MAIORIDADE PENAL E SUAS CONSEQUÊNCIAS
Por Angelina Mariz de Oliveira
Na maioria das culturas humanas bebês e crianças são
compreendidos
como pessoas indefesas, dependentes, ingênuas, incapazes de
compreender
a vida, as relações humanas e a sociedade. Por isso são
definidos como
‘inocentes’, aqueles que são vulneráveis e sem conhecimento
suficiente
para entender o sentido de ‘prejudicar’ ou ‘machucar’.
Consequentemente
não é reconhecido o direito dos chamados ‘Menores de Idade’
de decidirem
plenamente sobre a realização de suas vontades e o destino
de sua vida.
Até que a sociedade na qual vivem reconheça que adquiriram
conhecimento
das regras comunitárias e a capacidade de compreenderem as
consequências de seus atos, os Menores serão cuidados por
pessoas
consideradas adultas, preferencialmente pais e familiares.
Mas como definir
quando uma pessoa atinge esse nível de ‘amadurecimento’?
As legislações costumam definir expressamente as idades para
casar,
realizar contratos, integrar os exércitos, responder por
crimes. Atualmente
também existem definições de idades a partir das quais é
possível votar,
dirigir veículos, beber e fumar etc. Quando analisamos as
leis de diversos
países vamos encontrar uma grande variedade de definições
sobre a idade
em que é alcançada a ‘Maioridade’.
A Maioridade civil no Brasil é de 16 anos para votar
(Constituição Federal,
art. 14, §1º, II, alínea c) e de 18 anos para todos os
demais atos (Código
Civil, art. 5º), lembrando que existe a possibilidade de
emancipação para
casamento e exercício de atos contratuais a partir dos 16
anos. No Estado
de Israel atualmente a maioridade plena é alcançada aos 21
anos.
O Talmude já considerava que a idade mínima para uma menina
casar seria
de 12 anos, declarando expressamente ser proibido casar
meninas menores
de idade (Tratado Kidushim, 41a): “É proibido uma pessoa
noivar sua filha
com um homem quando ela é menor, até ela crescer e dizer: Eu
quero me
casar assim e assim”. Para os meninos, o Tratado de Pirkei
Avot (5:21)
define que a idade mínima para casamento seria de 13 anos,
sendo a idade
ideal entre 16 e 18 anos, no máximo até 20 anos.
A definição de idade a partir da qual a pessoa adquire a
capacidade de
responder por atos ilegais, a Maioridade Penal, é uma
questão mais
complexa, pois envolve punições, restrições de direitos,
prisão. As
legislações preveem condenações inclusive para ‘Menores de
idade’,
demonstrando como a prática de crimes é vista como um sinal
de que a
pessoa perdeu aquela inocência e vulnerabilidade da
infância, que adquiriu
maturidade.
Nesse sentido, a maioridade penal na Austrália é a partir
dos 7 anos de
idade. Na Escócia é aos 8 anos, mas a Inglaterra adota a
idade de 10 anos.
No Irã, meninas a partir de 9 anos de idade são penalmente
responsáveis,
mas os meninos atingem essa maioridade aos 15 anos. Em
Israel os jovens
são considerados menores de idade para fins penais até os 14
anos; no
entanto, se estiverem envolvidos em atos terroristas, a
maioridade é
considerada a partir dos 12 anos.
No Brasil a Constituição Federal de 1988 estabelece em seu
artigo 228 que
“são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos”, o
que significa
que até essa idade os jovens não podem ser processados,
julgados e
condenados pelos crimes e penas previstas no Código Penal e
nas demais
leis penais. Esse artigo 228, porém, em sua segunda parte
estabelece que
menores de 18 anos que praticarem atos criminosos serão
submetidos a
uma legislação especial. Essa legislação é encontrada na
parte do Estatuto
da Criança de do Adolescente que trata sobre os Atos
Infracionais.
Nesses casos o ECA (Lei nº 8.069/1990) define como criança
as pessoas até
12 anos incompletos, e como adolescentes aqueles que tenham
entre 12 e
18 anos. Assim, no Brasil, crianças e jovens também
respondem por seus
atos criminosos, mesmo que seja por uma legislação especial
para eles, que
busca sua proteção, educação e amparo social e estatal.
As várias definições legais sobre a idade da Maioridade
procuram
estabelecer a partir de qual momento uma pessoa pode assumir
compromissos sociais. Sabemos, no entanto, que apenas com a
experiência
concreta de contratar, casar, votar, empreender, dirigir
veículos etc. é que
as pessoas compreendem realmente as consequências concretas
dos
compromissos assumidos e de suas decisões.
A questão se torna mais complexa quando é preciso definir
uma idade a
partir da qual a pessoa seja capaz de compreender que
determinados atos
não devem ser praticados, como fraudes, infrações, crimes.
