Por Juliana Rehfeld
Enquanto torcemos para que este tênue acordo de cessar-fogo entre Israel e Hamas e Hezbollah continue para que todos os reféns sejam devolvidos, e torcemos para que muitos estejam vivos…. enquanto vemos imagens atuais que lembram demais a libertação dos campos de concentração... enquanto ouvimos propostas esdrúxulas, talvez inexequíveis para Gaza, mas que chacoalham paradigmas que se repetidos como há décadas não vão resolver a questão nem para israelenses nem para palestinos…. Enquanto tudo isso aconteceu esses dias, me ocorreu outra guerra, entre robôs, entre realidade e artificialidade, entre verdade e mentira, que nos leva a guardar aquilo que, afinal, acreditamos.
Quando pensamos em robôs, nós de certa idade, pensamos em máquinas que andam, giram e às vezes falam. Nossa imagem desses seres foi formada em seriados como Perdidos no Espaço de 1968 (o robô B9, ator fantasiado e dublado com voz metálica) ou o desenho animado Os Jetsons de 1962 (a temperamental robô fêmea, Rose, empregada doméstica). Esses dois são icônicos, mas houve muitos outros ao longo das décadas, todos com estruturas cada vez mais parecidas conosco, os humanos, embora com os movimentos mais lentos e com pequenos pulos e giros, enfim, movimentos e presença artificiais. Mais de 200 anos se passaram entre a invenção do primeiro autômato em 1738 (Google me informou) e o B9 e a Rosie… Mas, de lá para cá, os avanços nestes “objetos automáticos“ têm sido impressionante e seu nome mudou para humanóides. Um dos mais modernos, lançado em 2023, a Meca, apresenta movimentos sutis, mudanças de expressão facial, e às vezes assusta de tão parecida conosco. E, é claro, a fala enlatada de B9 e Rosie foi substituída por uma voz cada vez mais suave e clara, com dicção melhor que a de muitos humanos, capaz de dar entrevistas impecáveis. O que era obviamente artificial é hoje assustadoramente real. Às vezes não assustadores mas apaixonantes, já há termos criados para quem é atraído por robôs, portanto não devem ser poucos, como “digisexualidade” - leia mais aqui.
A tecnologia possibilitou o avanço impressionante das estruturas, mas o que definitivamente vem transformando esses “entes” cada vez mais em “indivíduos” são os algoritmos inteligentes (chamávamos de software, de "programas", e hoje são conhecidos e superfalados como Inteligência Artificial) que subrepticiamente (pelo menos na minha leiga opinião) foram sendo instalados nestas figuras e que lhes permitem ser “quase nós”. Somos muito parecidos, eles e nós. Mas ainda conseguimos distintingui-las, estas figuras, de nós, nossa família, nossos amigos… eles, afinal são “fake humanos”, falsos humanos…
Já quando esses algoritmos são instalados, não em estruturas que se movem ao nosso lado, mas sim em textos que lemos e imagens que vemos na internet, que são portanto virtuais e não presenciais, quão parecidos com a realidade ficam? Como saber se são reais (originais, verdadeiros) ou fake (falsos, alterados, mentirosos)? Como podemos acreditar no que estamos lendo, vendo ou ouvindo? Agora que descobrimos que podemos ver a imagem de alguém conhecido, famoso, dizendo qualquer coisa, imagem esta montada a partir de outras exibições deste alguém, com a capacidade de mover seus lábios como se estivesse dizendo mesmo aquelas coisas, quando, de fato, ele/ela nunca gravou nada disso?
Já é extremamente difícil, muitas vezes, acreditar no que estamos vendo e ouvindo de humanos que nos cercam, ou que discursam e apresentam propostas, sobretudo na área política. É difícil para quem conhece o assunto, estudou o assunto, acreditar ou concordar na versão que alguém de verdade apresenta. Imagine para quem não conhece e nem estudou o assunto, como questionar algo apresentado por alguém renomado e famoso, ou parecido com ele …
E pensei e busquei informações sobre isso por causa de um vídeo que recebi esta semana. Ele foi feito em protesto ao discurso neo nazista, agressivamente antissemita, que vem sendo postado por um rapper e cantor negro americano que tem cerca de 20 milhões de seguidores. Ele é real e dissemina um ódio real para essa enorme quantidade de pessoas, que não é estudiosa neste assunto, dos quais muitos talvez nem judeus conheçam. Mas sei que ele se baseia em conteúdos fake nos quais acredita… sabemos que muitos, menos famosos e influentes, também ignorantes de história ou de judaísmo, repetem e assim propagam fatos e notícias absolutamente falsos até para “surfar” na onda que está na moda, para ficar bem com grupos que só os aceitam se pensar igual… e somados, todos esses atingem grande parte dos humanos, pelo menos os que têm acesso à internet mas não a usam para estudar…
Achei o protesto excelente porque esse rapper tinha espaço demais para instilar o ódio, e merecia uma resposta, uma crítica, qualquer manifestação contrária! O que me intrigou pouco depois de receber esse vídeo foi ler que ele foi criado por Inteligência Artificial, escolhendo alguns famosos judeus que afirmaram que não se manifestaram sobre isso, nunca gravaram isso… o vídeo, então, é fake. A guerra de informação é um campo que se abriu e que não sabemos onde vai dar…
Só para encerrar: na Parasha Itró desta semana, após criar um novo sistema jurídico para melhor conseguir lidar com as questões, Moisés encontra Deus, e apesar da própria insegurança e dúvidas, acredita nele. E em determinado momento após anunciado, é população reunida, Deus “se aproxima do monte e entre trovões e som de shofar, fala a todos quem é e o que fará.” Ninguém o vê, mas todos ouvem. Ele se revela a todos para que ninguém duvide de Moisés… e todos acreditam. Apesar de algumas intrigas e resistências que levam até a construção de um bezerro de ouro para idolatrar, a maioria acredita e sustenta esse Deus e suas leis… até hoje, este é o povo judeu… e esta revelação é usada nas religiões abraâmicas…
Hoje não poderíamos ter uma revelação, não assim. Não sabemos quem fala, quem aparece, se o que fala tem fundamento, se seria bom seguir… estamos “cegos e surdos” em meio um tiroteio. Temos a nossa educação, individual e coletiva, e aquela que estamos passando para as próximas gerações, como escudo. E temos sim, de maneira real, que contra-atacar; que denunciar as mentiras.
É um mundo complexo e nós realmente estamos nele. Façamos o melhor possível.
Shabat Shalom
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