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sexta-feira, 5 de julho de 2024

‘Mitzvá Legal’ - Maioridade penal e suas consequências

MAIORIDADE PENAL E SUAS CONSEQUÊNCIAS

Por Angelina Mariz de Oliveira



Na maioria das culturas humanas bebês e crianças são compreendidos

como pessoas indefesas, dependentes, ingênuas, incapazes de compreender

a vida, as relações humanas e a sociedade. Por isso são definidos como

‘inocentes’, aqueles que são vulneráveis e sem conhecimento suficiente

para entender o sentido de ‘prejudicar’ ou ‘machucar’. Consequentemente

não é reconhecido o direito dos chamados ‘Menores de Idade’ de decidirem

plenamente sobre a realização de suas vontades e o destino de sua vida.


Até que a sociedade na qual vivem reconheça que adquiriram conhecimento

das regras comunitárias e a capacidade de compreenderem as

consequências de seus atos, os Menores serão cuidados por pessoas

consideradas adultas, preferencialmente pais e familiares. Mas como definir

quando uma pessoa atinge esse nível de ‘amadurecimento’?


As legislações costumam definir expressamente as idades para casar,

realizar contratos, integrar os exércitos, responder por crimes. Atualmente

também existem definições de idades a partir das quais é possível votar,

dirigir veículos, beber e fumar etc. Quando analisamos as leis de diversos

países vamos encontrar uma grande variedade de definições sobre a idade

em que é alcançada a ‘Maioridade’.


A Maioridade civil no Brasil é de 16 anos para votar (Constituição Federal,

art. 14, §1º, II, alínea c) e de 18 anos para todos os demais atos (Código

Civil, art. 5º), lembrando que existe a possibilidade de emancipação para

casamento e exercício de atos contratuais a partir dos 16 anos. No Estado

de Israel atualmente a maioridade plena é alcançada aos 21 anos.


O Talmude já considerava que a idade mínima para uma menina casar seria

de 12 anos, declarando expressamente ser proibido casar meninas menores

de idade (Tratado Kidushim, 41a): “É proibido uma pessoa noivar sua filha

com um homem quando ela é menor, até ela crescer e dizer: Eu quero me

casar assim e assim”. Para os meninos, o Tratado de Pirkei Avot (5:21)

define que a idade mínima para casamento seria de 13 anos, sendo a idade

ideal entre 16 e 18 anos, no máximo até 20 anos.


A definição de idade a partir da qual a pessoa adquire a capacidade de

responder por atos ilegais, a Maioridade Penal, é uma questão mais

complexa, pois envolve punições, restrições de direitos, prisão. As

legislações preveem condenações inclusive para ‘Menores de idade’,

demonstrando como a prática de crimes é vista como um sinal de que a

pessoa perdeu aquela inocência e vulnerabilidade da infância, que adquiriu

maturidade.


Nesse sentido, a maioridade penal na Austrália é a partir dos 7 anos de

idade. Na Escócia é aos 8 anos, mas a Inglaterra adota a idade de 10 anos.

No Irã, meninas a partir de 9 anos de idade são penalmente responsáveis,

mas os meninos atingem essa maioridade aos 15 anos. Em Israel os jovens

são considerados menores de idade para fins penais até os 14 anos; no

entanto, se estiverem envolvidos em atos terroristas, a maioridade é

considerada a partir dos 12 anos.


No Brasil a Constituição Federal de 1988 estabelece em seu artigo 228 que

“são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos”, o que significa

que até essa idade os jovens não podem ser processados, julgados e

condenados pelos crimes e penas previstas no Código Penal e nas demais

leis penais. Esse artigo 228, porém, em sua segunda parte estabelece que

menores de 18 anos que praticarem atos criminosos serão submetidos a

uma legislação especial. Essa legislação é encontrada na parte do Estatuto

da Criança de do Adolescente que trata sobre os Atos Infracionais.


Nesses casos o ECA (Lei nº 8.069/1990) define como criança as pessoas até

12 anos incompletos, e como adolescentes aqueles que tenham entre 12 e

18 anos. Assim, no Brasil, crianças e jovens também respondem por seus

atos criminosos, mesmo que seja por uma legislação especial para eles, que

busca sua proteção, educação e amparo social e estatal.


As várias definições legais sobre a idade da Maioridade procuram

estabelecer a partir de qual momento uma pessoa pode assumir

compromissos sociais. Sabemos, no entanto, que apenas com a experiência

concreta de contratar, casar, votar, empreender, dirigir veículos etc. é que

as pessoas compreendem realmente as consequências concretas dos

compromissos assumidos e de suas decisões.


