Você
sabia que em 1493 ocorreu em Portugal uma triste deportação de 2000 crianças
judias, com idades de 2 a
10 anos, batizadas à revelia, separadas dos inconsoláveis pais, e colocadas em
um navio juntamente com outros degredados, rumo à Ilha de São Tomé, a ilha dos
ferozes lagartos?
Este
foi o castigo que o rei de Portugal encontrou para punir os judeus provenientes
da Espanha, de lá expulsos em 1492, e em condições ilegais no novo reino.
Para
Portugal na época dos grandes descobrimentos, era mais interessante colonizar novas
terras inabitadas.
Por
outro lado, era preciso povoá-las. Os cristãos novos eram uma solução. Uma outra
maneira econômica era doá-las aos nobres da corte e encarregá-los da dispendiosa
tarefa.
Os
donatários eram encarregados de colonizar seus novos domínios, governar,
explorar os territórios e enviar ao rei uma percentagem dos produtos obtidos
com seu trabalho bem como das riquezas naturais descobertas.
Assim,
as colônias portuguesas foram se desenvolvendo: Madeira, Açores, São Tomé,
Príncipe... Brasil...
São
Tomé, devido às feras que ali habitavam e à insalubridade do terreno,
mostrou-se de difícil povoação.
Esta
ilha foi doada três vezes e somente na última, o donatário, obrigado a lá se
estabelecer, teve algum sucesso e prosperou.
“Que os
resultados alcançados por estes pioneiros foram pouco animadores prova-o o
facto de a capitania
de toda a ilha nos aparecer de novo a ser doada ao fidalgo João Pereira, em 3 de fevereiro
de 1490, o qual viu igualmente frustrados os intentos de atrair e fixar gente
naquela ilha do meio do mundo. Aliás, nem João de Paiva e sua
filha Mécia de Paiva, nem João
Pereira se terão transferido para São Tomé, porquanto o
povoamento e colonização da ilha só arrancou verdadeiramente com a doação da
capitania, em 29 de julho de 1493, ao cavaleiro Álvaro de Caminha, na qual o
rei lhe impõe a obrigação de nela estar e morar "continuadamente".
Com este
capitão terão ido alguns casais de moradores e, segundo Valentim Fernandes, D.
João II mandou muitos degredados e 2.000 crianças judias de ambos os sexos, com menos de oito anos
de idade, baptizadas antes de embarcar, filhas dos judeus castelhanos entrados
em Portugal, em 1492, das quais, em 1506, apenas 600 sobreviviam. E acrescenta
que "o dito capitã os casou
por poucas dellas par dos hom s alvos, muyto mais par as alvas dos negros e as
negras dos hom s alvos". Por aqui se vê que os brancos
(colonizadores, a maior parte dos quais degredados), preferiam unir-se às
negras africanas que às brancas judias. Eis o peso da origem religiosa a ser
mais impeditiva das relações sexuais por parte dos colonizadores que a cor da
pele.”
Ao
encontrar esta matéria no livro de Anita Novinski, e em outras páginas da
Wikipedia, senti o mesmo frêmito que,
aos 8 anos ou 9, então senti, ao
ouvir de minha professora, a triste
história dos navios negreiros e da escravidão.
Aquela
noite, não consegui dormir, aterrorizava-me a idéia de filhos separados de
pais, famílias destruídas; o trabalho que teriam de enfrentar a partir daquela
data era o que menos me preocupava. Mas, como podiam separar mães e pais de
seus filhos?
Como
afastar irmãos? E os bebês? Quem os amamentaria?
Corri
ao quarto de minha mãe, em lágrimas, e somente um bom copo de água com duas
colheres de açúcar, e a promessa que a escravidão não voltaria, que éramos
agora todos livres no Brasil, acalmaram-me, e segurando com firmeza a mão de
minha mãe, finalmente conciliei no sono!
E
agora, adulta, ainda incrédula com esta impiedosa notícia, continuei
pesquisando, e a cada novo texto me vinha a certeza de que realmente a expulsão
daqueles pobres inocentes havia acontecido.
“Para
São Tomé o rei enviava marginais, condenados à morte e judeus do Reino.
Ha-Cohen desabafa dizendo que “naqueles dias não havia ninguém - nem
sequer D´us – que pudesse redimir os desditosos judeus (iehudim umlalim), e
todas as mulheres choravam aos prantos, quando seus filhos lhes eram arrancados
dos braços, enquanto seus maridos, amargados e desesperados, arrancavam suas
barbas à força”.
Mulheres
judias se curvavam diante do rei de Portugal implorando misericórdia. Outras
clamavam: “Permita que zarpemos junto a nossos filhos!”. Porém, o monarca
ignorou as súplicas e sequer olhou para seus semblantes.
Yosef
Ha-Cohen destaca a crueldade dos ibéricos com os deportados. As represálias não
foram tomadas somente contra os judeus lusos, mas contra todos aqueles judeus
hispânicos que não obtiveram um acordo de permanência no país. Estes foram
degredados à ilha. O cronista caracterizou os portugueses com o adjetivo “cães”
(klavim), por embarcarem pela força crianças, provocando desespero entre os
pais. O rei não autorizou a saída dos pais, aumentando a tristeza, a dor e o
sofrimento.
