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sábado, 17 de abril de 2021

Editorial: A Corrente da Vida: Sionismo, Recordação, Independência





As imagens que ilustram o editorial desta semana mostram duas formas de compreender a força da vida: uma formação rochosa em que cada camada representa décadas ou séculos de existência do nosso planeta e uma árvore que se recusou a morrer. Esta era uma árvore frondosa que, após ser praticamente destruída, renasceu como um exemplar jovem que ganha envergadura. A corrente da vida, cujos elos são as gerações, cresce com o passar do tempo. Mas este crescimento nem sempre é garantido: se olharmos para a maioria dos povos, sua continuação é interrompida. No caso de alguns ainda restam monumentos importantes para contar a história; no caso de outros, esta deve ser seguida por meio de achados arqueológicos.


Muitas das regiões geográficas que mantém seus nomes desde a antiguidade estão povoadas por civilizações muito diferentes das que construíram os monumentos que as caracterizam. Saber contar a história através de gerações e saber renascer das cinzas são condições necessárias mas não suficientes para a longa sobrevivência do Povo Judeu. Saber projetar o futuro e aceitar a mudança dos tempos, sem esquecer ou omitir o passado, é parte essencial desta receita. 


Nos dias de hoje, muitos ligam o nascimento do moderno Estado de Israel ao Holocausto. Muitos querem fazer o mundo acreditar que esta foi uma solução momentânea para limpar as horríveis manchas deixadas pelo genocídio de um povo que vivia como cidadão de muitas nações. Até hoje quando é citada a biografia de Albert Einstein e muitos outros judeus europeus que contribuíram de forma marcante para a humanidade, é dito que era um cidadão alemão. Pode até ter sido verdade que Einstein nasceu na Alemanha, mas o nazismo não poupou cidadãos como Einstein e muitos cidadãos comuns que eram leais ao seu país e tinham lutado pela Alemanha na primeira guerra mundial. Milhões de deslocados e mortos em nome de uma política que nem pode ser adjetivada.


Apesar de tudo, os ingleses que lutaram bravamente contra os nazistas empenharam-se em impedir que os judeus tivessem um Lar Nacional Judaico. Esta história fica encoberta pela bruma do tempo. Na semana passada o “Você Sabia?” escrito por Itanira Heineberg foi baseado no livro de Murray Greenfeld, marinheiro americano. Ao voltar da segunda guerra mundial, Greenfeld foi abordado por pessoas que o convidaram a fazer parte da tripulação de um navio que levaria judeus sobreviventes do holocausto para as terras do Mandato Britânico da Palestina. Esta imigração era ilegal porque os ingleses, ao editarem o Livro Branco, fecharam as portas de Israel para os judeus. Aqui precisa ser relatado que muitos ingleses, incluindo o Príncipe Consorte Philip e o primeiro ministro Winston Churchill, eram favoráveis à criação de um Lar Nacional Judaico - mas voltemos a Murray. Ele e outros jovens marinheiros americanos aceitaram o desafio e embarcaram para a Europa, ajudando o navio Hatikva (esperança) a chegar às terras do Mandato Britânico. Foram presos e encaminhados para a Ilha de Chipre. Já não havia mais nazistas, mas os judeus continuavam em campos de prisioneiros. É preciso registrar que todo o trabalho que estes jovens fizeram foi voluntário; isto mesmo, em troca eles receberiam apenas cama e comida. Mas, para eles, que haviam visto os campos de concentração nazistas e os milhares de deslocados na Europa, a grande recompensa era A VIDA. Nossa colaboradora, Marcela Fejes, ao ler a história de Murray Greenfeld, contou que sua mãe não conseguiu embarcar em um destes navios pois os ingleses do campo de refugiados em que ela estava não autorizaram que pegasse o navio - e ela acabou imigrando, mais tarde, para a Argentina.

