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segunda-feira, 9 de outubro de 2017

VOCÊ SABIA? - As crianças judias enviadas para a ilha de São Tomé


Você sabia que em 1493 ocorreu em Portugal uma triste deportação de 2000 crianças judias, com idades de 2 a 10 anos, batizadas à revelia, separadas dos inconsoláveis pais, e colocadas em um navio juntamente com outros degredados, rumo à Ilha de São Tomé, a ilha dos ferozes lagartos?



Este foi o castigo que o rei de Portugal encontrou para punir os judeus provenientes da Espanha, de lá expulsos em 1492, e em condições ilegais no novo reino.
Para Portugal na época dos grandes descobrimentos, era mais interessante colonizar novas terras inabitadas.
Por outro lado, era preciso povoá-las. Os cristãos novos eram uma solução. Uma outra maneira econômica era doá-las aos nobres da corte e encarregá-los da dispendiosa tarefa.
Os donatários eram encarregados de colonizar seus novos domínios, governar, explorar os territórios e enviar ao rei uma percentagem dos produtos obtidos com seu trabalho bem como das riquezas naturais descobertas.
Assim, as colônias portuguesas foram se desenvolvendo: Madeira, Açores, São Tomé, Príncipe... Brasil...


São Tomé, devido às feras que ali habitavam e à insalubridade do terreno, mostrou-se de difícil povoação.

Esta ilha foi doada três vezes e somente na última, o donatário, obrigado a lá se estabelecer, teve algum sucesso e prosperou.
“Que os resultados alcançados por estes pioneiros foram pouco animadores prova-o o facto de a capitania de toda a ilha nos aparecer de novo a ser doada ao fidalgo João Pereira, em 3 de fevereiro de 1490, o qual viu igualmente frustrados os intentos de atrair e fixar gente naquela ilha do meio do mundo. Aliás, nem João de Paiva e sua filha Mécia de Paiva, nem João Pereira se terão transferido para São Tomé, porquanto o povoamento e colonização da ilha só arrancou verdadeiramente com a doação da capitania, em 29 de julho de 1493, ao cavaleiro Álvaro de Caminha, na qual o rei lhe impõe a obrigação de nela estar e morar "continuadamente".

Com este capitão terão ido alguns casais de moradores e, segundo Valentim Fernandes, D. João II mandou muitos degredados e 2.000 crianças judias de ambos os sexos, com menos de oito anos de idade, baptizadas antes de embarcar, filhas dos judeus castelhanos entrados em Portugal, em 1492, das quais, em 1506, apenas 600 sobreviviam. E acrescenta que "o dito capitã os casou por poucas dellas par dos hom s alvos, muyto mais par as alvas dos negros e as negras dos hom s alvos". Por aqui se vê que os brancos (colonizadores, a maior parte dos quais degredados), preferiam unir-se às negras africanas que às brancas judias. Eis o peso da origem religiosa a ser mais impeditiva das relações sexuais por parte dos colonizadores que a cor da pele.”

Ao encontrar esta matéria no livro de Anita Novinski, e em outras páginas da Wikipedia, senti o mesmo  frêmito que, aos 8 anos ou 9,  então senti, ao ouvir  de minha professora, a triste história dos navios negreiros e da escravidão.
Aquela noite, não consegui dormir, aterrorizava-me a idéia de filhos separados de pais, famílias destruídas; o trabalho que teriam de enfrentar a partir daquela data era o que menos me preocupava. Mas, como podiam separar mães e pais de seus filhos?
Como afastar irmãos? E os bebês? Quem os amamentaria?
Corri ao quarto de minha mãe, em lágrimas, e somente um bom copo de água com duas colheres de açúcar, e a promessa que a escravidão não voltaria, que éramos agora todos livres no Brasil, acalmaram-me, e segurando com firmeza a mão de minha mãe, finalmente conciliei no sono!

E agora, adulta, ainda incrédula com esta impiedosa notícia, continuei pesquisando, e a cada novo texto me vinha a certeza de que realmente a expulsão daqueles pobres inocentes havia acontecido.

