Nesta maré de
março, de mulheres que inspiraram o mundo, apresentamos a artista Friedl
Dicker-Brandeis, uma heroína em Theresienstadt - um campo de concentração sobre
o qual uma criança prisioneira escreveu “Eu nunca mais vi uma borboleta...”
"Sitter
with Wings" – “Babá com Asas”, tela de Freidl Dicker-Brandeis, 1920.
Você sabia que Friedl Dicker-Brandeis, talento da escola Bauhaus e grande promessa do século XX, a artista que acolheu as crianças em seu coração durante o Holocausto na Segunda Guerra, a elas dedicando-se com paixão, trabalhou exaustivamente ensinando-as a amenizar a tristeza e o desencanto através do amor e da arte?
Separadas de
seus familiares, agrupadas por idade e por sexo, amontoadas em quartos
insuficientes para tantas crianças, solitárias e muitas vezes sem entender o
que se passava no mundo que abandonaram antes de ali chegar, sem higiene,
pouquíssima e inadequada alimentação, sujeitas ao frio e ataques de percevejos
ao ponto de dormirem ao relento em noites insuportáveis em seus colchões
infestados, que magia restava a Friedl para encorajar estas pobres crianças?
Friedl
Dicker-Brandeis nasceu em Viena, Áustria, em 30 de julho de 1898 e morreu em
Auschwitz, Polônia, em 9 de outubro de 1944, na câmara de gás.
Friedl teve
uma infância feliz, sempre estimulada por seus pais que a apoiavam em seu
interesse precoce pelas artes e pela cultura.
“Em 1911,
estudou fotografia e design gráfico. Em 1915, matriculou-se na Academia de
Belas Artes de Viena, onde se especializou em arte têxtil e bordado. Ela foi
pupila de Franz Cižek; o pintor tcheco ensina-lhe a relação entre arte e
educação infantil.
De 1916 a
1919, Friedl Dicker foi aluna de Johannes Itten em sua escola particular em
Viena. Lá ela conhece Franz Singer e Anny Wottitz, amigos e futuros
colaboradores. Ao mesmo tempo, ela desenvolveu uma paixão pela música e teve
aulas de harmonia na escola de Arnold Schoenberg. É sem dúvida lá que conhece e
se liga a dois compositores Viktor Ullmann e Stefan Wolpe que, ambos, lhe vão
dedicar peças.
Quando
Johannes Itten foi a Weimar para ensinar na Bauhaus, ela o seguiu, assim como
Anny Wottitz e Franz Singer. Aí investiu de 1919 a 1923 na tecelagem, gravura,
encadernação e participou em workshops de tipografia.”
Em 1931
iniciou sua carreira educacional ao ser convidada pela cidade de Viena a dar
aulas de arte para professores de jardim de infância. Mas em 1934, durante o
movimento de direita em Viena, ela foi presa por atividades comunistas. Ao ser
liberada mudou-se para Praga, uma fortaleza da democracia, onde casou-se com
seu primo Pavel Brandeis e obteve cidadania checa.
Ela e o
esposo se dedicaram a várias atividades num movimento incessante de trabalho e
criação. Em 1938, véspera da Segunda Guerra e com o Holocausto já mostrando
suas garras, Friedl recebeu um único visto para a Palestina mas, não querendo abandonar
o marido, resolveu ficar.
Em 1939 eles
perderam seus empregos e foram forçados a se estabelecer na aldeia de Žďárky,
onde Pavel trabalhava como marceneiro. Em 1942 o casal foi preso e enviado para
o campo de Theresien, hoje República Checa, um campo para pessoas inteligentes,
portadoras de talentos, com o intuito de criar uma janela falsa para o mundo:
para lá foram judeus alemães heróis da Primeira Guerra Mundial, artistas
plásticos, atores, músicos, escritores; judeus eminentes cujo desaparecimento
chamaria a atenção do resto da Europa.
Para encantar
o mundo e os visitantes ocasionais, algumas atividades culturais eram ali
desenvolvidas e consideradas de alto nível: orquestras, grupos de jazz, teatro,
escolas, ateliês de pintura, e até uma ópera composta e executada pelas crianças,
“Brundibár”.
Sim, um gueto
cultural para impressionar os visitantes e a Cruz Vermelha Internacional, um
campo que virava um show artificial onde seus habitantes e em especial as
crianças seguiam um script de alegria, paz, música e atividades artísticas.
Assistamos
aqui a um curto vídeo da Ópera Infantil Brundibár:
Mas a
realidade ali era bem diferente, uma vez os visitantes se retiravam.
Os
prisioneiros adultos que ali chegavam interessavam-se pelas crianças, queriam
apresentar-lhes um sentido para aquela vida, e seguindo suas especialidades
criaram um programa cultural para elas.
