Marcadores

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Em Israel, futebol promove coexistência entre crianças


Reprodução de artigo da Folha - original aqui.
DANIELA KRESCH
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE TEL AVIV (ISRAEL)


Crianças de time misto de árabes e judeus se abraçam em competição da ONG Gol da Igualdade em Jerusalém. Crédito: Daniela Feldman/ Folhapress


Com uniformes coloridos, as crianças chegam correndo ao gramado artificial do campo de treinamento do clube Beitar Jerusalém, da primeira divisão do futebol israelense. O frio de janeiro não abala as 200 crianças de 10 a 12 anos, de 12 escolas da região, que querem jogar bola e, quem sabe, levantar o troféu de campeão no final do dia.

O campeonato foi promovido pela ONG israelense "Gol da Igualdade", que trabalha com crianças de baixa renda para difundir valores de respeito e tolerância por meio do futebol.
Em Jerusalém, há um objetivo a mais: melhorar a convivência entre árabes e judeus numa cidade virtualmente dividida, onde a realidade de conflito entre israelenses e palestinos causa tensão constante.

Para fomentar essa coexistência, a ONG decidiu, pela primeira vez, criar times mistos entre crianças árabes e judias no campeonato de 18 de janeiro. As quatro equipes –com jogadores de quatro escolas de Jerusalém, duas judias e duas árabes– competiram contra equipes "não mistas", de escolas locais. Jogaram bem, mas não subiram no pódio. A experiência alegrou crianças e treinadores.

"Não importa com quem jogamos, o importante é jogar!", disse à Folhao atacante Muhammad Anan, 11, do bairro árabe de Bait Safafa, de Jerusalém Oriental, que jogou com alunos da escola judaica do bairro de Bait Vagan. "Às vezes, quando tomamos um gol, a gente briga. Mas isso é normal no futebol."
"No começo não gostei da ideia porque pensei que ia ser difícil", corroborou o goleiro Eliá Ben Gur, 11, da escola de Bait Vagan. "Mas agora está legal. Podemos ser amigos. Se eles soubessem um pouco de hebraico, seria melhor".
A língua é realmente uma barreira. Em Jerusalém, 34% da população de 900 mil pessoas é formada por palestinos que, em geral, moram na parte oriental da cidade, anexada por Israel em 1967. A grande maioria tem status de "residente permanente". Não são cidadãos israelenses, mas gozam de educação e seguro de saúde gratuitos e podem trabalhar e circular livremente por Israel.
Apesar dessa convivência geográfica, a maioria das crianças árabes estuda em escolas com currículo palestino, nas quais o hebraico não é ensinado. A maioria das crianças judias tampouco aprende árabe, disciplina obrigatória só a partir do secundário.

Segundo o brasileiro Gabriel Holzhacker, "gol", no entanto, é uma palavra universal. Vice-diretor da ONG, Holzhacker, que chegou a Israel aos 11 anos, se emocionou ao ver crianças dos dois lados de Jerusalém torcendo juntas num mesmo time durante o torneio da semana passada.
Foi ele quem teve a ideia de formar equipes mistas em Jerusalém. O pensamento surgiu nas Olimpíadas do Rio, em 2016, quando a "Gol da Igualdade" foi convidada pela CBF, a Federação Paulista de Futebol e instituições judaicas e árabes paulistas para levar ao Brasil 22 crianças de Jerusalém –11 judias e 11 árabes– para participar de eventos beneficentes. Durante a viagem, ele notou que as crianças se uniram além das barreiras da etnia e da língua.
"A certo ponto, começaram a joga bola entre si, sem times. Se misturaram. Não teve judeus contra árabes. Foi lindo porque foi algo totalmente autêntico", conta. "Até hoje, as crianças jogavam nas competições da ONG representando suas escolas. Com essa nova iniciativa, estamos tentando que as crianças se conheçam, se respeitem e criem laços de amizade".

O fundador da ONG, o economista israelense Liran Girassi, começou o projeto em 2009 com outros estudantes na Universidade Hebraica de Jerusalém. Fanáticos por futebol, o sonho era aplicar o esporte como um instrumento de transformação social. Hoje, a ONG tem 70 funcionários trabalhando com 220 escolas em todo o país.

São mais de 3.500 crianças de 9 a 16 anos da periferia de Israel, entre elas, judeus religiosos e seculares, árabes muçulmanos e cristãos, drusos e beduínos. Os pais dos alunos selecionados pagam 300 shekels (R$ 300).
"Misturar as crianças em times mistos não era parte do objetivo inicial. Mas, lentamente, surgiu a oportunidade de unir os jogadores em torneios", diz Gerassi."Em casa, as crianças vem os outros como inimigos. Mas, no campo, percebem que são iguais a ele, se alegram com gols, ajudam quem caiu em campo, dão passes. Jerusalém precisa de iniciativas assim".

O educador Shadi Jaber, diretor da ONG "Abrindo o futuro", em Jerusalém Oriental, concorda: "As crianças judias e árabes não têm muita oportunidade de se encontrar, no dia a dia, em Jerusalém. As novas gerações precisam se conhecer enquanto pessoas, não como 'soldados' versus 'jogadores de pedras'. No bairro onde moro, as crianças nunca entrariam em contato com israelenses se não fosse a 'Gol da Igualdade'. Hoje, elas contam os dias para as competições".


Nenhum comentário:

Postar um comentário