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quinta-feira, 29 de abril de 2021

Editorial - O passar do tempo e seus retratos



Nesta semana celebra-se o Lag Ba Omer (dia 33 da contagem do Omer) em meio ao período entre Pessach e Shavuot. As comemorações e os lutos, expressões vivas e dinâmicas que são das comunidades, vêm evoluindo desde o início dos tempos rabínicos: o período de 49 dias da contagem do Omer veio sendo lembrado com tristeza pela peste que matou milhares de alunos de Rabi Akiva. Mas no dia 33 faz-se uma pausa alegre, comemorada tradicionalmente com fogueiras, para marcar o final do período de peste e a morte de vários “tzadikim” (“justos”) o mais famoso deles Shimon Bar Yochai. E particularmente este ano há uma folia de fogueiras preparada para rimar com a alegria de saírem da pandemia! 

Este período de contagem que inicialmente marcava uma antecipação e preparação para a colheita dos grãos, culminando com o agradecimento a Deus no dia seguinte a sete semanas (Shavuot - semanas), incorporou a rabínica leitura de que se trata da contagem entre a saída dos judeus do Egito e o recebimento da Torá, o que representa o processo de evolução de um grupo fugitivo com a mentalidade de escravos para um povo que cultua a liberdade com responsabilidade. 

É fundamental na Torá, e na história humana, o papel da contagem dos dias e das pessoas, do tempo e das gerações como forma de organizar as experiências e para marcar e delinear os processos de evolução. 

Pensando na contagem de pessoas e gerações vamos diretamente ao censo que se repete de tempos em tempos para que saibamos quantos seres humanos somos e com quais características estatisticamente retratadas. Quando os hebreus foram para o Egito a Torá em Êxodo menciona 70 membros da família de Iaacov, já na saída contavam 600 mil. 

Outro censo conduzido por David mencionado em Samuel II, Profetas, contou 800,000 pessoas de Israel e 500,000 de Judá. 

Os antigos censos tinham o objetivo de controlar, dispor militarmente e cobrar impostos, e não incluíam escravos ou crianças. Hoje os censos buscam a representatividade e universalidade - cada indivíduo e todos devem estar incluídos -, a simultaneidade e a periodicidade das coletas. Entre um retrato e o próximo podemos lembrar, analisar e explicar os processos pelos quais passamos, e pela análise de vários desses intervalos, quais as tendências, para onde estamos indo. 

Várias contagens da população no território que hoje é o estado de Israel e Jordânia ocorreram em 1905, 1916 a 1919, de 1922 a 1931 pelo Império Otomano e no mandato britânico da Palestina, em mais de dez cidades judaicas com metódicas pesquisas verificando idades, sexo, situação marital e religião, posteriormente incluindo cidadania, ocupação profissional, alfabetização e deficiência física... apenas estimando o número de beduínos. 

De lá até 1948 os conflitos que cresceram na região impediram novos censos mas a partir daí, em Israel, a cada mês há uma atualização dos dados. A última rodada completa refere-se a 31/12/2020 e mostrou: 9,291,000 residentes, dos quais 6,870,000 judeus  (73.9%), 1,956,000 árabes (21.1%) e 456,000 outros (5.0%). 

Durante o ano de 2020 a população cresceu em 1.7%, dos quais 84% devem-se ao crescimento natural e 16% por saldo de entradas e saídas. Cerca de 176,000 bebês nasceram (73.8% judeus, 23.4% árabes e 2.8% outros). Novos imigrantes foram 20 mil. Os residentes de origem brasileira são da ordem de 25 mil.

Em próximos textos podemos trazer maior detalhamento com análise mais profunda desta evolução e das tendências. 

E no Brasil? A preocupação de não termos censo há mais de dez anos veio forte este ano mas tudo indica que ele vai ser feito por ordem judicial. O último censo em 2010 mostrava 107 mil judeus; estamos curiosos sobre um resultado atualizado.  


Quanto à contagem do tempo, a Torá não nos facilita a tarefa, os períodos parecem diferentes dos nossos, as idades mencionadas não são viáveis com o nosso tempo... mas o ano se divide e se repete em ciclos organizados pelos sábios previamente à destruição do segundo templo no ano 70 da era comum. Antes disso, os judeus já emprestaram dos gregos um sistema de contagem em "eras", períodos associando o tempo a fatos históricos e não à duração da vida de pessoas. Isso foi na era Selêucida  (nome de um rei Seleuco, usada pelos estudiosos seculares ou nos círculos tradicionais, "minyan shtarot"–"contagem de contratos"). Uma era é associada à chegada de Alexandre a Israel, outra diferente foi adotada para registros privados e templos e se inicia na saída do Egito - data por exemplo a construção do primeiro templo em 480 AEC (antes da era comum). Complicado, não é?  Mas progressivamente alinhou-se a era Selêucida à era "Secular". O próprio Maimônides usou às vezes a contagem do início dos relatos da Torá, ora a era Selêucida, ora a era Secular, o que indica que até seu tempo - século XIII - não havia aceitação geral de nenhum dos sistemas.  

No século XVI o uso do sistema Selêucida foi interrompido no mundo judaico por Rabbi Abi Zimra, embora no mundo árabe ele tenha seguido em uso paralelo ao Secular até o século XIX. 

Voltando aos ciclos, o ritmo do tempo judaico é influenciado tanto pelo sol como pela lua. O sol determina o dia, que era definido por meio visual, como em Gênesis 1 "e fez-se o dia e fez-se a noite". Isto ainda corre em paralelo com o padronizado e universal período de 24 horas. Mas quando começa o dia e quando começa a noite? Os rabinos decidiram que o dia começa quando o sol se põe e segue até o próximo, e mantemos isso em todos os momentos sendo apenas a frequência deste uso dependente da comunidade, de quais e quantas rezas faz. 

E a lua? É ela que desde sempre rege nosso calendário, suas fases determinam nossas datas importantes e sua celebração, nosso ciclo anual. Para alinhar nosso calendário com o solar, que é maior, e evitar o desencontro das estações de ano a ano, fundamental a um povo eminentemente ligado à natureza, o judaísmo montou uma solução criativa, atenção: um sistema de ciclos de 19 anos dentro do qual pula-se 7 anos. Diferentemente do ano bissexto ao qual se adiciona um dia a cada 4 anos, adiciona-se um mês inteiro no respectivo ano, de forma que em relação ao calendário gregoriano padrão, os feriados flutuam no máximo um mês mas sempre ocorrem na mesma época do ano. Parece óbvio mas, vejam, o calendário islâmico não fez essa adaptação e aí datas importantes flutuam ao longo do ano, Ramadã está sendo agora, em 2010 foi em agosto e em 2030 haverá 2.


Hoje em dia temos calendários e relógios automáticos  de todo tipo, nunca ficamos sem saber “quando” estamos. Mas raramente temos a noção, a percepção deste período que passou entre a última vez que consultamos o relógio e agora. Como chegamos ao agora? E como aproveitamos o precioso tesouro do tempo que foi nosso, mas já passou? Aproveitemos ao maximo cada unidade de tempo, qualquer que seja a forma em que é medida.



Juliana Rehfeld

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