Por Itanira Heineberg
“Racismo é
satanismo, mal absoluto.
Você não
pode adorar a Deus e ao mesmo tempo olhar para o homem como se ele fosse um
cavalo.”
Abraham
Joshua Heschel
Rabino Abraham Joshua Heschel, segundo da esquerda e Dr. Martin Luther King, ao centro, participando de um protesto contra a guerra do Vietnam na tumba do soldado desconhecido no cemitério de Arlington, 6 de fevereiro de 1968.
Rabino Maurice Eisendrath segura a Torah. (Charles Del
Vecchio/The Washington Post via Getty Images) |
Você sabia
que Joshua Heschel (1907-1972), sobrevivente do Holocausto, teólogo, filósofo,
erudito, profeta de nossos dias associado ao movimento conservador do Seminário
Teológico Judaico, experimentou um espanto radical – “radical amazement”, ou
seja, uma experiência única, particular, jamais mencionada por nenhum movimento
ou denominação?
Heschel,
nascido na Polônia e refugiado nos Estados Unidos, uniu-se ao Dr. Martin Luther
King na luta contra o racismo americano.
O primeiro
encontro dos religiosos aconteceu em 1963, em Chicago, na conferência “Religião
e Raça”, organizada pela Conferência Nacional de Cristãos e Judeus.
King em seu
discurso disse:
“As
igrejas e sinagogas têm a oportunidade e o dever de erguer suas vozes como uma
trombeta e declarar ao povo a imoralidade da segregação. Devemos afirmar que
toda vida humana é um reflexo da divindade, e todo ato de injustiça estraga e
desfigura a imagem de Deus no homem. A filosofia subjacente da segregação é
diametralmente oposta à filosofia subjacente de nossa herança judaico-cristã, e
toda a dialética dos sensatos não pode fazê-los se enfileirarem juntos.”
Heschel, após
King, abriu seu discurso trazendo o público para uma narrativa bíblica
dramática:
“Na
primeira conferência sobre religião e raça, os principais participantes foram
Faraó e Moisés…. O resultado dessa reunião de cúpula ainda não chegou ao fim.
Faraó não
está pronto para capitular. O êxodo começou, mas está longe de ser concluído.
Na verdade, era mais fácil para os filhos de Israel cruzar o Mar Vermelho do
que para um negro atravessar certos campi universitários.”
Cornel West
chamou o discurso de Heschel a mais forte condenação ao racismo por um homem
branco desde William Lloyd Garrison. Este discurso eletrizou o público.
“A
religião não pode coexistir com o racismo: é uma grave violação do princípio
religioso fundamental de não matar. O racismo é a humilhação pública, que é
condenada no Talmud como equivalente ao assassinato: “Deve-se antes cometer
suicídio do que ofender uma pessoa publicamente”.
Mas Heschel
avança em suas atividades e descobertas e chega à maravilha ou espanto radical,
através da adoração e admiração pelo Criador.
O homem atual
esquece as maravilhas da Criação. Está absorvido por seus negócios, realizações
materiais, os olhos fechados para a Natureza e sua perfeição.
Isto apesar
de rezarmos o Barechu, todas as sextas-feiras durante o serviço religioso - “Ilumina
nossos olhos para que vejamos teu poder orientador em toda a natureza, desde a
longínqua estrela até o íntimo de nossa alma.”
Mas deixemos
Heschel falar e nos despertar:
Um experimentalista religioso |
“A maneira
mais segura de suprimir nossa capacidade de entender o significado de Deus e a
importância da adoração, é tomar as coisas como certas.
A
indiferença à maravilha sublime de viver é a raiz do pecado. Maravilha ou
espanto radical é a principal característica da atitude do homem religioso em
relação à história e à natureza. Uma atitude é estranha ao seu espírito: tomar
as coisas como certas, encarar os acontecimentos como um curso natural das
coisas. Encontrar uma causa aproximada de um fenômeno não é a resposta para sua
maravilha final. Ele sabe que existem leis que regulam o curso dos processos
naturais; ele está ciente da regularidade e do padrão das coisas. No entanto, tal
conhecimento falha em mitigar sua sensação de perpétua surpresa com o fato de
que existem fatos.
À medida
que a civilização avança, a sensação de admiração diminui. Tal declínio é um
sintoma alarmante de nosso estado de espírito. A humanidade não perecerá por
falta de informação; mas apenas por falta de apreciação. O começo de nossa
felicidade está na compreensão de que a vida sem admiração não vale a pena ser
vivida. O que nos falta não é vontade de acreditar, mas vontade de admirar.
A
consciência do divino começa com a admiração. É o resultado do que o homem faz
com sua incompreensão superior. O maior obstáculo a essa consciência é nosso
ajuste às noções convencionais, aos clichês mentais. Maravilha ou espanto
radical, o estado de desajuste com palavras e noções, é, portanto, um
pré-requisito para uma consciência autêntica daquilo que é.
O espanto
radical tem um alcance mais amplo do que qualquer outro ato do homem. Enquanto
qualquer ato de percepção ou cognição tem como objeto um segmento selecionado
da realidade, o espanto radical refere-se a toda a realidade; não apenas ao que
vemos, mas também ao próprio ato de ver, bem como a nós mesmos, aos eus que
veem e se surpreendem com sua capacidade de ver.
A grandeza
ou mistério do ser não é um enigma particular para a mente, como, por exemplo,
a causa das erupções vulcânicas. Não precisamos ir até o fim do raciocínio para
encontrá-lo. Grandeza ou mistério é algo com o qual nos deparamos em todos os
lugares e em todos os momentos.
Até o
próprio ato de pensar confunde nosso pensamento, assim como todo fato
inteligível é, em virtude de ser um fato, embriagado com desconcertante
indiferença. O mistério não reina no raciocínio, na percepção, na explicação?
Que fórmula explicaria e resolveria o enigma do próprio fato de pensar?”
--Rabino
Abraham Joshua Heschel
A descoberta
do espanto radical proclamado por Herschel abriu meus olhos, ou talvez, me fez estremecer,
me sacudiu.
Que grande
verdade é “não tomar as coisas como certas” ou “do not take things for granted”.
Onde está
nossa admiração pela realidade total?
Como não
perceber o “enigma do próprio fato de pensar”?
Devemos levar
em conta os mistérios da vida e do universo e sempre agradecer por tudo que
vivemos e recebemos, conscientes de toda a realidade que vemos e do próprio ato
de ver.
Ao limpar a
mesa onde minhas netas haviam comido frutas, minha ajudante encantou-se com um
caroço ou semente desconhecida. Presa por sua admiração e espanto, Cida enfiou
a semente num vasinho com terra e passou a observá-lo com carinho, água e sol.
Tempo depois
ficou extasiada ao encontrar duas folhinhas na ponta de uma minúscula e delgada
haste. Que alegria!
Passou então
a vibrar a cada dia com o desenvolvimento de sua nova criação. E toda a família
também! Tudo tão perfeitinho, delicado, cores suaves.
Foi um
momento de descoberta, admiração, espanto e felicidade para todos nós. Era o
começo de um pé de lichia. E motivo para muita conversa e apreciação.
FONTES:
https://www.plough.com/en/topics/community/leadership/two-friends-two-prophets
https://www.awakin.org/v2/read/view.php?tid=1080
https://www.sourcesjournal.org/articles/books-radical-amazement