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sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

A mulher que peitou o Hamas

 

A mulher que peitou o Hamas

O #MeToo deve ser para todas

Becky S. Korich

Rimon Kirst, de 36 anos, vestia pijama rosa quando foi libertada pelo grupo terrorista Hamas, depois de ficar 50 dias em poder dos sequestradores. Mesmo em meio a tanta obscuridade e medo, a israelense se recusou a participar do teatro armado pelos militantes do Hamas ao ser entregue à Cruz Vermelha. Não acenou o tchauzinho compulsório, não deu o sorriso amarelo, não se deixou abraçar, como fizeram alguns reféns desnorteados depois de sair do inferno. Pérfidos e terroristas até o fim, os militantes do Hamas têm explorado a entrega dos reféns para se apresentarem como "bons anfitriões" e criar um clima de volta de férias dos reféns.

No momento em que estava sendo solta, Rimon se esquivou de qualquer contato físico com o terrorista. Ele recuou, obedeceu. Seu não foi NÃO. Ela parou diante dele, falou algumas palavras e encarou com firmeza o fundo dos seus olhos. Por alguns instantes, embora ostentasse uma metralhadora, o terrorista se desarmou. O pijama rosa se impôs à indumentária militar.

Mulheres durante manifestação realizada neste domingo (3), em Londres, na qual criticaram a ONU pelo silêncio diante dos crimes cometidos contra reféns israelenses - Henry Nicholls/AFP

Essa imagem fala por todas as mulheres estupradas, forçadas a desfilar nuas, ensanguentadas, cuspidas, mortas, que não tiveram a chance de se defender. Fala pelas mulheres do mundo que sofrem violências; mulheres que não conseguem se livrar de relacionamentos insalubres e ambivalentes; mulheres que diariamente são ameaçadas física e psicologicamente. Fala por todas as mulheres que são reféns das suas guerras individuais, que não conseguem enxergar a luz no fim dos túneis em que estão confinadas.

Rimon foi libertada em 28 de novembro, um dia antes do Dia Internacional das Mulheres Defensoras dos Direitos Humanos marcado pela ONU. A mesma ONU que por tanto tempo permaneceu calada diante dos crimes de gênero cometidos pelo Hamas. A justificativa: as evidências não eram sólidas. Esse tipo de posicionamento vindo de uma organização tão representativa produz consequências de longo alcance, fragilizando ainda mais as vítimas desses crimes, dissuadindo-as de procurar ajuda, perpetuando o medo e isolamento.

A relutância é inexplicável, para dizer o mínimo. O próprio Hamas forneceu provas irrefutáveis dos seus crimes. Ainda com sangue nas mãos, os assassinos divulgaram imagens de corpos de mulheres amarradas, seminuas, sangrando na região genital, sendo arrastadas, decapitadas, queimadas e cuspidas aos gritos de Allahu Akbar (Alá é grande, em árabe). Orgulhosos de seus atos, exibiram vídeos em que celebram estupros coletivos, cometidos com tanta violência que quebraram os ossos pélvicos de meninas e mulheres.

Só depois de 56 dias de um silêncio perturbador, a UN Women, grupo de direitos das mulheres da ONU, emitiu uma declaração condenando o Hamas pelas atrocidades: "Condenamos inequivocamente os ataques brutais do Hamas a Israel em 7 de outubro. Estamos alarmados com os numerosos relatos de atrocidades baseadas no gênero e violência sexual durante esses ataques". Veio tarde.

Não é de hoje que suas credenciais feministas não impressionam. Em Gaza, desde a ascensão do Hamas ao poder (2007), os níveis de violência à mulher são alarmantes. Uma pesquisa realizada em 2022 apontou que 37,5% das mulheres casadas em Gaza tinham sofrido violência doméstica nos 12 meses anteriores. Porém, poucas têm a coragem de denunciar e preferem tolerar os abusos para manter a unidade familiar. Crimes são tacitamente permitidos pelo governo do Hamas —se não explicitamente tolerados— para preservar dano à honra... dos homens, é claro. Códigos de recato (que incluem a obrigatoriedade do hijab), casamentos precoces de meninas, limitações aos poderes públicos e às atividades de lazer são uma realidade em Gaza.

Segundo a ativista palestina Yasmine Mohammed, autora do livro "Como os Esquerdistas Ocidentais Empoderam o Islã Radical", "a forma como o Estado Islâmico tratou as mulheres Yazidi é a mesma com que o Hamas trata as mulheres israelenses. Esses animais bárbaros sempre têm como alvo as mulheres." Onde estão os grupos empenhados em acabar com isso?

O desprezo ao 7 de outubro foi triplo: as organizações mantiveram-se caladas, questionaram a veracidade das acusações e até insinuaram que as vítimas mereciam o seu destino. Talvez por pensarem que ser solidárias com as mulheres judias significa ceder ao "feminismo colonial" ou por acreditarem que os estupros foram "atos de resistência".

Foi um caso gritante de silêncio e relativização da violência. Não existe feminismo seletivo. Se os grupos de defesa à mulher não lutam pelo direito de todas, não estarão lutando pelo direito de nenhuma.

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