Memória e construção
Parada pelo Yom HaShoá composta de crianças e jovens em Tel Aviv. |
Sempre lembramos pessoas, lugares ou momentos que nos foram agradáveis, de quem temos saudades e queremos mais. Bem, com a idade nem sempre lembramos informações e contextos, mas a saudade está em nós e é como se tudo estivesse presente!
Ao contrário, tentamos esquecer o que foi ruim, muito ruim, aquilo que nos remete a tudo que queremos distante, que preferiríamos não ter conhecido ou presenciado. E assim, se tivermos sucesso, limpamos “o nosso HD”, a memória pessoal, para fazer espaço ao que vem de bom por aí… se não tivermos sucesso, ficaremos assombrados com as imagens e sons que não nos deixam dormir e que às vezes nos levam a profissionais que nos ajudem a arrancar estas “grudadas” memórias pessoais.
Eu repito pessoais em contraposição a históricas, coletivas, comunitárias. O que fazemos com estas últimas? Aglomeramo-nos, presencialmente, ou por Zoom, para celebrar juntos e juntas o que é bom - e comemos, bebemos, dançamos…. ou para lembrar juntos e juntas o que PRECISAMOS LEMBRAR, e então contamos, recontamos, nomeamos, revisitamos. Em ambos os casos, das boas e das muito ruins, compartilhamos nossas memórias pessoais, ou que adquirimos por estudo, de forma que os mais vividos possam contribuir e, sobretudo, para que os mais jovens possam conhecer e absorver o que não enfrentaram e para que todos e todas possamos refletir sobre o presente e o futuro.
O que passou passou. Já era! E não há nada que nós, pessoal ou coletivamente, possamos fazer a respeito. A não ser aprender e planejar construir mais e melhor daquilo que foi bom, e menos e maior proteção contra aquilo que foi ruim.
A Parashá desta semana se chama Acharei Mot - “Depois da Morte” . Relembra a morte dos dois filhos de Aarão vítimas de um fogo causado pela própria celebração de suas oferendas dentro do tabernáculo. O texto trata do luto e de como cuidar das próximas oferendas e sacrifícios depois dessa morte. Há interpretações sobre o detalhado manual de regras que se seguem que dizem: “Deus trocou a paixão pela disciplina”… mas muito importante é que trata da expiação da culpa, e da “reparação” do que foi “errado”, e estes elementos estão totalmente presentes em Yom Kipur.
E hoje para nós, o que traz? Para nós, que estamos esta semana forçando-nos a lembrar, coletivamente, o horror do Holocausto, o alcance antes inimaginável da barbárie humana no Yom HaShoá - Dia da lembrança do Holocausto e do Heroísmo dos combatentes do Gueto de Varsóvia.
Para nós é fundamental, e não só hoje, contar o que se passou para quem não esteve lá, para quem nunca ouviu falar disso - e olha que este grupo é muito grande, no mundo e principalmente no Brasil! E, justamente porque o contexto foi tão terrível e é difícil de acreditar no que ocorreu, faz-se necessário revisitar os tristes inúmeros registros que se coletaram a partir dos depoimentos de sobreviventes. Destes sobram cada vez menos que possam contar de viva voz a história. Fazem-se diversos cálculos sobre o número de sobreviventes mas o fato é que o mundo é sobrevivente do que ocorreu. Os que estiveram em campos de concentração e de extermínio - judeus, ciganos, homossexuais, deficientes, opositores ao regime nazista - mas também os soldados, os colaboracionistas, os delatores e a grande maioria omissa.
Para nós que recordamos e presenciamos essas mortes absurdas, desnecessárias, imperdoáveis - e atuamos a cada dia para que aquele horror não se repita, é fundamental não só lembrar, contar, compartilhar e honrar acendendo velas; é fundamental construir, individual e coletivamente, um manual de convivência humana, sistemas de detecção de sinais que mostram tendências de horrores, e alertas que impeçam estes sinais de evoluir, cortando estas pragas pela raiz.
Trazer este conteúdo de modo estruturado às escolas públicas, fazer cerimônias, educar. Insiro uma foto tirada hoje em Tel Aviv de uma parada pelo Yom HaShoá composta de crianças e jovens.
Mas é claro também que é precioso construir, dia a dia, as memórias alegres, fraternas, amorosas e lindas das quais as próximas gerações queiram muito lembrar e celebrar!
Shabat Shalom!
Juliana Rehfeld