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domingo, 17 de julho de 2022

Editorial - Lembrando para não esquecer nunca... é suficiente?

 

Lembrando para não esquecer nunca... é suficiente?

De 18 de julho de 1994 até 18 de julho 2022 = 28 anos


 




Foi uma manhã como qualquer outra: acordar, tomar banho, tomar café e sair com os meninos para dar aula na escola... e aí, de repente, tudo ficou interrompido. O atentado. As ruas fechadas, as ambulâncias, os hospitais... eu sendo a única professora judia na escola, veio a pergunta óbvia: ”você tinha algum conhecido lá?”

E tinha sim! Julia Susana Wolinsky Kreiman, Shoshana, como a gente chamava, esposa do rabino Angel que foi colega do meu marido Raul no Seminário Rabínico Marshall Meyer.

A gente escutava os nomes daqueles que era resgatados vivos ou mortos e eu sentia dor, sentia angústia, sentia raiva, sentia desolação.... novamente um atentado... quando será que viveremos tranquilos?

Quantas vezes teremos que sentir que somos alvo do terror? Quantos Kristallnacht (1938), anos de Holocausto (1939-1945), morte dos atletas israelenses nas Olimpíadas  de Munique (1972), atentado na sinagoga em Tunez (2002), Cemitério Judaico e sinagoga de Istambul (2003), na Escola Judaica da Franca (2012), no Centro Cultural Judaico em Copenhagen (2015), na Sinagoga de Pittsburg (2018), só para lembrar de alguns?

Quando será que encontrarão, levarão à justiça e condenarão os responsáveis?

Lamentavelmente, 28 anos depois do atentado à AMIA (Associação Mutual Israelita de Argentina) em 18 de julho de 1994 - o maior atentado a uma comunidade judaica na América Latina - nada ficou resolvido e nem há a menor chance de que algumas das duas situações aconteça.

Foram culpados agentes da Policia Federal de Buenos Aires, trocados juízes federais, existiram solicitações oficiais de vários lugares diferentes.

Até o atual Papa Francisco solicitou formalmente, como Cardeal de Buenos Aires na época, uma exaustiva investigação sobre o caso assinando o documento “85 mortes... 85 causas”.

.............e nada!

Existiram e existem acusações formais de grupos terroristas como Hezbollah, responsáveis pelo planejamento e ações de atentados por diversos motivos: políticos, religiosos, econômicos ou aqueles relacionados com a negação de transferência de tecnologia nuclear entre Argentina e Iran como o comércio de radioisótopos.

Não foi o suficiente que anteriormente, em março de 1992, um outro homem-bomba chocou o seu veiculo carregado de explosivos contra a embaixada de Israel em Buenos Aires provocando a sua destruição e também a de uma igreja católica e um prédio escolar.

Morreram neste atentado 29 pessoas, várias delas crianças, e ficaram feridas 242, sendo o ataque mais mortal contra uma missão diplomática israelense no mundo até então.

Tal foi a impunidade que apenas dois anos depois aconteceu o atentado da AMIA.

Foi necessário até que um procurador da causa da Amia como Alberto Nissman morresse no meio das investigações.

Foram necessários infinitas palestras, encontros judiciais, viagens de peritos, reconhecimentos de fatos acontecidos e inventados, trocas de equipes de investigadores, fortunas gastas, milhares de discursos sentidos e não sentidos, politizações aproveitadas por muitos, enfim... e os culpáveis ainda livres e as causas ainda abertas....

Foram 85 pessoas que morreram por estar ali, naquele dia, naquele momento, minutos antes das 10 da manhã.... às 9:53 exatamente... fazendo seu trabalho dentro da AMIA (Associação Mutual Israelita Argentina), onde existe a maior comunidade judaica de América Latina (hoje aprox. 230 mil) ou andando pela Rua Pasteur, indo o voltando de algum lugar.

NÃO é suficiente uma expressão como o Nunca Mais... se isso não estiver acompanhado de uma ação que ajude a evitar os atentados e que claramente possa encontrar e condenar culpáveis.

Também é fundamental que existam ações claras para desmistificar as ignorâncias, manter viva a memória de tudo aquilo que não deve acontecer debaixo de nenhuma circunstância em nenhum lugar do planeta, ações que ajudem a compreender que as diversidades colaboram com a evolução humana.

De todas as pessoas aprendemos que somos todos necessários na causa mundial, que ideias não se eliminam destruindo pessoas nem lugares, que a luta por um mundo melhor se constrói a cada dia e que nessa construção são tão importantes as abelhas como as pessoas de todas as idades.

Para este triste 28o aniversario se finalizou e se apresentou o “Passeio da Memória” que começa na Estação Pasteur de Metrô e que de agora em diante será denominada estação Pasteur-AMIA, até o Hospital das Clinicas onde foram trasladados a maioria das vitimas do atentado.

Neste “Passeio da Memória” de várias quadras existem árvores plantadas lembrando cada um que nos deixou, cartazes informativos sobre o que aconteceu e murais ilustrativos que podem ser visualizados de muitos lados, pintados com esse único fim: “deixar uma Memória Ativa para sempre”.

Clicando aqui, é possível assistir ao vídeo em espanhol sobre o Passeio da Memória. 

A Esh Ta Na Mídia acompanha esta homenagem com o vídeo da lembrança, especialmente criado para este novo aniversário e interpretado por duplas de pais cantores e intérpretes com seus  filhos ou netos com a ideia judaica de transmitir e manter “a chama ativa de geração em geração... le dor vador” - clique abaixo:

https://www.infobae.com/sociedad/2022/07/05/el-video-de-amia-que-reunio-a-conocidos-artistas-y-sus-familiares-para-recordar-a-las-85-victimas-del-atentado/

 

A ideia de solicitar a composição e interpretação da canção pela AMIA foi transmitir esse compromisso pela memória e justiça às novas gerações - porque a memória só seguirá viva se a continuamos transmitindo, se conseguimos continuar contando sem parar o que aconteceu, especialmente às novas gerações que nem tinham nascido quando estes eventos aconteceram.

Elas não podem ter lembranças porque muitos até nasceram depois de fatos que nos marcam como a nossa identidade coletiva. Parte da canção diz:


 

“Por isso cantamos hoje para que ninguém esqueça

Que somos feitos de histórias que muitos querem apagar

A justiça é uma flor que demora para crescer às vezes.

Porem no dia que floresce murcha a impunidade”.


A Esh Ta Na Mídia se soma às homenagens em memória do atentado com seu compromisso semanal de ajudar a combater a discriminação, intolerância e desinformação contra movimentos e atitudes antissemitas.

Finalizemos judaicamente com um Kadish honrando a memória dos 85 e pela vida!


“Yitgadal veyitcadash shemé rabá.

Bealmá di vera chiruté, veiamlich malchuté..."


Shabat Shalom e boa semana a todos!

Marcela Fejes Meyer

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