“Para São Tomé o rei enviava marginais, condenados à morte e judeus do Reino. Ha-Cohen desabafa dizendo que “naqueles dias não havia ninguém - nem sequer D´us – que pudesse redimir os desditosos judeus (iehudim umlalim), e todas as mulheres choravam aos prantos, quando seus filhos lhes eram arrancados dos braços, enquanto seus maridos, amargados e desesperados, arrancavam suas barbas à força”.
Mulheres judias se curvavam diante do rei de Portugal implorando misericórdia. Outras clamavam: “Permita que zarpemos junto a nossos filhos!”. Porém, o monarca ignorou as súplicas e sequer olhou para seus semblantes.
Yosef Ha-Cohen destaca a crueldade dos ibéricos com os deportados. As represálias não foram tomadas somente contra os judeus lusos, mas contra todos aqueles judeus hispânicos que não obtiveram um acordo de permanência no país. Estes foram degredados à ilha. O cronista caracterizou os portugueses com o adjetivo “cães” (klavim), por embarcarem pela força crianças, provocando desespero entre os pais. O rei não autorizou a saída dos pais, aumentando a tristeza, a dor e o sofrimento.
Já em São Tomé, alguns judeus viraram presa fácil dos lagartos, e a maioria acabou morrendo por falta de água, comida e moradia segura. Somente um pequeno número conseguiu sobreviver às adversidades do lugar.”.



Cenas desumanas foram retratadas pelos cronistas da época:

“Samuel Usque, como Rabi Yosef Ha-Cohen, retrata as doídas despedidas entre pais e filhos. Pela força, os portugueses puxavam os filhos dos braços das mães desconsoladas, enquanto as barbas dos “velhos honrados” eram arrancadas com violência. Os judeus gritavam de sofrimento ao ver o acontecido. Alguns desterrados se ajoelhavam diante do monarca, implorando-lhe para zarparem junto a seus filhos queridos. Uma das mães emocionou o próprio cronista:
“... entre estas mães [h]ouve uma que considerada a horrenda e nova crueza sem mistura de alguma misericórdia a seus clamores; arrebatando seu filho nos braços d´alta nau, [a]dentrou no tempestuoso mar, se lançou e fundiu com sua única criatura abraçada”.

O prolixo e premiado escritor português, Rui Manoel Pinto Barbot Costa, conhecido no mundo literário como Mario Claudio, nascido no Porto em 1941, inspirou-se neste fato histórico ao escrever o romance Orion.
Retratando os tempos coloniais, num misto de ficção e realidade, ele conta a história de sete crianças judias embarcadas naquele navio, Abel, Raquel, Débora, Caim, Benjamin, Séfora e Jairo.
Assim como as sete estrelas de Orion, cada criança em sua trajetória naquela ilha inóspita procura uma luz, algumas com sucesso, outras não, desafiando a determinação de D.João II de expulsar  os judeus e os cristãos novos de suas terras continentais, expô-los às feras  tropicais, e  desta forma acabar definitivamente com o povo hebreu.



