas religiosos não tinham apelo para os
protestantes holandeses.”
A Cegueira de Sansão –
1636 |
“Rembrandt
Harmenszoon van Rijn nasceu em 15 de julho de 1606, na cidade holandesa de
Leyden e morreu em Amsterdã, em 1669. Na época, a Holanda protestante,
finalmente livre do domínio da Espanha católica, tornara-se potência econômica
e oásis de tolerância e abrigo para os perseguidos. A prosperidade comercial,
aliada ao respeito à individualidade, incentivara a criatividade dos artistas,
desencadeando um período extraordinário: a Época de Ouro da pintura holandesa
(1584-1702). A arte deixara também de ser exclusividade dos nobres e da Igreja,
passando a ser artigo de consumo da burguesia comercial; e Amsterdã se torna o
maior mercado de arte não-estatal da Europa.”
O
Triunfo de Mordechai –
1640 – RijksMuseum - Amsterdã |
“Nesse
período, de extraordinária produção artística, resplandece o gênio de
Rembrandt.
Pintor,
desenhista e gravador, tecnicamente brilhante, foi um dos grandes mestres do
barroco. Além de dominar a técnica do chiaroscuro - a arte de jogar com
contrastes de luz e escuridão, o mestre atingiu uma nova percepção, a profunda
compreensão da natureza humana. "Não há, na história da pintura, artista
que tenha penetrado tão profundamente, com tanta dúvida e angústia, no problema
das relações entre o homem e seu mundo", escreveu o historiador de arte,
Pierre Cabanne.
Ninguém
antes dele fez as coisas "comuns" da humanidade parecerem tão
profundamente humanas, sérias e interessantes.”
Velho
com gorro vermelho de pele
– 1632 - Museu de Fine Arts, Houston, Texas |
“Em
1631, o pintor radicou-se em Amsterdã, logo se tornando conhecido e próspero.
Em pouco tempo se alçou à posição de principal retratista da Holanda. Em 1639,
já casado, comprou uma ampla casa no número 4 da rua Breestraaat, na ilhota de
Vlooienburg, entre os vários canais da cidade. Na época, o bairro era o centro
do mercado de arte e da vida judaica, pois grande parte de seus habitantes,
elementos cultos e de posses, pertenciam à "Nação Portuguesa".
Judeus na Sinagoga – 1648 – Comunidade Asquenazi |
“Todas
as casas vizinhas à mansão de Rembrandt eram ocupadas ou de propriedade de
ricos comerciantes sefaraditas, como Daniel Pinto, os irmãos Rodrigues, Isaac
de Pinto, Baruch Osorio, entre outros. A poucas quadras da residência do
artista vivia o rabino Menasseh ben Israel, a mais importante personalidade
judaica da cidade e, provavelmente, uma das mais famosas na Europa da época.
Rembrandt manteve, durante anos, profunda amizade com o rabino, inclusive tendo
ilustrado, com quatro de suas gravuras, um de seus tratados, Piedra Gloriosa.
É
famoso em todo o mundo o portrait do rabino executado por Rembrandt.
Rabino
Menasseh ben Israel -
1636 |
“O fato
de viver, durante quase duas décadas, no coração da vida judaica foi, sem
sombra de dúvida, fundamental para moldar sua visão sobre os judeus. Vale
lembrar que em nenhum outro país da Europa, Rembrandt teria tido permissão de
viver no bairro judaico. Segundo alguns teóricos, ao conviver tão de perto com
o judaísmo, o pintor, protestante que estudara a Bíblia a fundo, identificou-se
com a cultura e religião judaica. Para outros, essa convivência próxima e
diária mudou a percepção do artista quanto aos judeus, permitindo-lhe construir
uma imagem calcada em sua experiência pessoal e não nos estereótipos carregados
dos preconceitos vigentes na Europa do século 17.”
