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segunda-feira, 27 de março de 2023

VOCÊ SABIA? - Friedl Dicker-Brandeis

 

Nesta maré de março, de mulheres que inspiraram o mundo, apresentamos a artista Friedl Dicker-Brandeis, uma heroína em Theresienstadt - um campo de concentração sobre o qual uma criança prisioneira escreveu “Eu nunca mais vi uma borboleta...”

Por Itanira Heineberg


"Sitter with Wings" – “Babá com Asas”, tela de Freidl Dicker-Brandeis, 1920.


Você sabia que Friedl Dicker-Brandeis, talento da escola Bauhaus e grande promessa do século XX, a artista que acolheu as crianças em seu coração durante o Holocausto na Segunda Guerra, a elas dedicando-se com paixão, trabalhou exaustivamente ensinando-as a amenizar a tristeza e o desencanto através do amor e da arte?

Separadas de seus familiares, agrupadas por idade e por sexo, amontoadas em quartos insuficientes para tantas crianças, solitárias e muitas vezes sem entender o que se passava no mundo que abandonaram antes de ali chegar, sem higiene, pouquíssima e inadequada alimentação, sujeitas ao frio e ataques de percevejos ao ponto de dormirem ao relento em noites insuportáveis em seus colchões infestados, que magia restava a Friedl para encorajar estas pobres crianças?



Friedl Dicker-Brandeis nasceu em Viena, Áustria, em 30 de julho de 1898 e morreu em Auschwitz, Polônia, em 9 de outubro de 1944, na câmara de gás.

Friedl teve uma infância feliz, sempre estimulada por seus pais que a apoiavam em seu interesse precoce pelas artes e pela cultura.

 

Em 1911, estudou fotografia e design gráfico. Em 1915, matriculou-se na Academia de Belas Artes de Viena, onde se especializou em arte têxtil e bordado. Ela foi pupila de Franz Cižek; o pintor tcheco ensina-lhe a relação entre arte e educação infantil.

De 1916 a 1919, Friedl Dicker foi aluna de Johannes Itten em sua escola particular em Viena. Lá ela conhece Franz Singer e Anny Wottitz, amigos e futuros colaboradores. Ao mesmo tempo, ela desenvolveu uma paixão pela música e teve aulas de harmonia na escola de Arnold Schoenberg. É sem dúvida lá que conhece e se liga a dois compositores Viktor Ullmann e Stefan Wolpe que, ambos, lhe vão dedicar peças.

Quando Johannes Itten foi a Weimar para ensinar na Bauhaus, ela o seguiu, assim como Anny Wottitz e Franz Singer. Aí investiu de 1919 a 1923 na tecelagem, gravura, encadernação e participou em workshops de tipografia.”

 

Em 1931 iniciou sua carreira educacional ao ser convidada pela cidade de Viena a dar aulas de arte para professores de jardim de infância. Mas em 1934, durante o movimento de direita em Viena, ela foi presa por atividades comunistas. Ao ser liberada mudou-se para Praga, uma fortaleza da democracia, onde casou-se com seu primo Pavel Brandeis e obteve cidadania checa.

Ela e o esposo se dedicaram a várias atividades num movimento incessante de trabalho e criação. Em 1938, véspera da Segunda Guerra e com o Holocausto já mostrando suas garras, Friedl recebeu um único visto para a Palestina mas, não querendo abandonar o marido, resolveu ficar.

Em 1939 eles perderam seus empregos e foram forçados a se estabelecer na aldeia de Žďárky, onde Pavel trabalhava como marceneiro. Em 1942 o casal foi preso e enviado para o campo de Theresien, hoje República Checa, um campo para pessoas inteligentes, portadoras de talentos, com o intuito de criar uma janela falsa para o mundo: para lá foram judeus alemães heróis da Primeira Guerra Mundial, artistas plásticos, atores, músicos, escritores; judeus eminentes cujo desaparecimento chamaria a atenção do resto da Europa.

Para encantar o mundo e os visitantes ocasionais, algumas atividades culturais eram ali desenvolvidas e consideradas de alto nível: orquestras, grupos de jazz, teatro, escolas, ateliês de pintura, e até uma ópera composta e executada pelas crianças, “Brundibár”.

Sim, um gueto cultural para impressionar os visitantes e a Cruz Vermelha Internacional, um campo que virava um show artificial onde seus habitantes e em especial as crianças seguiam um script de alegria, paz, música e atividades artísticas.

Assistamos aqui a um curto vídeo da Ópera Infantil Brundibár:



Mas a realidade ali era bem diferente, uma vez os visitantes se retiravam.

Os prisioneiros adultos que ali chegavam interessavam-se pelas crianças, queriam apresentar-lhes um sentido para aquela vida, e seguindo suas especialidades criaram um programa cultural para elas.

