ENTRE PURIM E PESSACH
Por Angelina Mariz de Oliveira
Entre a salvação de um eterno inimigo – Amalek; e a libertação de um
idólatra – o Faraó, vivemos por algumas semanas, ou por muitos séculos, ou
fazemos uma viagem ao passado.
Quando celebramos o fim da escravidão no Egito, o Mar Vermelho havia se
fechado sobre os egípcios. Mas a segurança não estava garantida. Alguns dias
depois os mais fracos e vulneráveis foram atacados por predadores humanos.
Triste, porque eram primos, também descendentes de Isaac e Rebeca.
Centenas de anos depois, com a destruição do Primeiro Templo e novo
exílio, somos salvos em Shushan sem a ajuda de Deus (será?). Mais uma vez
comemoramos a morte de centenas de inimigos, enforcados, abatidos a fio de
espada. Mais uma vez a segurança não estava garantida, o Segundo Templo também
foi destruído, e fomos espalhados pelo Império Romano, fugimos por todo o
planeta, no mais longo exílio de nossa história.
Milhares de anos depois, comemoramos Pessach seguindo instruções
bíblicas e rabínicas. É uma festa à Liberdade, de lembrança dos grandes feitos
de Deus, e de um pequeno momento de empatia com os egípcios que pereceram.
Purim é celebrado com excessos de alegria, de embriaguez, e ainda, a partir do
século XVI, incorporando os costumes cristãos de usar máscaras e fantasias.
Ainda nos alegramos, gritamos e rimos quando o nome do líder inimigo é
pronunciado, aquele que foi enforcado com seus filhos.
É preciso lembrar, revivendo integralmente o passado, que a segurança
não está garantida ainda hoje.
Na época em que aqueles que querem nos destruir forem neutralizados com
ações de acolhimento, com diálogo, com inclusão, com respeito, talvez sejam os
tempos vindouros da Era Messiânica. Mas mesmo assim, será preciso ficar atento.
As ameaças a nossa integridade podem vir de dentro de nossas
comunidades. Mesmo entre aqueles que estudam as fontes Bíblicas, que conhecem
as mitzvot, surgem lideranças que fazem interpretações fundamentalistas, que
‘esquecem’ várias mitzvot relativas aos não judeus, e outras várias mitzvot
relativas aos judeus, e às judias.
É preciso ficar atento, pois os predadores também surgem entre nós.
E sempre que uma pessoa judia ataca os vulneráveis e desrespeita seu
próprio povo, justifica o antissemitismo.
São dias difíceis esses entre Purim e Pessach, especialmente nesse ano.
É preciso que o Sêder que em breve vamos preparar tenha uma forte
consciência de que a paz – nossa segurança – só será alcançada se
concretizarmos as mitzvot de amar ao irmão, de cuidar dos vulneráveis, e de só
fazer a guerra se for atacado.
Para nós, pessoas simples, meros cidadãos, isso está a nosso alcance nas
relações privadas e em comunidade. O primeiro passo, que deve ter um destaque
na noite de Pessach, é o afastamento da má-lingua, do ‘lashon hará’, das fake
news, fofocas, intrigas... todo uso destrutivo da palavra.
É fácil, e é difícil. Como ação, é fácil, basta pensar antes de falar e
não se envolver com palavras negativas. Como impulso emocional, é difícil.
Existe um prazer no poder de usar as palavras para criticar, prejudicar,
destruir, oprimir.
O Mundo foi criado com boas palavras, e se mantém sobre o estudo, as
ações construtivas e os projetos comunitários. Nesse Pessach, se pudermos nos
lembrar de tudo isso, se pudermos começar o novo ano nos dedicando à construção
da paz que está ao nosso alcance, estaremos novamente saindo dos estreitos de
Mitzraim, dessa vez por nós mesmos, como ocorreu em Purim.
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