Parte fundamental da Parasha Vaieshev desta semana são os sonhos de José, sonhos que ele, ingenuamente, conta a seus nada amigáveis irmãos… eles já tinham muitos ciúmes dele por ser o preferido do pai, e ainda por cima a imagem trazida pelos sonhos não lhes é particularmente agradável já que aparecem neles como submissos ao irmãozinho…
Compartilhar sonhos pode ser perigoso de acordo com o relato bíblico, mesmo quando quem ouve são seus irmãos e mesmo que você consiga “dar a volta por cima” como fez José.
Algumas profecias compartilhadas são ousadias que implicam em alto risco. Aconteceu com Martin Luther King que ao dizer em público “eu tenho um sonho” estimulou americanos negros a se opor fortemente à sociedade branca e passar novas leis, mas despertou ódios que levaram a seu assassinato cinco anos depois.
Quem se debruçou já na Idade Média sobre a diferença entre sonho e profecia - esta “emanada do divino” - foi o filósofo Moisés ben Maimon - também conhecido como Maimonides ou Rambam - em seu impressionante Guia dos Perplexos. Na Torá, ele lembra, Deus diz “Se houver um profeta entre vós, Eu, o Eterno, Me faço conhecer a ele numa visão ou falo com ele num sonho” (Números 12:6). Mas ele, Rambam, prefere estudar pelos Sábios. Escreveu ele: “os sábios afirmam que o sonho é o sexagésimo (0,01666!) de uma profecia ou ainda que o sonho é o fruto imaturo da profecia”. Desviando da leitura de que o sonho é um meio de proteção de um perigo antecipado, ele desenvolve a ideia de que se trata de uma visão na qual a “faculdade imaginativa” se torna tão perfeita que você consegue ver algo como se estivesse fora de você, e aquilo que é produzido no sonho parece ser uma sensação externa. Ou seja, o sonho pode aparecer tão real que você acordado acredita que ele exista em algum lugar, o que pode explicar que você o busque fora de você ou que foi tão claro que será possível construí-lo, concretizá-lo, torná-lo real.
Sonhos muitas vezes trazem soluções mas podem também nos mostrar o que censuramos, evitamos ver acordados e com isso nos colocam em maus lençóis, como já discutiu amplamente Freud.
Sonhamos dormindo e precisamos nos dedicar a entender a mensagem que esses sonhos trazem. O Talmud nos diz que “um sonho que não é interpretado é como uma carta que não é lida”.
A interpretação - e bastante trabalho - podem render importantes frutos. Veja o caso de Einstein: quando jovem ele sonhou que estava em um trenó descendo uma montanha íngreme e acelerou tanto que teria alcançado a velocidade da luz. Neste momento as estrelas em seu sonho passaram a ter outra aparência em relação à ele. Acordado passou a meditar sobre isso e logo formulou sua teoria que viria a ser uma das mais notáveis da história da humanidade.
Mas sonhamos muito também acordados. E compartilhamos sonhos para obter ajuda ao construir novos empreendimentos, para mudar o mundo para o que acreditamos ser melhor; mas sempre estaremos sujeitos a que outros não gostem dessa visão de mundo que anunciamos, que se sintam incomodados com o que sonhamos e com o fato de perseguirmos com empenho esses sonhos.
Theodor Herzl escreveu em seu diário em 1897: “Na Basiléia eu fundei o Estado Judeu. Se eu falasse isso em voz alta hoje eu seria objeto de risada universal…mas daqui a cinco, ou talvez cinquenta anos, todos o conhecerão". Era seu sonho sionista e nem precisamos dizer o que este sonho até hoje sofre.
Outro sonhador eloquente foi Ben Gurion desde que fundou em Plonsk, na Polônia, o Ezra - movimento para promover o hebraico, a sua aliá em 1906 quando começou a trabalhar em pomares até a realização de sua visão de união de todos os trabalhadores e a criação da “Histadrut” em 1920. Mais que isso, a Universidade Ben Gurion em Beer Sheva fundada em 1969 é conhecida como a realização de seu sonho porque ele achava que Israel deveria ser o pequeno estado judaico da educação e da ciência e que deveria equilibrar a população do Mediterrâneo com a do Negev.
Amos Oz uma vez perguntou a Golda Meir sobre o que ela sonhava e ela respondeu: “Não tenho tempo para sonhar, quase não durmo porque o telefone toca à noite para me informar sobre Israelenses feridos.” Anos depois de sua morte um líder do partido Mapam revelou que ela, sim, disse a ele que sonhava mas era sempre um recorrente pesadelo no qual havia um telefone em cada canto da casa e todos tocavam ao mesmo tempo, e ela acordava e sabia o que isso queria dizer e tinha medo de atender. E assim foi, às 4 da manhã do Yom Kipur de 1973, quando a informaram dos ataques de Egito e Síria.
Quando Itzhak Rabin foi assassinado há exatos 26 anos ele estava em um comício pela paz e seu legado de intrépido militar no front e grande líder democrático na política ficou conhecido como o sonho de dois Estados pela paz de ambos os povos.
Dois anos antes deste comício era lançado o livro “Um lugar entre as Nações”, contendo o sonho do até então embaixador e chanceler Benjamin Netanyahu de expor o que ele considerava os dez mitos sobre a questão Israel/ Palestina e as “amarras estatizantes“ estabelecidas pelos fundadores, sendo que ele queria “liberar as enormes energias criativas do povo”. Ele foi o governo mais longevo do país, conseguiu mudanças profundas em Israel para o bem e para o mal - isto é, para o desenvolvimento e evolução bem como para os enormes problemas sociais que o atual governo herdou.
A principal novidade assinada no governo de Bibi, mas gestada antes e lentamente construída por muitos líderes, foram os acordos abraâmicos que vêm dando frutos em todas as direções e compõem hoje os sonhos comuns de muitos cidadãos da região, árabes e judeus.
O novo governo de coalizão herdou e está fortalecendo este sonho; além disso, o maior líder desta coalizão, Yair Lapid, expressou sua visão de que “para criar estabilidade de ambos os lados da fronteira (com Gaza) é preciso iniciar um grande e longo processo de economia para a segurança, ou seja: a melhoria da economia em Gaza vai trazer maior segurança a Israel.”
Sonhos anunciados em voz alta, sabemos desde José, podem ser objeto de ataques e restrições alheias: o acordo anunciado semana passada entre Israel e Jordânia, mediado pelos Emirados Árabes Unidos, foi criticado pela Arábia Saudita que pressionou os EAU propondo-se a substituir Israel no acordo.
Ainda esta semana tivemos novos ataques terroristas que mostraram claramente que o Hamas não pretende aliviar o seu lado da pressão.
Ainda estamos longe de materializar tão desejadas visões…
O analista político David Suissa lembra a famosa frase de David Ben Gurion “Em Israel, para ser realista, você deve acreditar em milagres” e retomando o plano de Lapid diz que “substituir líderes terroristas por visionários que construam a ‘Riviera de Gaza’ pode não parecer realista no momento mas é, definitivamente, um milagre com o qual vale a pena sonhar!
Shabat Shalom
Juliana Rehfeld
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