Sim, o mundo estava horrorizado e a Assembleia Geral da ONU de 1947, presidida pelo brasileiro Oswaldo Euclides de Sousa Aranha, votou pela partilha das terras do Mandato Britânico da Palestina separando as terras da Jordânia e do Estado de Israel. Importante lembrar que foi no século XX que apareceu pela primeira vez um país chamado Jordânia, mas Israel tem suas raízes nos tempos bíblicos. Este ato abre o caminho para a declaração da Independência do Estado de Israel em 1948. O dia da Independência de Israel é comemorado há 73 anos no dia 5 de Yiar, que este ano corresponde ao dia 14 de abril. 

Contado desta forma, deixamos de entender a corrente da vida. O título deste texto inicia-se com a palavra sionismo porque este movimento, que tem suas raízes na Torah e na busca de um Lar Nacional para os que saíram do Egito, renasce no século XIX nas terras dos Czares. Um movimento que inclui o estabelecimento de um país sem perseguições e com a pluralidade que os judeus já viviam naqueles tempos. As migrações para as Américas, incluindo o Brasil, no final do século XIX e início do século XX também foi acompanhada da ida de jovens para Israel, que era parte do Império Otomano. É nesses tempos que se inicia a revitalização do hebraico, a formação de colônias agrícolas, o estabelecimento de um sistema educacional e de proteção aos trabalhadores e a criação de um sistema universitário e de investigação científica. Muitas décadas antes do Holocausto, o Lar Nacional Judaico dos nossos tempos começa a ser gestado.

A visibilidade política internacional foca em Theodor Herzl (1860-1904), um jornalista austríaco, judeu laico, que abraça e lidera o movimento sionista após assistir à degradação do Capitão Alfred Dreyfus na França. Seu livro, “O Estado Judeu”, adentra nos “por quês?” e “como” criar um lar nacional judaico. Uma das receitas é criar um “Congresso Sionista Mundial” para reunir e formar lideranças, criar estratégias e implementar ações políticas. O Primeiro Congresso Sionista Mundial ocorre em Agosto de 1897 na Basiléia, Suíça. Herzl é eleito presidente, e é neste congresso que são escolhidas a Bandeira e o Hino Nacional (Hatikva) do Estado a ser criado nas terras que eram do Império Otomano. É neste Congresso que é formulada uma plataforma de atuação, a Organização Sionista, o Banco do Povo (hoje um dos importantes bancos de Israel) e a decisão de ampliar a compra de terras para o estabelecimento dos kibutzim. SIONISMO – um desejo que começa a ser trabalhado com muito afinco no século XIX. Sempre fico impressionada ao ver que as bases do atual Estado de Israel foram estabelecidas por muitos que nunca chegaram a viver para ver o dia da Independência.

Após o por do sol do dia 13 de abril de 2021 começa o Dia da Recordação (Iom há Zikaron) – lembrar e contar. Todos os que deram suas vidas para a criação do Estado de Israel são lembrados de forma conjunta. Ao tocar de uma sirene, o país inteiro para. Os carros, os trens, as fábricas, os pedestres. Todos ficam de pé em respeito aos que permitiram chegar ao que vai ser comemorado com uma explosão de alegria a partir da noite desta quinta-feira.

A corrente da vida – vontade, ideias, ações e conquistas. Estas são as lições que a história moderna nos ensina. Apesar de todos os ataques que Israel vem sofrendo e todas as difamações, vemos algo espantoso. O parlamento recém eleito é formado por representantes de todas as etnias que moram naquele pequeno país. Problemas... muitos. Soluções? Estas vão aparecendo e sendo substituídas, constituindo as camadas que criam as possibilidades de uma vida contínua e registrada na pedra. Mas, em tempos de grande conturbação, há sempre a possibilidade de aparecer um novo broto, do âmago da velha árvore, renovando as formas de gerar e utilizar as energias disponíveis. Le Chaim – À VIDA – Am Israel Chai.


Boa semana!

Regina P. Markus

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