EDITORIAL: A NOITE DOS CRISTAIS (1938) - O ANTISSEMITISMO (2022)
Por Regina P Markus
Na noite do dia 9 de novembro de 1938, adentrando pela madrugada, as ruas de cidades alemãs foram invadidas por turbas que quebravam vidraças e destruíam propriedades. Gritos, insultos e invasões de domicílios. Todo este ódio era dirigido aos judeus, de forma indiscriminada. Era a noite dos cristais. A noite em que os judeus alemães tiveram um anúncio coletivo do que estava por vir.
A noite em que o mundo pode vislumbrar um futuro inimaginável, em que seres humanos seriam destituídos de todas as suas características humanas.
A frase acima pode ser lida de duas maneiras: 1) considerar que os nazistas eram desumanos; 2) considerar que os judeus não eram humanos, portanto deveriam ser exterminados. Nos dois casos, seres humanos são enquadrados em categorias, e a individualidade de cada pessoa é perdida. As origens das famílias são apagadas e apenas o "aqui e agora", o momento em que a turba é teleguiada e é auto-excitada, conta. Um momento que não considera o passado destrói o futuro!
Este ano, o articulista e ativista comunitário Marcos L. Susskind publicou na Revista Kadimah um pedido para que velas fossem acesas no dia 9 de novembro. Um vela, uma lembrança, uma memória: estas são ações que tocam a cada pessoa e não mais ao coletivo de pessoas. Ao chamar indivíduos de judeus, o que os antissemitas fazem é "coisificar" pessoas. Retirar destas seu caráter humano, seu caráter individual, suas particularidades. Assim, não havia distinção entre mulheres, crianças e homens! Todos eram "coisas" a serem varridas, eliminadas. A turba quebrava janelas e vitrines, os líderes e administradores organizavam fábricas de morte e transportavam as pessoas para estes locais. Em 9 de novembro de 1938, 30 mil judeus foram presos em encaminhados para campos de concentração.
A história contada por quem esteve lá é uma forma de mantermos a memória dos muitos que não sobreviveram. No Brasil, a Sra. Margot Bina Rotstein conta sua história em escolas brasileiras - memória! Sua história também foi abordada pela Deutsche Welle (DW) em entrevista à jornalista Nadia Pontes em 2020. Vale conferir.
O Povo Judeu é um povo disperso há mais de dois mil anos em um exílio imposto pelos romanos. Disperso por todo o globo terrestre, alvo de discriminação coletiva. O nazismo é destacado de forma especial, muito provavelmente por estar tão perto de nós. Foram nossos pais e avós, maridos, esposas e amigos que sofreram diretamente as consequências de um processo de destruição em massa. A mesma geração sofreu outras formas de perseguição na Europa Oriental: pogroms que destruíam aldeias e impediam um vida normal nas cidades. Proibição de viagens e estudos. Tanto a Rússia czarista, quanto a União Soviética foram países em que o antissemitismo era oficializado.
E o que dizer dos judeus que moravam nos países árabes? Estes eram muitas vezes submetidos a condições inferiores e obrigados a pagar pesados impostos. Foram obrigados a deixar grandes fortunas e, é importante lembrar, muitos moravam naquelas terras desde os tempos bíblicos enquanto outros chegaram com a expulsão dos judeus da Espanha e Portugal, em base da Inquisição desenvolvida pela Igreja Católica. Em mais um artigo da Revista Kadimah, encontramos o livro da jornalista e historiadora Lyn Julius, “Desenraizados”, que conta essa parte da história.
Hoje, em pleno século XXI, em todos os cantos do planeta, inclusive no Brasil, vemos crescer a onda de antissemitismo e de discriminação. Esta acontece independente de posicionamento político ou religioso; precede e embasa a enorme recusa em entender que o Estado de Israel é um estado democrático, de direito, e que tem como cidadãos pessoas judias e não judias, MAS é o Lar Nacional Judaico. Focamos na discriminação dos judeus porque somos uma publicação que surgiu na Chavurá Esh Tamid, mas certamente discriminação contra qualquer coletivo, seja ligado a cor, orientação de gênero, ou mesmo segregação de gêneros tem algumas características comuns. Uma das características que passa por todas é esquecer quem é o individuo para olhar para uma característica coletiva.... as louras, os cegos, o/as baderneiro(a)s.... e podem continuar adjetivando, ou melhor, agrupando pessoas sem levar em consideração suas capacidades e características individuais.
CRISTAIS QUEBRANDO - CRISTAIS TILINTANDO - dois barulhos diametralmente opostos. Um lembra a destruição e outro a celebração. Para encerrar, adentrando a madrugada do dia 9 de novembro lembro que...
CRISTAIS QUEBRADOS - A MORTE - A DETRUIÇÃO devem ser lembradas e devem embasar mudanças que possam empoderar o futuro - e para tanto LEMBRAMOS - Izkor - e rezamos o KADISH ATOM - uma reza de santificação que permite circular na fronteira entre a vida e a morte!
CRISTAIS TILINTANTO - ao brindarmos, rezamos o KIDUSH - a santificação da vinha, do vinho, da bebida que consumida com moderação alegra a vida. Mas o excesso leva à perda da capacidade de exercer o livre arbítrio, à perda de consciência, a doenças e à morte.
KADISH - KIDUSH - apenas uma letra LEMBRA os que se foram, ou celebra a VIDA - e é nesta pequena diferença que circulamos por estas vidas....
LE CHAIM
Regina P. Markus
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