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quarta-feira, 23 de novembro de 2022

Editorial - Reunião de condomínio



Quantidade sim, mas e a qualidade?

Quero voltar à semana passada, pelo que nela estava contido: em 15 de novembro alcançamos 8 bilhões de habitantes no planeta Terra. Somos todos membros de um condomínio gigante cuja convenção vem criando e infringindo regras há milhares de anos. 

Este condomínio não tem um único síndico, uma administração única, mas o construtor, muitos acreditam, vigia de perto o seu desenvolvimento. A gestão sempre foi descentralizada e ao longo do tempo tem havido movimentos, mais ou menos intensos, a favor de ações conjuntas mas, a maior parte do tempo, cada unidade vira suas costas para as outras. De vez em quando, uma unidade invade  outra vizinha e o aparente equilíbrio condominial desmorona. Reuniões de condomínio? Sim, movimentadas e barulhentas, mas as decisões seguidas de implementação são muito raras. 

Digo aparente equilíbrio porque, de fato, basta um olhar medianamente apurado para ver a desigualdade entre blocos e unidades, de oportunidades e de acesso aos muitos serviços do condomínio. Restaurantes de muita diversidade, Playgrounds educativos se concentram em alguns blocos mas quase não existem em outros; poucos têm a chave das academias ou acesso às piscinas enquanto a maioria produz a comida e todos os objetos necessários para viver no condomínio. A maioria corre de manhã à noite pelas tortuosas alamedas, ocupada em cumprir tarefas que, mesmo pouco remuneradas, os mantêm vivos, eles e suas famílias, e eventualmente darão acesso àquelas áreas de lazer e recreação.

Esta nossa manutenção tem problemas gravíssimos: só 15% dos condôminos têm acesso à água potável e só um quarto dos banheiros têm serviço de esgoto. Cerca de 7,5% de nossos condôminos têm consumo insuficiente de alimentos (“insegurança alimentar”) - mesmo que a produção de comida seja quase suficiente, a distribuição é perversa; 12% de nós ainda não conseguiram unidades dignas para morar - vivem pelos cantos e escadas - e 13% não têm eletricidade… mas estas estatísticas são MÉDIAS globais, ou seja, há muitos blocos em que estes números são muito piores que isso.

Na Reunião de Condomínio do momento, a COP 27, a grande preocupação foi com o crescente e sufocante efeito estufa: nosso jardim floresceu em velocidades variadas e com diversidade deslumbrante mas, por contínuo descuido de tantos jardineiros, muitas ervas daninhas sufocaram os frutos das boas sementes. E quanto mais árvores desse jardim cortamos, além da suja maneira pela qual fabricamos nossos produtos condominiais, mais se acumula o gás carbônico, sem saída, como se estivéssemos em uma caixa fechada. O resultante aquecimento vem aumentando e desertificando grandes áreas do condomínio nas quais plantar qualquer coisa já não é possível. 




Esse aquecimento quase inexorável vem causando chuvas e enchentes em estações e quantidades inesperadas, derretimento de milenários glaciares, avanço dos nossos oceanos sobre as praias onde poucos de nós se banham e, pior, com isso ilhas estão para serem totalmente engolidas. O que se discutiu agora na reunião de condomínio é a implementação de soluções efetivas para a real ameaça da mudança do clima, que expõe seus múltiplos e terríveis impactos. 

Não teve sucesso mais esta assembleia… alcançamos uma enorme quantidade mas nossos números, nossa fotografia, mostram quanta qualidade estamos longe de alcançar.

Na semana passada também ocorreu um tributo global ao emérito rabino e lorde Jonathan Sacks z’l’ pelo 2o aniversário de sua morte. Espalhados em comunidades por todo nosso condomínio, lemos textos do rabino sobre a Parashá Chaiê Sarah. 

Jonathan Sacks também falou de mudança climática. Usou conceitos da ciência para cunhar a expressão Mudança Climática Cultural: “estamos atravessando uma das mais profundas revoluções da história humana e eu a resumo como Mudança Global Cultural. Assim como a mudança na temperatura quebra velhos padrões e muda radicalmente as condições meteorológicas, esta mudança climática cultural vem causando uma série de tempestades no Ocidente que vão virar de cabeça para baixo noções convencionais da fé e do papel que as religiões ocupam na sociedade.” Com a secularização, a ocidentalização e a necessidade de acomodação das religiões para sobreviverem e atingirem camadas mais amplas da sociedade houve desenvolvimentos controversos: “nas últimas décadas metade do mundo se tornou menos religiosa e metade, mais religiosa .”

Em julho de 2017 ele disse: ”acredito que estamos passando por um equivalente cultural das mudanças climáticas e somente quando percebemos isso é que entenderemos as coisas estranhas que têm acontecido no século 21 nos domínios da política e da economia, a deterioração de padrões públicos de verdade, de debate civil, e a ameaça à liberdade de expressão nas universidades inglesas e americanas" (e eu acrescento, porque não, as brasileiras?)… e completou: “isto tem dado substrato a fenômenos mais pessoais como solidão, depressão, e abuso de drogas. Todas essas coisas se relacionam. Se percebermos isso já teremos dado o primeiro passo para uma solução.”

Fenômenos complexos, desafiadores, em meio aos quais temos de nos desenvolver e tomar posições: não dá para fugir. Novamente, temos quantidade mas estamos enfrentando isso com a qualidade que precisamos?




O Prof. Sacks encerra sobre esta mudança climática cultural, esta “loucura dos tempos atuais”, usando uma fala de Woody Allen: “mais do que em qualquer outro tempo da história, a humanidade enfrenta um encruzilhada - um caminho leva ao desespero e pura desesperança, o outro, para a extinção. Bem, vamos rezar para termos a sabedoria de escolher corretamente." 

Shabat Shalom


Juliana Rehfeld

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