 

“As aulas de desenho tinham uma posição privilegiada dentro do programa de atendimento infantil do gueto. Dicker-Brandeis conduziu as aulas empregando os métodos experimentais especiais que ela adotou em geral de seu professor Johann Itten (1888–1967), mas também de outros pioneiros da arte experimental na State Bauhaus em Weimar, onde estudou de 1919 a 1923... Nas condições extremas do gueto, essas aulas se tornaram um pilar do programa educacional organizado clandestinamente. Seu objetivo, como ela disse, não era ensinar as crianças a serem artistas, mas desenvolver seu intelecto criativo, emocional e social.

Apesar da aplicação de um método preciso, Dicker-Brandeis ainda conseguiu respeitar a individualidade de cada criança e permitiu-lhes a liberdade de se expressar, liberar suas fantasias e emoções e, como resultado, sua instrução teve um efeito terapêutico inestimável. No outono de 1944, ela e a maioria de seus alunos foram deportados para o leste, e com ela quase todos morreram nas câmaras de gás de Auschwitz.”



Theresien era uma pequena fortaleza checa construída entre 1780 e 1790 que mais tarde virou uma prisão.

Em 1940 a Gestapo tomou controle do prédio e ali construiu um gueto-modelo de Hitler.

Pelos 3 anos e meio em que ali torturaram seus prisioneiros, passaram mais de 140 mil pessoas e das 15 mil crianças só restaram 93 com vida no final da guerra.

Em seu trabalho quase diário com os pequenos, Friedl colecionou 4.500 desenhos infantis e guardou-os em duas malas que escondeu em um dos dormitórios das crianças antes de ser transferida para Auschwitz. Estes desenhos encontram-se hoje no Museu Judaico de Praga desde o fim da guerra. O acervo tem viajado o mundo desde 1945 e vários desenhos foram expostos aqui em São Paulo, no MUBE em 2014, durante a exposição “As Meninas do Quarto 28”.

Ao trabalhar com as crianças do gueto, experimentando suas ideias e conhecimentos, Friedl esperava desenvolver sua própria tese sobre Arte como Terapia Infantil.



Colagem de Erika Stránská, garota prisioneira em campo de concentração nazista, Therezien.

As crianças foram muito influenciadas por Friedl. Os sobreviventes disseram que ela foi “o mistério da beleza”, “o mistério da liberdade.” Uma das alunas, Erna Furman, escreveu em 1989: “Os ensinamentos de Friedl, as horas passadas desenhando com ela, são as memórias mais queridas de minha vida. Friedl foi a única que ensinou sem nunca pedir nada em retorno. Ela simplesmente se doou.”

Há tanto a ser dito sobre Friedl, mas sua vida melhor do que qualquer palavra justifica o carinho e admiração que recebeu de todos que a conheceram.

Assim, nada melhor do que deixar Ela Weissberger, uma de suas alunas sobreviventes, falar sobre esta pessoa que acolheu a todos os que a rodeavam no gueto, oferecendo amor e esperança de dias melhores.

Este filme de Moriah Films do Simon Weisenthal Center narra histórias de coragem e valor, histórias que inspiram.

Neste vídeo vemos que não havia papel nem materiais para fazer arte, mas Friedl tudo provia. Ela pedia: “Pintem um desenho para mim” - e levava as crianças a lembrarem o passado e pensarem no futuro de um mundo lá fora. Este era o quarto 28 e quase todos os dias Friedl alegrava a vida destas meninas com seu sorriso e sua intenção de ajudá-las.

Ela Weissberger conta que após a Noite dos Cristais e do desaparecimento de seu pai ela, a mãe e irmãs fugiram da terra do Sudeto. Em 1942 foram levadas pelo trem para Theresien onde a avó e o tio foram separados, mas elas ficaram unidas por algum tempo. Ao saírem do trem tiveram de caminhar 3 km na neve, até a entrada do campo.

Num relato apaixonado, Ela nos dá uma ideia das aulas de arte daquela professora benfazeja, que a todos acudiu.

Weissberger se emociona ao agradecer o que recebeu de Friedl e lastima a sorte das outras crianças que não sobreviveram.

 

 


 

Friedl e as meninas do quarto 28.



FONTES:

http://makarovainit.com/friedl/home.html

file:///C:/Users/HEINEBERG/Downloads/amandat,+Journal+manager,+04_OZANAN_48_62.pdf

https://jwa.org/encyclopedia/article/dicker-brandeis-friedl

https://www.jewishmuseum.cz/friedlscabinet/

https://awarewomenartists.com/artiste/friedl-dicker-brandeis/

https://www.jewishmuseum.cz/en/collection-research/collections-funds/visual-arts/children-s-drawings-from-the-terezin-ghetto/

Simon Wiesenthal Center enewsletter@wiesenthal.com

https://revistagalileu.globo.com/Cultura/noticia/2014/05/desenhos-de-criancas-que-viveram-em-campo-de-concentracao-nazista-sao-exibidos-em-sp.html

https://musicaeholocausto.weebly.com/sala-1---a-histoacuteria-de-tereziacuten-e-da-oacutepera-infantil-laquobrundibaacuterraquo.html

“As Meninas do Quarto 28” - Hannelore Brenner (livro)


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