“Minha filha... Isso faz uns 30 anos e
lá vai fumaça!” Dona Terezinha do Badoca, muito amiga da vó Rosinha, sempre
falava isso. Lembro daquelas broas de mandioquinha que ela fazia... Quando
saíam do forno... Manteiga derretendo... Cafezinho... Bolo de fubá... E eu ali:
rouco de tanto ouvir.
Sempre que ela falava no tempo dos
antigos, ela usava essa expressão... “Lá vai fumaça!”... Uma versão mais
pitoresca do “tempo do onça” ou “do guaraná com rolha”! Mas duas senhorinhas,
amigas desde a infância lá em Minas, só falavam de um tempo da fumaça...
Dia desses tive de dar plantão na
Defensoria. Hora do almoço e lá ia eu me pirulitando pra Casa das Rosas. Gosto
da focaccia de lá. Sou um cara simples, que raramente muda seus pedidos. As
meninas me veem chegando e já vão colocando a massa no forno.
Sentei no mesmo lugar de sempre, com
aquela vista da Paulista, e percebi, enquanto meu almoço não vinha, uma avó
brincando com sua netinha. Ela usava a mesma expressão da fumaça... Deve ser de
Minas também!
No sábado fui com a Ana Rosa na
exposição do Monet do MASP. Eu juro que conhecia aquelas pinturas do jardim de
Giverny, da natureza, do mar... Mas eu não tinha ideia de que ele também
pintava fumaça. Ao que parece, era tempo de Revolução Industrial e esse era o
símbolo da modernidade, do progresso, da técnica!
Fumaça... Lá vai fumaça... Memória é
bem isso! Assim como a névoa, ela vai, bem aos pouquinhos, escondendo tudo de
ruim e realçando, na nossa lembrança, tudo de bom. Por isso que a gente lembra
com saudades sempre de um passado... De um tempo da fumaça!
No fim, saudades são os versos da
poesia escrita pela fumaça. Por isso que a turma mais experiente sempre anseia
pelo tempo da fumaça! A sabedoria dos cabelos brancos combina com as memórias
esfumaçadas. Cãs são a fumaça em forma de cabelos!
Sabe quando a gente vai comer um
salgado no boteco e tem aquelas promoções de suco mais salgado? A gente compra
uma coxinha e ganha um suco de laranja? Eu tenho uma teoria de que as memórias
são mais ou menos iguais a esses combos. A gente lembra do passado e acaba
ganhando o perdão de brinde!
Tá no espírito da gente: naquele
tempo, até a tristeza era mais bela! Lógico, a fumaça do esquecimento foi
escondendo tudo de que a gente não gostava! Todas as ofensas, brigas, pisões
nos calos... Quando a turma lembra, então, do tempo da fumaça, as saudades
batem no peito. E como batem!
Lembram do Zé? Aquele do Egito? Foi
vendido como escravo pelos irmãos? Depois de uns anos e muitas aventuras, virou
o braço direito do faraó, o manda-chuva daquelas bandas... Outros anos se
passaram e a fumaça foi escrevendo sua poesia encantada...
De repente, ser vendido pelos irmãos
nem tinha sido tão ruim assim...
Fumaça... Alumbramento... Perdão...
André
Naves
Defensor
Público Federal. Especialista em Direitos Humanos e Sociais, Inclusão Social –
FDUSP. Mestre em Economia Política - PUC/SP. Cientista Político - Hillsdale
College. Doutor em Economia - Princeton University. Comendador Cultural.
Escritor e Professor.
Conselheiro
do Chaverim. Embaixador do Instituto FEFIG. Amigo da Turma do Jiló.
www.andrenaves.com
Instagram:
@andrenaves.def
O brinde - é sempre algo que acompanha a vida. Saber de onde podemos receber bons brindes é saber viver. Este texto é inspirador. De um bom momento pode surgir o entendimento! Será que entender o outro, apesar de não concordar não seria a base dos que muitos chamam de perdão?
ResponderExcluirÉ uma reflexão super válida!
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