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quinta-feira, 11 de julho de 2024

Acontece - Qual a primeira coisa que se diz a um prisioneiro que retorna?

 

Itai Pessach, diretor do Hospital Infantil Edmond e Lily Safra do Sheba Medical Center e chefe da equipe especial de Sheba para o retorno de reféns


Há ainda muita guerra no front e muitas discordâncias nos “back-offices”, nos bastidores. Notícias chegam de discussões entre os seniores do Hamas sobre a necessidade de  exercer pressão sobre a liderança da organização, o que reflete um desacordo fundamental dentro do grupo sobre a vontade de continuar a lutar ou de chegar rapidamente a um acordo. 

Do lado de cá um membro haredi (ultra ortodoxo) do Knesset reclama em alto e bom som do fato de Netanyahu “desnecessariamente profanar o Shabat” quando no sábado o primeiro ministro divulga resultados das negociações entre o chefe do Mossad e o Hamas para libertação dos reféns. E ainda este parlamentar, em outra discordância, ironizou a fraqueza de sua bancada ao que seus adversários do partido Iesh Atid de Yair Lapid reagiram sugerindo que se retirem… 

Debates políticos são importantes e desejáveis quando tratam de como solucionar problemas, como melhor construir algo para a população; mas quando se alastram de maneira totalmente impotente para trazer uma luz no fim de um túnel de 9 meses de guerra são inócuos e deprimentes. E não são muitos os que se mantém firmes nas manifestações semanais para gritar que esta situação é sufocante e precisa parar!

Mas no front, Israel e Hamas acabaram de concordar que não governarão em Gaza durante o cessar fogo que estão em vias de assinar. “O cessar-fogo seria implementado em três fases, com a primeira a durar seis semanas e a ver o Hamas libertar 33 reféns, incluindo todas as mulheres soldados, os feridos e aqueles com mais de 50 anos. Israel libertaria centenas de terroristas palestinianos detidos nas suas prisões. A libertação dos restantes reféns israelitas raptados em 7 de Outubro ocorreria em fases posteriores”, informa a agência  I24. Mais uma tentativa!

Enquanto este triste cenário se desenrola, os médicos e os hospitais em Israel vêm se preparando e aprendendo a tratar de reféns que ficaram tanto tempo sequestrados, e cujo retorno traz questões inéditas: 

Qual é a primeira coisa que você diz a um prisioneiro que sai de um helicóptero? Que tom de voz você usa? Você os abraça? Você os toca? O que você diz quando ele pergunta "Por que minha mãe não está aqui para me encontrar?"




Das 251 pessoas levadas pelo Hamas em 7 de outubro, 120 foram libertadas ao longo de 9 meses e todas foram encaminhadas para hospitais. 

O hospital Sheba, que recebeu 36 deles, conta que criaram uma equipe dedicada, composta por psiquiatras especializados no trauma de soldados e prisioneiros de guerra, especialistas no tratamento de mulheres que foram vítimas de violência sexual e aqueles com experiência no trabalho com crianças vítimas de violência, e eles até procuraram a opinião de especialistas em trauma que lidaram com meninas sequestradas pelo Boko Haram na Nigéria, crianças sequestradas por cartéis de drogas no México e crianças em zonas de guerra como a Bósnia e a Ucrânia. Como não se conhecia as condições em que os reféns chegariam, o Hospital infantil Safra preparou uma ala especial - trocou móveis e equipamentos para parecer um hotel-butique com iluminação reduzida - mas por trás toda uma infraestrutura para pronto atendimento. O histórico médico de cada um foi estudado, receitas para os respectivos remédios foram aviadas e novos aparelhos disponibilizados. Há chefs para cozinhar os pratos que eles pedirem e salões de beleza para as mulheres para ajudá-las a “voltarem a se sentir seres humanos”… 

Mas talvez a tarefa mais difícil foi, pelo menos em relação aos reféns soltos nos primeiros acordos, contar as muitas más notícias sobre tudo que ocorreu. Tinha que ser sob medida para cada um, em colaboração com cada família. 

Todos esses aprendizados, ainda em curso, criaram protocolos de conduta que são intercambiados por todos os hospitais. 

O pessoal do Sheba conta que a equipe presumiu que os reféns que retornavam não gostariam de falar ou ser tocados, como é típico das vítimas de violência. Eles presumiram que inicialmente os reféns só desejariam ter contato com pessoas selecionadas e deveriam ser protegidos de outras pessoas. Mas foi o contrário: “eles ansiavam pelo contato físico conosco e com as suas famílias e queriam partilhar as suas experiências e a sua dor. Eles queriam conversar e ver os amigos o mais rápido possível, para experimentar alegria e felicidade. Eles não queriam ficar sozinhos”. 

“Agora sabemos que ainda precisamos protegê-los até certo ponto, mas também precisamos dar-lhes muitas opções de escolha. Os últimos quatro reféns que voltaram queriam muito interagir com seus amigos e familiares, então permitimos isso desde o início”, comentou o pediatra de tratamento intensivo Itai Pessach. “Este é um processo contínuo de aprendizagem da solução exata apropriada para cada refém que retorna. Cada experiência é única, depende do local e condições do cativeiro, mas todos sofreram significativo trauma psicológico e físico. De maneira geral as crianças são mais resilientes que os adultos"…

E continua: “Há pelo menos mais 120 reféns ainda em Gaza, não podemos simplesmente sentar e esperar que eles voltem. A cada segundo, suas vidas estão em risco e sua saúde é afetada. Nós, em Israel e em todo o mundo, devemos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para garantir que eles voltarão.”

“Estamos prontos a qualquer momento para recebê-los e dar-lhes o melhor atendimento possível, mas isso não é suficiente. Só precisamos deles aqui!”

Essas famílias e comunidades estão impactados para sempre. Mas e para o resto da população, para o governo, como isso impactou? E para nós na diáspora que, apesar de vítimas, temos enfrentado antissemitismo crescente nas mais inesperadas circunstâncias, como isso nos tem impactado? 

Apesar de exaustos disso, precisamos justamente chorar, abraçar, falar, escrever, buscar colaboração mundo afora para preparar futuras gerações para enfrentar situações assim. Mesmo que muito melhor empregados são os esforços, dentro do nosso contexto, espaço e poder, no sentido de prevenir que isso se repita. 

Shabat Shalom.


Juliana Rehfeld

4 comentários:

  1. muito importante sua reflexão do hoje e como vamos preparar as futuras gerações para que esta vivência não se repita.

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  2. Perfeito, Juliana. Pena que Israel tenha que aprender essa ciência, mas maravilhoso que dedicam seus melhores nessa iniciativa.

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  3. Que difícil e dura esta nossa realidade!! Que venham tempos melhores! Por outro lado, SUPER IMPORTANTE todo esta relato para entendermos cada detalhe do que se passa por lá!

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  4. Triste aprendizado, mas necessario.Obrigado,Juliana

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