A questão se torna mais complexa quando é preciso definir uma idade a

partir da qual a pessoa seja capaz de compreender que determinados atos

não devem ser praticados, como fraudes, infrações, crimes. Mas podemos

dizer com segurança que um escocês de 8 anos de idade é plenamente

capaz de entender as consequências das práticas de atos errados? E que

uma brasileira de 17 anos não tem essa condição de maturidade?


Na estipulação de direitos de ‘Menores’, e responsabilidades de ‘Maiores’ as

sociedades tentam lidar com o dilema de como devem ser julgados crianças

e jovens envolvidos em atos criminosos. Como aquele ser inocente se

transformou em uma pessoa indesejada, perigosa, e o que fazer com essa

situação?


O que o Judaísmo nos diz sobre esse desafio social?


Na Torá existe o célebre caso do filho rebelde e contumaz, que deveria ser

apedrejado (Devarim 21:18 a 21:21). O crime seria desrespeito à

autoridade do pai e da mãe. A Torá não define a idade desse filho, mas nos

traz duas pistas: é homem (‘ben’) e já ingere bebidas alcoólicas (‘beberrão’,

‘ébrio’). Não é apenas uma criança birrenta, é uma pessoa que tem

capacidade de decidir e fazer por si só.


Por isso o Talmude definiu no Tratado de Sanhedrin (71a:14) que essa

pessoa teria no mínimo 13 anos de idade, o que seria uma definição de

maioridade penal. Porém, a maioria dos sábios concluiu que esse seria um

caso hipotético, que nunca existiu.


Outra hipótese é de que a Maioridade penal na Torá seja a partir dos 20

anos. Isso porque quando os hebreus se desesperam com o relato dos dez

exploradores enviados por Moisés a Canaã, que concluíram serem fracos

demais para enfrentar a conquista da Terra Prometida, Deus condena todos

os maiores de 20 anos a morrerem no deserto (Bamidbar, 14:29).


Com isso, as crianças e jovens não seriam responsáveis por seus erros,

pecados e crimes. Responsáveis eram seus pais, por não terem educado

adequadamente o filho. No caso das mulheres, sempre eram tuteladas pelo

pai, irmão, ou marido.


Ao longo de mais de três mil anos a Tradição Judaica vai desenvolver um

sistema de interpretação da Torá e formulação de halachot sempre

buscando evitar que as pessoas cometam crimes e que sejam condenadas a

punições, buscando-se sempre evitar especialmente a pena de morte.

Através do caminho do estudo semanal da Torá deve ser dada a

oportunidade de que todos possam conhecer seus deveres, as

consequências pelos descumprimentos, e o aprendizado de profissões e de

como tratar com respeito a esposa, os pais, e as autoridades. Mas não

deixemos de lembrar que essa é uma proposta de uma sociedade ideal, que

ainda não foi estabelecida por nenhuma comunidade judaica.


Atualmente, em nível internacional, 196 países da Assembleia Geral da ONU

assinaram em 20 de novembro de 1989 a Convenção sobre os Direitos da

Criança. Nesta norma é proibida a condenação às penas de prisão perpétua

ou de morte para menores de 18 anos de idade (Artigo 37). É prevista,

porém, a responsabilização por crimes praticados por menores de idade,

punível com pena de prisão, conforme a legislação de cada país. O Artigo 40

vai estabelecer o dever dos países signatários de ”buscar promover o

estabelecimento de leis, procedimentos, autoridades e instituições

especificamente aplicáveis a crianças, que alegadamente, teriam infringido

a legislação penal ou que sejam acusadas ou declaradas culpadas de ter

infringido a legislação penal”. Também é determinado que deve ser

estabelecida “uma idade mínima antes da qual se presumirá que a criança

não tem capacidade para infringir a legislação penal”.


No Brasil, em cumprimento a esse Artigo 40, como vimos, foi promulgado

em 1990 o Estatuto da Criança e do Adolescente. Como sabemos, é uma

regulamentação que não impede o constante aumento da criminalidade de

crianças e jovens, e o consequente crescimento das mortes violentas nessa

camada social. E isso ocorre porque o cuidado com a educação, formação

profissional, e oportunidades de trabalho – aquelas condições que a

Sabedoria Judaica estabeleceu como essenciais para evitar a criminalidade – infelizmente não são acessíveis a todos os brasileiros.


Por isso, a discussão sobre redução da idade de ‘Maioridade’ penal e de

instituição de condenações mais duras, ou mesmo a existência de aplicação

concreta de penas ilegais de tortura e de morte, não são soluções para a

obtenção de segurança. Enquanto a sociedade brasileira não for capaz de

eleger representantes que tenham real comprometimento com a formação

educacional das crianças, ela será responsabilizada como aqueles pais

bíblicos que não educaram os filhos, e sofrerá coletivamente pelos atos de

jovens que crescem sem perspectivas de integração social. 

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