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quarta-feira, 21 de maio de 2025

Iachad (juntos - יחד) - por André Naves: Rua Nascimento Silva, 107

 



          
“Minha filha... Isso faz uns 30 anos e lá vai fumaça!” Dona Terezinha do Badoca, muito amiga da vó Rosinha, sempre falava isso. Lembro daquelas broas de mandioquinha que ela fazia... Quando saíam do forno... Manteiga derretendo... Cafezinho... Bolo de fubá... E eu ali: rouco de tanto ouvir.

          Sempre que ela falava no tempo dos antigos, ela usava essa expressão... “Lá vai fumaça!”... Uma versão mais pitoresca do “tempo do onça” ou “do guaraná com rolha”! Mas duas senhorinhas, amigas desde a infância lá em Minas, só falavam de um tempo da fumaça...

          Dia desses tive de dar plantão na Defensoria. Hora do almoço e lá ia eu me pirulitando pra Casa das Rosas. Gosto da focaccia de lá. Sou um cara simples, que raramente muda seus pedidos. As meninas me veem chegando e já vão colocando a massa no forno.

          Sentei no mesmo lugar de sempre, com aquela vista da Paulista, e percebi, enquanto meu almoço não vinha, uma avó brincando com sua netinha. Ela usava a mesma expressão da fumaça... Deve ser de Minas também!

          No sábado fui com a Ana Rosa na exposição do Monet do MASP. Eu juro que conhecia aquelas pinturas do jardim de Giverny, da natureza, do mar... Mas eu não tinha ideia de que ele também pintava fumaça. Ao que parece, era tempo de Revolução Industrial e esse era o símbolo da modernidade, do progresso, da técnica!

          Fumaça... Lá vai fumaça... Memória é bem isso! Assim como a névoa, ela vai, bem aos pouquinhos, escondendo tudo de ruim e realçando, na nossa lembrança, tudo de bom. Por isso que a gente lembra com saudades sempre de um passado... De um tempo da fumaça!

          No fim, saudades são os versos da poesia escrita pela fumaça. Por isso que a turma mais experiente sempre anseia pelo tempo da fumaça! A sabedoria dos cabelos brancos combina com as memórias esfumaçadas. Cãs são a fumaça em forma de cabelos!

          Sabe quando a gente vai comer um salgado no boteco e tem aquelas promoções de suco mais salgado? A gente compra uma coxinha e ganha um suco de laranja? Eu tenho uma teoria de que as memórias são mais ou menos iguais a esses combos. A gente lembra do passado e acaba ganhando o perdão de brinde!

          Tá no espírito da gente: naquele tempo, até a tristeza era mais bela! Lógico, a fumaça do esquecimento foi escondendo tudo de que a gente não gostava! Todas as ofensas, brigas, pisões nos calos... Quando a turma lembra, então, do tempo da fumaça, as saudades batem no peito. E como batem!

          Lembram do Zé? Aquele do Egito? Foi vendido como escravo pelos irmãos? Depois de uns anos e muitas aventuras, virou o braço direito do faraó, o manda-chuva daquelas bandas... Outros anos se passaram e a fumaça foi escrevendo sua poesia encantada...

          De repente, ser vendido pelos irmãos nem tinha sido tão ruim assim...

          Fumaça... Alumbramento... Perdão...



André Naves

Defensor Público Federal. Especialista em Direitos Humanos e Sociais, Inclusão Social – FDUSP. Mestre em Economia Política - PUC/SP. Cientista Político - Hillsdale College. Doutor em Economia - Princeton University. Comendador Cultural. Escritor e Professor.

Conselheiro do Chaverim. Embaixador do Instituto FEFIG. Amigo da Turma do Jiló.

www.andrenaves.com

Instagram: @andrenaves.def

2 comentários:

  1. O brinde - é sempre algo que acompanha a vida. Saber de onde podemos receber bons brindes é saber viver. Este texto é inspirador. De um bom momento pode surgir o entendimento! Será que entender o outro, apesar de não concordar não seria a base dos que muitos chamam de perdão?

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