Retrato
de um Velho Judeu – 1654
- Museu Hermitage - São Petersburgo |
“Ele não apenas morava em Vlooienburg - interagia com os vizinhos, construindo laços de amizade e profissionais. E, graças a isso, o mundo pode vislumbrar através dos seus olhos a crônica da vida judaica na Holanda. Conta-se, por exemplo, que o comerciante de diamantes, Alphonso Lopez, costumava receber o artista em sua casa, para que ele pudesse apreciar e estudar sua coleção de obras de arte, que incluía quadros de Rafael e Tintoretto, entre outros.
Suas obras são mais do que um documento histórico do período - permitem-nos perceber, a partir da temática dos seus quadros, a cultura holandesa e as relações entre as duas comunidades. Ao retratar os Homens da Nação, Rembrandt não se presta tão somente a captá-los como em um instantâneo fotográfico; o seu olhar adiciona e soma a riqueza resultante do seu convívio entre esse povo.”
“Quando
retratava cenas inspiradas nos textos bíblicos, Rembrandt tinha sempre a
preocupação de reproduzir de maneira correta a simbologia judaica. A inclusão
do alfabeto hebraico, por exemplo, em qualquer um de seus trabalhos, era sempre
acompanhada por minuciosos estudos, visando a perfeita reprodução das letras.
Rembrandt não era o único artista holandês do século 17 a tratar temas
judaicos, mas o que o diferenciava era o cuidado que tinha ao retratar fatos,
situações e personagens ligados ao povo dos "Homens da Nação". Em sua
tela "Moisés quebrando as Tábuas da Lei", diferentemente do que se
costumava ver em outras reproduções artísticas, Rembrandt mostra Moisés
carregando duas Tábuas e não um pedaço de rocha simulando a divisão em duas
estelas.”
Moisés
quebrando as Tábuas da Lei
- 1659 - Galeria de Arte - Berlim |
“A
coleção de obras com temática judaica inclui vários óleos, entre os quais os
mais famosos são dois com o mesmo nome: "A noiva judia".
Outros
quadros famosos são: "O médico judeu Ephraim Bueno", de 1647;
"Retrato de um judeu" e "Velho com gorro vermelho de pele, em
uma poltrona", ambos de 1654. O Livro de Esther inspirou obras como
"O Triunfo de Mordechai", de 1641, e "Haman e o rei Achashverosh
no banquete de Esther", de 1660. Entre as gravuras e desenhos podemos
destacar os retratos de Menasseh ben Israel (1636) e de Ephraim Bueno (1647),
"Abraham e Isaac", 1645, "Uma sílfide ou A grande noiva
judia", de 1635. Este último retrata uma noiva que tem nas mãos a ketubá,
contrato judaico de casamento. Vemos ainda a famosa gravura "Judeus na
sinagoga", de 1648, em que retrata membros da comunidade asquenazi de
Amsterdã.”
O
Médico Judeu Ephraim Bueno
– 1647 - Museu Hermitage - São Petersburgo |
“Suas obras
são mais do que um documento histórico do período - permitem-nos perceber, a
partir da temática dos seus quadros, a cultura holandesa e as relações entre as
duas comunidades. Ao retratar os Homens da Nação, Rembrandt não se presta tão
somente a captá-los como em um instantâneo fotográfico; o seu olhar adiciona e
soma a riqueza resultante do seu convívio entre esse povo.”
Ao
praticar em suas obras uma sincera empatia pela condição humana, Rembrandt é
considerado um dos grandes profetas da civilização.
FONTES:
https://www.myjewishlearning.com/article/jews-in-amsterdam/
https://www.todamateria.com.br/tratado-de-utrecht/
http://www.morasha.com.br/arte-e-cultura/rembrandt-e-os-judeus-de-amsterda.html
http://www.catedra-alberto-benveniste.org/_fich/15/artigo_Patricia_Correia.pdf
https://pt.wahooart.com/@@/8EWQU7-Rembrandt-Van-Rijn-busto-de-um-homem-velho-em-um-gorro-de-pele
https://dasartes.com.br/materias/rembrandt-van-rijn/
https://abrancoalmeida.com/artes/musica/a-heranca-de-atena-rembrandt/
http://www.revista.art.br/site-numero-03/trabalhos/04.htm
https://www.portaldearte.com.br/product-page/rembrandt-mois%C3%A9s-com-os-dez-mandamentos
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