Já em São Tomé, alguns judeus viraram presa fácil dos
lagartos, e a maioria acabou morrendo por falta de água, comida e moradia
segura. Somente um pequeno número conseguiu sobreviver às adversidades do
lugar.”.
Cenas desumanas foram retratadas pelos
cronistas da época:
“Samuel
Usque, como Rabi Yosef Ha-Cohen, retrata as doídas despedidas entre pais e
filhos. Pela força, os portugueses puxavam os filhos dos braços das mães
desconsoladas, enquanto as barbas dos “velhos honrados” eram arrancadas
com violência. Os judeus gritavam de sofrimento ao ver o acontecido. Alguns desterrados
se ajoelhavam diante do monarca, implorando-lhe para zarparem junto a seus
filhos queridos. Uma das mães emocionou o próprio cronista:
“... entre estas mães [h]ouve uma que considerada a horrenda e nova crueza sem mistura de alguma misericórdia a seus clamores; arrebatando seu filho nos braços d´alta nau, [a]dentrou no tempestuoso mar, se lançou e fundiu com sua única criatura abraçada”.
“... entre estas mães [h]ouve uma que considerada a horrenda e nova crueza sem mistura de alguma misericórdia a seus clamores; arrebatando seu filho nos braços d´alta nau, [a]dentrou no tempestuoso mar, se lançou e fundiu com sua única criatura abraçada”.
O
prolixo e premiado escritor português, Rui Manoel Pinto Barbot Costa, conhecido
no mundo literário como Mario Claudio, nascido no Porto em 1941, inspirou-se
neste fato histórico ao escrever o romance Orion.
Retratando
os tempos coloniais, num misto de ficção e realidade, ele conta a história de
sete crianças judias embarcadas naquele navio, Abel, Raquel, Débora, Caim,
Benjamin, Séfora e Jairo.
Assim
como as sete estrelas de Orion, cada criança em sua trajetória naquela ilha
inóspita procura uma luz, algumas com sucesso, outras não, desafiando a
determinação de D.João II de expulsar os
judeus e os cristãos novos de suas terras continentais, expô-los às feras tropicais, e
desta forma acabar definitivamente com o povo hebreu.
nisso,
podes crer, residia o meu anseio, mas apegaste-te às falsas doutrinas da tua
raça, julgarás tu que não percebo que lês às escondidas o livro nefando?, mas é
a vontade de Deus”. (Oríon 37) O criptojudaísmo consiste no que exatamente faz
o narrador-personagem Abel: pratica escondido os costumes de sua religião
antiga, mesmo sendo essa prática reduzida a escrita ou a uma mera leitura usual
da Tora. Para Elias Lipiner, “à imposição violenta da nova religião,
responderam os ex-judeus, ou grande parte deles, com simulação, adotando apenas
as formas externas da crença imposta, mas conservando na intimidade o judaísmo”
(395). Para ele, esses “pseudocrístãos” não aceitaram a crença imposta senão
com profunda reserva mental. Para António José Saraiva , em
contrapartida, lhe parece inteiramente inadequada a expressão “criptojudeus”,
pois para ele judeus e cristão-novos eram “entidades inteiramente existentes e
distintas, embora haja entre elas uma ligação histórica” (Saraiva 24). Reforça
o estudioso português que, em pouco tempo, devido à intensa pressão exercida no
reino, os cristãos-novos deixaram quase por completo sua velha lei. No entanto,
não é isso que vemos na história e mesmo na construção dos personagens judeus
de Mário Cláudio, sejam convertidos ou não, como nos casos de Abel e Barnabé
respectivamente. Suas mentalidades são embasadas nas crenças e nos imaginários
da religião de origem que, intensificados pelos desterros, os tornam eternas
crianças: “[. . .] o meu único encantamento consistia em fixar por horas
perdidas o maravilhoso de estrelas a que chamam Oríon” (Oríon 154). Esse
sintoma pode ser claramente percebido no fato de que Abel, ao herdar o governo
do engenho que antes pertencia ao seu antigo chefe Daniel Vecchio Alves / Exílio e
imaginário │ 205 e um dos descobridores da ilha, João de Santarém , pouco
dedica a vida aos trabalhos diários: Se dantes avaliava a alegria pelo número de fardos de açúcar
produzidos e negociados, calculava agora que só a descoberta do segredo da
figura que na abóbada se estampava me obteria a paz de que tanto carecia...“
FONTES
Texto
do Professor José Manuel Azevedo e Silva “ A importância dos espaços insulares
na construção do mundo atlântico.”
Universidade de Coimbra
A
História dos Judeus – 1º. Volume – Simon Schama ( historiador britânico atualmente trabalhando no 2º.
Volume )
Os
Judeus que Construíram o Brasil – Anita Novinsky
Este texto é uma colaboração de Itanira Heineberg para o grupo Esh Tamid.
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