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quinta-feira, 24 de outubro de 2019

EDITORIAL: Filtrando a História Judaica Recente


Filtrar – uma forma de separar misturas. Quanto mais fino o filtro, mais conseguimos avaliar as partes que compõem um todo.

            
Esta semana a nossa colaboradora Ita Heineberg escreveu sobre a Quatro Irmãos, a Colônia Judaica no Rio Grande do Sul criada pela Associação de Colonização Judaica. Esta associação, fundada em Londres em 1891, foi criada pelo Barão de Hirsch (1831-1896) que tinha como objetivo transferir os judeus da Rússia Czarista para terras compradas no Canadá, Estados Unidos, Argentina e Brasil. A compra de terras foi iniciada no hemisfério norte e o Brasil (Rio Grande do Sul) foi a última das terras compradas. 
      
Muito há o que contar sobre este homem de grande porte, filho de uma família de banqueiros e casado com Clara Bischoffsheim, belga, também filha de banqueiros. Maurice Hirsch, nascido na Alemanha, de origem Húngara, formado na Bélgica e tendo estabelecido casas bancárias em Paris e Londres, foi um empreendedor no mundo das finanças, comunicação e filantropia. A construção da Estrada de Ferro do Oriente que liga Viena a Istanbul também foi seu feito - lembrado por muitos como o construtor da Estrada de Ferro do Oriente; a estrada que permitiu integração do Império Otomano à Europa. Ao conhecer como viviam os judeus no Pálio (região que abrange Lituânia, Rússia Branca, Ucrânia e Moldávia), criou mecanismos para deslocar um grande número de judeus pobres para as terras que adquiriu. Antes da imigração, os candidatos e suas famílias recebiam cursos de idioma e de práticas agrícolas, e estas eram as escolas da Aliança Francesa. Após a imigração, recebiam suporte para garantir o sucesso da empreitada. Sobre este tema, leia a sessão "VOCÊ SABIA?" desta semana.

Nesta mesma época, no final do século XIX, também nas terras russas localizadas acima do Mar Negro conhecidas como O Pálio, surgem vários outros movimentos dentro das comunidades judaicas. As perseguições da época czarista geram um enorme número de movimentos dentro das comunidades judaicas. Estas comunidades não eram de forma alguma homogêneas. Havia os ricos e os pobres, os que habitavam cidades e os camponeses mais simples. No que tangia à religião judaica, como acontece hoje, havia os judeus ateus e os que seguiam diferentes ritos, desde os mais conservadores até os mais liberais. Também como hoje tinham os que se misturavam com a população maior e os que se distinguiam através de vestimentas e costumes. 

Nesta época surgem importantes movimentos dentro das comunidades judaicas, mas um fato que chama a atenção é que em todos eles o ensino e instituições acadêmicas que estimulavam o debate eram pedras fundamentais. Entre os movimentos dos que se organizavam nas terras do Czar há de um lado o grupo dos socialistas e do outro o grupo dos religiosos. Entre os que entendiam que os tempos para ficar na Rússia estavam chegando ao final estavam os que seguiam a proposta do Barão Hirsch de seguir para novas terras nas Américas e os que consideravam que havia chegado a hora do Povo Judeu passar a ter um país de fato. Desta forma surge o movimento sionista. 

O movimento sionista, criado nas pequenas cidades e nas vilas (shtetls) do Pálio no século XIX tinha um objetivo comum. Olhar para Tzion – Olhar para Jerusalém – Viver em Terra de Israel.  Mas, seguindo à tradição judaica não escrita e muitas vezes nem comentada, admitia muitas nuances, incluindo movimentos religiosos e políticos. O movimento sionista teve muitos patronos, entre eles a famosa família de banqueiros, os Rothschilds, que tinham casas bancárias na França e na Inglaterra. Estes compraram terras em Israel para que os judeus vindos da Europa se instalassem, e como havia um grande número de judeus do Pálio que era agricultores e no seio destes que surgiu o movimento sionista as primeiras terras a serem adquiridas eram para o desenvolvimento de colônias agrícolas. Neste contexto, a história também se entrelaça. Os judeus do shtetl, seguindo o movimento socialista que nascia na Rússia, criam o conceito de colônia agrícola coletiva – Kibutz. Este era um movimento focado na elaboração de uma nova cultura, e que  teve papel de grande relevância nas escolas judaicas destas pequenas vilas. Importante lembrar que estas vilas eram formadas apenas por judeus e que estes mantinham de forma independente a formação inicial. Após os 12 anos, muitos jovens passavam a frequentar escolas (ginásios) em cidades vizinhas.

Estes movimentos migratórios que tinham destinos tão diferentes tiveram como objetivo comum mobilizar minorias que viviam perigosamente num determinado contexto histórico. Olhando pelo retrovisor da história entendemos que ambos foram importantíssimos para reduzir o número de judeus alcançados, anos mais tarde, pelo Holocausto.

FILTRAR – separar os componentes – é uma forma muito fácil de entender o que forma uma mistura, mas, na maioria das vezes, possuir todos os ingredientes separados não é suficiente para restaurar a mistura original. Quando avaliamos cada um dos movimentos de migração iniciados na segunda metade do século XIX, tendemos a fazê-lo de forma isolada e assim perdemos a visão que tudo estava acontecendo ao mesmo tempo e que o atrator comum era a dificuldade em se continuar vivendo aquele presente.

FILTRAR – reconhecer os componentes – também é um forma de avaliar se o cenário externo está gerando condições para voltar ao contexto anterior – seria esta a espiral da história? Seria possível repetir a história de discriminações e perseguições? 

Como é dito: Entre a Benção e a Maldição – escolha A VIDA (Dvarim, Deuteronômio 30:19) – Le Chaim

Regina P. Markus

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