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quinta-feira, 4 de setembro de 2025

ACONTECE: Continuamos alvos de ódio… perdão?

 




Por Juliana Rehfeld

Por que, nesta situação de cansaço total da guerra, de evidente fracasso em acabar com o Hamas, Israel recusa proposta de trégua contra devolução total dos reféns? Os detalhes não sei, mas está é a notícia mais recente. 

Nova convocação foi feita pelas Forças de Defesa para mais 40 mil reservistas, totalizando 120 mil desde o início desta guerra. São cada vez maiores as manifestações nas ruas de Israel pedindo o fim dos combates, a Reuters falou em centenas de milhares… Na quarta-feira, 3 de setembro de 2025, os israelenses encenaram o que foi chamado de “dia de perturbação” nas principais cidades. Os manifestantes expressaram forte oposição à decisão do governo de convocar dezenas de milhares de reservistas para uma operação planejada na cidade de Gaza. Os organizadores enquadraram o movimento como perigoso para os reféns remanescentes, e os manifestantes acusaram o primeiro-ministro Netanyahu de priorizar a escalada da guerra em vez das negociações.

E ainda, na semana volta com força a conversa sobre anexação da Cisjordânia? Não era o que se esperava, houve critica a esta intenção de anexação de aliados, os Emirados Árabes Unidos, alegando que está é uma linha vermelha a não ser cruzada… e, certamente, não é o que eu esperava…

Estamos no mês de Elul, mês de tocar o shofar diariamente para convocar a comunidade à introspecção e reflexão, mês das Selichot, dos pedidos de perdão, para as pessoas, que culmina no pedido de perdão a Deus, em Yom Kipur.  Para quem devemos direcionar nosso pedido de perdão nestes dias? Nós pedimos perdão individualmente aos amigos e parentes, àqueles e aquelas com quem queremos continuar convivendo e não queremos que sofram por algo que falamos ou fizemos… nós, coletivamente, como judeus, cidadãos do mundo, cidadãos do século 21, temos algo sobre o que pedir perdão? Temos sido vítimas de tantas civilizações e por tantos séculos , temos sido alvo de críticas, julgamento profundo, cobranças,  e basicamente, para além de razões, temos sido, coletivamente, alvos de puro ódio . Como, de outra forma, entender a contínua perseguição que sofremos, de todos os lados, ora por sermos fracos e inferiores, ora por sermos opressores e cruéis…

A parasha que lemos agora, Ki Teitse - “quando saíres” - no caso, para a guerra, para a conquista…- começa com o que fazer com prisioneiros, sobretudo, mulheres… e segue por inúmeras regras de tratamento social  em geral muito rígidas, punitivas e violentas, que ao longo dos séculos foram sendo interpretadas, o espírito dessas regras foi se tornando uma referência que na prática as tornaram não aplicáveis… há menção a muitos apedrejamentos e desonras que abrandamos e refinamos ao longo da história, sendo que hoje cabem apenas nas releituras e conclusões das nossas predicas.. E o ódio?

Nesta Parasha, aponta J. Sacks z.l., há um versículo muito importante em suas implicações. É fácil passar despercebido, aparecendo no meio de uma longa lista de mitzvot (sobre as leis de herança, filhos rebeldes, bois, violações do casamento e escravos fugitivos). Então, sem alarde, Moisés profere uma ordem tão contraintuitiva que precisamos lê-la duas vezes para ter certeza de que não estamos ouvindo mal as palavras:

“Não odeie o egípcio, pois você foi estrangeiro em sua terra.”

Devarim 23:8

O que isso pode significar? Lembre-se da história de Bnei Yisrael: os egípcios os escravizaram, "amarguraram suas vidas" e tentaram um genocídio jogando todos os meninos israelitas no rio. A jornada de 40 anos pelo deserto começou com uma necessidade desesperada de escapar de uma vida de opressão e sofrimento nas mãos dos egípcios. No entanto, Moisés diz ao povo para não odiá-los. Ele não quer que esqueçam seu tempo como escravos – pelo contrário, ele insiste que o recontemos todos os anos em Pessach. Mas lembrar não é o mesmo que odiar.

A mensagem de Moisés é esta: para ser livre, é preciso abandonar o ódio. Se os Bnei Yisrael se apegassem às suas queixas contra os egípcios, continuariam sendo seus escravos – não fisicamente, mas mentalmente. E enquanto se encontram às margens do Jordão, prestes a entrar na Terra Prometida e estabelecer sua própria sociedade, precisam entender isso, porque não se pode criar uma sociedade livre com base no ódio.

Você deve conviver com o passado, sugere Moisés, mas não deve viver no passado. A lembrança do sofrimento não deve nos levar a perseguir os outros, mas a garantir que ninguém mais sofra o que sofremos.

A ética bíblica transforma a memória em força moral. Nós "lembramos" não porque desejamos nos apegar ao ódio, mas para impedir que a história se repita. É por isso que Moisés insiste: não odeiem o egípcio.

A escravidão deixa uma cicatriz. Sem algum ato de reconhecimento, o escravo liberto permanece prisioneiro da raiva. Ódio e liberdade não podem coexistir. Um povo livre deve abandonar o ódio, ou nunca será livre. Para construir uma sociedade sem perseguição, é preciso quebrar as correntes do passado e transformar a dor em determinação por um futuro melhor.

A liberdade exige o abandono do ódio e a aceitação da responsabilidade. A mensagem de Moisés para um povo prestes a entrar na Terra Prometida era que uma sociedade livre só pode ser construída por pessoas que aceitam a responsabilidade da liberdade, que se recusam a se ver como objetos, que se definem não pelo ódio, mas pelo amor a Deus. "Não odeiem um egípcio, porque vocês foram estrangeiros em sua terra", disse Moisés, significando: Para ser livre, vocês precisam abandonar o ódio.

Temos repetido isso há tanto tempo, o judaísmo trouxe isso à humanidade : a Torá é provavelmente o primeiro registro escrito preservado que formula explicitamente a proibição de odiar — tanto em relação ao próximo (Levítico) quanto em relação a povos estrangeiros (Deuteronômio).

E esse mandamento é uma novidade ética, pois em sociedades anteriores predominava o princípio da retribuição e da hostilidade entre povos. Ao introduzir a ideia de “não odiarás” (mesmo o estrangeiro, mesmo o inimigo ancestral), a tradição israelita dá um passo singular no campo da ética e da convivência.

Isto nos tem ajudado? Temos há muito pouco tempo o território de Israel, a terra pela qual, embora prometida, temos tido que batalhar incansavelmente, com os estrangeiros, e muito entre nós, os “próximos, nesta guerra mais do nunca na nossa história". Perseguimos individual e coletivamente, a Justiça (צדק -Tzedek) , de maneira ética, resignificando as regras que herdamos. 

E continuaremos em Elul a pedir perdão …que sejamos perdoados por não conseguirmos expandir a mensagem de que o ódio é um câncer que corrói o corpo individual, bem como a paz da humanidade. Que sejamos perdoados por não nos abatermos frente ao ódio, que tenhamos a energia de seguir em frente e trazer junto as próximas e espero, mais sábias, gerações.

Shabat Shalom.

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