Como prenunciar um futuro sombrio frente a uma infância alegre e despreocupada? Como prever a História?
Por Itanira Heineberg
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Les Demoiselles Cahen
d'Anvers - Rose et Bleue |
Você Sabia que a tela “Rosa e Azul”, de 1881, a mais emblemática
das obras de Renoir com as meninas Cahen D’Anvers, inocentes em sua luxuosa
residência, gozando uma infância aparentemente feliz e despreocupada, jamais alertaria
o mundo para a chegada galopante das trevas e extermínio do Nazismo?
Esta obra, que foi doada ao MASP em 1952 por Assis
Chateaubriand, fundador do museu, um dos mais populares ícones do acervo paulista,
tornou-se um símbolo da fragilidade diante das tragédias humanas, especialmente
devido ao destino fatídico de Elisabeth.
Alice, a mais jovem, em um lindo vestido com faixa de
seda rosa, viveu até os 89 anos e morreu em Nice, em 1965. Elisabeth, em azul, aos
6 anos na tela, teve um fim nefasto.
“Divorciada do primeiro marido, o diplomata e conde
Jean de Forceville, casou-se com Alfred Émile Denfert Rochereau, de quem também
se divorciou. Em 1987, por ocasião da exposição de obras do MASP na Fondation
Pierre Gianadda, em Martigny, Suíça, o sobrinho de Elisabeth, Jean de
Monbrison, escreveu ao museu relatando seu triste fim: ela se convertera ainda
jovem ao catolicismo, sendo mesmo assim enviada para Auschwitz, devido à sua
origem judaica, e morreu a caminho do campo de concentração, em março de 1944,
aos 69 anos.”
“Elisabeth foi presa por oficiais alemães em
27 de janeiro de 1944 e levada para o campo de Drancy, onde desembarcou no dia
30. Deportada em 27 de março, morreu em 15 de abril, antes de chegar a
Auschwitz.”
Aqui mais uma vez a crueldade da guerra, a maldade humana,
a ganância pelo poder e riquezas, interrompem o caminho natural da vida.
Alice, casada com um nobre inglês, permaneceu segura em
Londres.
Irene, a irmã mais velha, conseguiu um atestado de
não-judia, provando que as avós eram cristãs.
Mas Elisabeth, apesar de sair a conversão, não se salvou.
Esta tela era uma de minhas favoritas, especialmente por
lembrar-me de uma foto tirada por meu esposo, uma foto linda, com nossas
meninas, 8 e 6 anos, em vestidos bonitos e aventais de renda, e seus cabelos
soltos sobre os ombros.
Agora, ao visitar o novo MASP e descobrir a história de
Elisabeth, mudei minha impressão sobre a tela. E muitas pessoas que descobriram
o fim triste da menina me afirmaram terem também mudado suas impressões sobre a
obra.
A Segunda Guerra trouxe ao mundo muita tristeza e dor.
O Nazismo, com sua obsessão por uma raça superior, acabou
injustamente com vidas inocentes, destroçou famílias, bombardeou cidades,
destruiu prédios, escolas, mansões.
O Holocausto cobriu a História de vergonha.
Ao final da guerra, ao descobrirem-se os crimes
horrendos, jamais imaginados por pessoas de bem, crimes hediondos perpetrados
pelos nazistas, criou-se a ONU com a finalidade de não se repetir, nunca mais,
uma tragédia daquele calibre.
Sim, dizia o mundo: NUNCA MAIS.
E acreditava-se que a lição tivesse sido aprendida.
Então, como Renoir, artistas continuaram a retratar a
vida que os rodeava, até acontecer o inadmissível 7 de outubro de 2023.
E, perplexos, vimos que o NUNCA MAIS se quebrara e que
desta vez o mundo se dividia desproporcionalmente: os crimes hediondos agora
são aceitáveis e as vítimas massacradas são transformadas de maneira injusta e
inacreditável, em criminosos.
Até quando a História e suas surpresas vão nos
surpreender?
Devemos acreditar num mundo melhor?
O que fazer para iluminar a humanidade? Instruir os
ignorantes? Informar os mal-informados?
Devemos mais uma vez pregar a Paz? E difundir NUNCA MAIS?
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Brasão de Armas da Família Cahen d’Anvers
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Hoje famílias honradas ... amanhã pessoas acusadas e
julgadas erroneamente ...
Apesar de sua certidão de batismo, Elisabeth não se safou
do ódio nazista, assim como a maioria de sua família.
O pai das meninas, o banqueiro judeu Louis
Raphael Cahen d’Anvers, casado com a italiana Louise Morpurgo, de uma rica estirpe
de Trieste, era um dos mais abastados da dinastia poderosa de sua época. Ele e a
esposa, encantados com o trabalho do jovem impressionista, solicitaram-lhe
várias telas replicando a vida da família.
E assim, Renoir frequentou a casa do nobre banqueiro, representando
seus componentes, com realismo e cores vivas. Em 1880, ele decidiu-se por óleo
sobre tela para retratar a filha mais velha do casal, Irene, “Pequena Irène”.
Após a tela da menina Irene, os pais solicitaram outra,
desta vez das meninas Alice de 5 anos e Elisabeth de 6. E assim as duas
crianças posaram para o artista, divididas entre o tédio da inatividade e a
euforia de vestirem trajes elegantes.
“Pela obra, Louise e seu marido pagaram 1.500
francos ao artista. E cada centavo valeu a pena, já que o resultado foi uma das
obras mais conhecidas e emblemáticas da história do impressionismo francês.”
Mas a História, sempre a História, nos espreita nas
curvas do caminho.
Aquela menina de faixa azul e olhar compenetrado
prosseguiu com sua vida, ainda jovem sofreu uma queda quase fatal cavalgando,
lutou contra a morte, convalesceu e desde então pensou em se converter ao
catolicismo, o que o fez aos 20 anos.
Foi enfermeira durante a Primeira Guerra 1914-1918,
casou-se duas vezes, teve dois filhos e viúva, foi proprietária do Château du
Plessis-Gallu de 1924 a 1938.
Com o início da Segunda Guerra foi domiciliada na rue
Charles Lafitte 90 em Neuilly sur Seine, atualmente em Le Poteau, com o casal
FOUCAUD, seus empregados desde 1924, o Sr. Etienne FOUCAUD, motorista, e a Sra.
Marguerite FOUCAUD sua governanta.
Uma placa em sua memória foi inaugurada em 8 de maio de
2015 em Juigné-sur-Sarthe.
Seu nome aparece no Memorial dos Deportados do Sarthe,
inaugurado em 28 de abril de 2019 em Le Mans (Foto: Yves MOREAU)
FONTES:
https://maguetas.com.br/rosa-e-azul/
https://aventurasnahistoria.com.br/noticias/reportagem/perseguicao-nazista-e-monotonia-quem-sao-meninas-na-tela-rosa-e-azul.phtml#google_vignette
https://masp.org.br/en/collections/works/rosa-e-azul-as-meninas-cahen-danvers
https://piaui.folha.uol.com.br/materia/duas-meninas-2/
https://lesdeportesdesarthe.wordpress.com/de-cahen-danvers-elisabeth-mme-la-comtesse/