“As aulas
de desenho tinham uma posição privilegiada dentro do programa de atendimento
infantil do gueto. Dicker-Brandeis conduziu as aulas empregando os métodos
experimentais especiais que ela adotou em geral de seu professor Johann Itten
(1888–1967), mas também de outros pioneiros da arte experimental na State
Bauhaus em Weimar, onde estudou de 1919 a 1923... Nas condições extremas do
gueto, essas aulas se tornaram um pilar do programa educacional organizado
clandestinamente. Seu objetivo, como ela disse, não era ensinar as crianças a
serem artistas, mas desenvolver seu intelecto criativo, emocional e social.
Apesar da
aplicação de um método preciso, Dicker-Brandeis ainda conseguiu respeitar a
individualidade de cada criança e permitiu-lhes a liberdade de se expressar,
liberar suas fantasias e emoções e, como resultado, sua instrução teve um
efeito terapêutico inestimável. No outono de 1944, ela e a maioria de seus
alunos foram deportados para o leste, e com ela quase todos morreram nas
câmaras de gás de Auschwitz.”
Theresien era
uma pequena fortaleza checa construída entre 1780 e 1790 que mais tarde virou
uma prisão.
Em 1940 a Gestapo
tomou controle do prédio e ali construiu um gueto-modelo de Hitler.
Pelos 3 anos
e meio em que ali torturaram seus prisioneiros, passaram mais de 140 mil
pessoas e das 15 mil crianças só restaram 93 com vida no final da guerra.
Em seu
trabalho quase diário com os pequenos, Friedl colecionou 4.500 desenhos
infantis e guardou-os em duas malas que escondeu em um dos dormitórios das
crianças antes de ser transferida para Auschwitz. Estes desenhos encontram-se
hoje no Museu Judaico de Praga desde o fim da guerra. O acervo tem viajado o
mundo desde 1945 e vários desenhos foram expostos aqui em São Paulo, no MUBE em
2014, durante a exposição “As Meninas do Quarto 28”.
Ao trabalhar
com as crianças do gueto, experimentando suas ideias e conhecimentos, Friedl
esperava desenvolver sua própria tese sobre Arte como Terapia Infantil.
Colagem de
Erika Stránská, garota prisioneira em campo de concentração nazista, Therezien.
As crianças
foram muito influenciadas por Friedl. Os sobreviventes disseram que ela foi “o
mistério da beleza”, “o mistério da liberdade.” Uma das alunas, Erna Furman,
escreveu em 1989: “Os ensinamentos de Friedl, as horas passadas desenhando com
ela, são as memórias mais queridas de minha vida. Friedl foi a única que
ensinou sem nunca pedir nada em retorno. Ela simplesmente se doou.”
Há tanto a
ser dito sobre Friedl, mas sua vida melhor do que qualquer palavra justifica o
carinho e admiração que recebeu de todos que a conheceram.
Assim, nada
melhor do que deixar Ela Weissberger, uma de suas alunas sobreviventes, falar
sobre esta pessoa que acolheu a todos os que a rodeavam no gueto, oferecendo
amor e esperança de dias melhores.
Este filme de
Moriah Films do Simon Weisenthal Center narra histórias de coragem e valor,
histórias que inspiram.
Neste vídeo
vemos que não havia papel nem materiais para fazer arte, mas Friedl tudo
provia. Ela pedia: “Pintem um desenho para mim” - e levava as crianças a lembrarem
o passado e pensarem no futuro de um mundo lá fora. Este era o quarto 28 e
quase todos os dias Friedl alegrava a vida destas meninas com seu sorriso e sua
intenção de ajudá-las.
Ela
Weissberger conta que após a Noite dos Cristais e do desaparecimento de seu pai
ela, a mãe e irmãs fugiram da terra do Sudeto. Em 1942 foram levadas pelo trem
para Theresien onde a avó e o tio foram separados, mas elas ficaram unidas por
algum tempo. Ao saírem do trem tiveram de caminhar 3 km na neve, até a entrada
do campo.
Num relato
apaixonado, Ela nos dá uma ideia das aulas de arte daquela professora
benfazeja, que a todos acudiu.
Weissberger
se emociona ao agradecer o que recebeu de Friedl e lastima a sorte das outras
crianças que não sobreviveram.
Friedl e as meninas do quarto 28. |
FONTES:
http://makarovainit.com/friedl/home.html
file:///C:/Users/HEINEBERG/Downloads/amandat,+Journal+manager,+04_OZANAN_48_62.pdf
https://jwa.org/encyclopedia/article/dicker-brandeis-friedl
https://www.jewishmuseum.cz/friedlscabinet/
https://awarewomenartists.com/artiste/friedl-dicker-brandeis/
Simon Wiesenthal Center enewsletter@wiesenthal.com
“As Meninas
do Quarto 28” - Hannelore Brenner (livro)
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