Mas podemos
dizer com segurança que um escocês de 8 anos de idade é
plenamente
capaz de entender as consequências das práticas de atos
errados? E que
uma brasileira de 17 anos não tem essa condição de
maturidade?
Na estipulação de direitos de ‘Menores’, e responsabilidades
de ‘Maiores’ as
sociedades tentam lidar com o dilema de como devem ser
julgados crianças
e jovens envolvidos em atos criminosos. Como aquele ser
inocente se
transformou em uma pessoa indesejada, perigosa, e o que
fazer com essa
situação?
O que o Judaísmo nos diz sobre esse desafio social?
Na Torá existe o célebre caso do filho rebelde e contumaz,
que deveria ser
apedrejado (Devarim 21:18 a 21:21). O crime seria
desrespeito à
autoridade do pai e da mãe. A Torá não define a idade desse
filho, mas nos
traz duas pistas: é homem (‘ben’) e já ingere bebidas
alcoólicas (‘beberrão’,
‘ébrio’). Não é apenas uma criança birrenta, é uma pessoa
que tem
capacidade de decidir e fazer por si só.
Por isso o Talmude definiu no Tratado de Sanhedrin (71a:14)
que essa
pessoa teria no mínimo 13 anos de idade, o que seria uma
definição de
maioridade penal. Porém, a maioria dos sábios concluiu que
esse seria um
caso hipotético, que nunca existiu.
Outra hipótese é de que a Maioridade penal na Torá seja a
partir dos 20
anos. Isso porque quando os hebreus se desesperam com o
relato dos dez
exploradores enviados por Moisés a Canaã, que concluíram
serem fracos
demais para enfrentar a conquista da Terra Prometida, Deus
condena todos
os maiores de 20 anos a morrerem no deserto (Bamidbar,
14:29).
Com isso, as crianças e jovens não seriam responsáveis por
seus erros,
pecados e crimes. Responsáveis eram seus pais, por não terem
educado
adequadamente o filho. No caso das mulheres, sempre eram
tuteladas pelo
pai, irmão, ou marido.
Ao longo de mais de três mil anos a Tradição Judaica vai
desenvolver um
sistema de interpretação da Torá e formulação de halachot
sempre
buscando evitar que as pessoas cometam crimes e que sejam
condenadas a
punições, buscando-se sempre evitar especialmente a pena de
morte.
Através do caminho do estudo semanal da Torá deve ser dada a
oportunidade de que todos possam conhecer seus deveres, as
consequências pelos descumprimentos, e o aprendizado de
profissões e de
como tratar com respeito a esposa, os pais, e as
autoridades. Mas não
deixemos de lembrar que essa é uma proposta de uma sociedade
ideal, que
ainda não foi estabelecida por nenhuma comunidade judaica.
Atualmente, em nível internacional, 196 países da Assembleia
Geral da ONU
assinaram em 20 de novembro de 1989 a Convenção sobre os
Direitos da
Criança. Nesta norma é proibida a condenação às penas de
prisão perpétua
ou de morte para menores de 18 anos de idade (Artigo 37). É
prevista,
porém, a responsabilização por crimes praticados por menores
de idade,
punível com pena de prisão, conforme a legislação de cada
país. O Artigo 40
vai estabelecer o dever dos países signatários de ”buscar
promover o
estabelecimento de leis, procedimentos, autoridades e
instituições
especificamente aplicáveis a crianças, que alegadamente,
teriam infringido
a legislação penal ou que sejam acusadas ou declaradas
culpadas de ter
infringido a legislação penal”. Também é determinado que
deve ser
estabelecida “uma idade mínima antes da qual se presumirá
que a criança
não tem capacidade para infringir a legislação penal”.
No Brasil, em cumprimento a esse Artigo 40, como vimos, foi
promulgado
em 1990 o Estatuto da Criança e do Adolescente. Como
sabemos, é uma
regulamentação que não impede o constante aumento da
criminalidade de
crianças e jovens, e o consequente crescimento das mortes
violentas nessa
camada social. E isso ocorre porque o cuidado com a
educação, formação
profissional, e oportunidades de trabalho – aquelas
condições que a
Sabedoria Judaica estabeleceu como essenciais para evitar a
criminalidade – infelizmente não são acessíveis a todos os brasileiros.
Por isso, a discussão sobre redução da idade de ‘Maioridade’
penal e de
instituição de condenações mais duras, ou mesmo a existência
de aplicação
concreta de penas ilegais de tortura e de morte, não são
soluções para a
obtenção de segurança. Enquanto a sociedade brasileira não
for capaz de
eleger representantes que tenham real comprometimento com a
formação
educacional das crianças, ela será responsabilizada como
aqueles pais
bíblicos que não educaram os filhos, e sofrerá coletivamente
pelos atos de
jovens que crescem sem perspectivas de integração social.
Nenhum comentário:
Postar um comentário