 Em Oríon, a cena inicial do exílio de 1493 merece atenção por sua carga de realismo que desmistifica o seu cenário omisso e celebrativo apresentado nas crônicas oficiais. Primeiramente, expõe-se a mensagem do bispo de Lisboa proferida no evento criado para a partida das crianças: “Ide pois, ide e que a culpa de toda uma raça sirva de exemplo a vossos irmãos . . .” (Cláudio, Oríon 20). Na sequência, descreve-se o evento, que se revela aparentemente alegre e festivo, sendo desconstruído de forma crítica pelo narrador-personagem Abel, uma das crianças judias deportadas que mostra o sofrimento e a opressão suscitados por tal ocorrido, retirando o véu oficioso e a gloriosa memória de cena: Daniel Vecchio Alves / Exílio e imaginário │ 203 Quem poderá descrever aquela Praça da Ribeira no dia nefasto em que ali se reuniam as crianças? Originárias das mais distantes regiões do Reino de Portugal, juntavam-se elas em magotes que os grandes fiscalizavam . . . Era uma manhã de Abril, tão suave que mais parecia um agouro de acontecimentos festivos do que o limiar de um holocausto que se preparasse. E os gritos das judias, descabeladas diante da tragédia do furto dos seus rebentos, apegavam-se aos guinchos das gaivotas na luz da beiraTejo. (15) Durante a comprida viagem limitaram-se as crianças “a roer alguma côdea de pão, a beber água salobra, a repousar os músculos e os ossos num estrado emporcalhado pelo vómito” (Cláudio 15). Já na dita ilha, Abel não enfrentou maiores problemas para se habituar, aprendeu “a designar as árvores, os arbustos e as ervas, [estudar] a sua utilidade e a sua reprodução, [debruçar] para a ilha como quem se dobra para um livro, munido da lente que lhe amplia os caracteres” (46). Abel mostra-se na condição de um exilado maravilhado, amando a ilha como um éden sem limites, mesmo sendo arrebatado dos braços dos pais. Mas é principalmente através do sentimento de desterro formado no crescimento das crianças deportadas que tal ilha servirá de palco de prodígios e lendas várias, alimentando a índole imaginária desses hebreus que sempre imaginavam se aproximar do reino de onde foram retirados ou mesmo da lendária terra prometida que desejavam alcançar: “Não se extirpara a fé desvairada do povo. A cada instante se disseminavam atoardas extraordinárias . . .” (120). Em Oríon, degredados, fugitivos e exilados viviam presos nesse tipo de imaginário. Distanciados da metrópole inquisitorial e conscientes das preferências da coroa na colonização com base nas tarefas missionárias, alguns faziam questão de, na medida do possível, retornar aos seus hábitos e suas crenças religiosas. A existência de criptojudeus em São Tomé, observada veementemente nessa obra literária, pode ser averiguada historicamente pelas proibições da presença de cristãos-novos na ilha, expedidas por D. Manuel e novamente pelo bisneto desse monarca, o Rei D. Sebastião (1554–1578): Com efeito, por alvará de 21 de novembro de 1569, determinou D. Sebastião que “daqui em diante não possa ir à ilha de São Tomé para nela residir, nem viver, pessoa alguma da nação de cristãos-novos, salvo indo à dita ilha ida por vinda”. Prossegue o alvará dizendo: “E assim hei por bem que pessoa alguma da dita nação, não possa na dita ilha servir ofício algum de justiça”. (Lipiner 33) No romance em questão, o criptojudaísmo está claramente exposto através do narrador-personagem Abel, que se responsabiliza pela autoria da narrativa presente no livro. Ele diz que originalmente sua escrita atravessa “as páginas da Tora, com letras apertadinhas umas de encontro às outras”, e acrescenta que se “não conservasse na memória o que lá se diz, não alcançaria ler os versículos sagrados” (Oríon 12). Agradece ele ao franciscano que lhe ensinou as letras na sua infância longe dos pais, relembrando o que o frade insistia em dizer: “cuida de a exercer [a escrita] que nela é que acharás os portões de saída do exílio” (12). 204 │ InterDISCIPLINARY Journal of Portuguese Diaspora Studies Vol. 3.1 (2014) Tais circunstâncias existenciais e históricas fizeram o judeu considerar a escrita e o livro como uma espécie de pátria que podia ser transladada para onde quer que fosse. “Nessa pátria portátil, encontrava os legados da memória ancestral, a razão de ser e, principalmente, de teimosamente continuar a existir num tempo que, muitas vezes, negou-lhe dignidade humana” (Roani 76). A leitura da Tora, bem como a própria escrita, eram para Abel a criação de um espaço de reencontro da integridade do seu mundo, um lugar que complementava o desterro, onde um povo disperso pelos exílios encontrava a cada palavra sua redenção. Diante das proibições religiosas, o oculto exercício de Abel, de escrita e leitura na e da Tora, assume o caráter de um ato socialmente simbólico, admitindo-se, assim, no romance de Mário Cláudio em análise, uma forte presença de criptojudaísmo, posicionando-se o escritor portuense perante as polêmicas teses relacionadas à existência ou não desse aspecto cultural em tal época histórica: Um dia veio ter comigo um freizinho picado das bexigas, com o qual encetara na travessia extensa conversação. [. . .]. Vai o santo, e interpela-me nestes termos, “Eu bem sei, Abel, meu filho, que nunca haverás de te converter em bom cristão, e
nisso, podes crer, residia o meu anseio, mas apegaste-te às falsas doutrinas da tua raça, julgarás tu que não percebo que lês às escondidas o livro nefando?, mas é a vontade de Deus”. (Oríon 37) O criptojudaísmo consiste no que exatamente faz o narrador-personagem Abel: pratica escondido os costumes de sua religião antiga, mesmo sendo essa prática reduzida a escrita ou a uma mera leitura usual da Tora. Para Elias Lipiner, “à imposição violenta da nova religião, responderam os ex-judeus, ou grande parte deles, com simulação, adotando apenas as formas externas da crença imposta, mas conservando na intimidade o judaísmo” (395). Para ele, esses “pseudocrístãos” não aceitaram a crença imposta senão com profunda reserva mental. Para António José Saraiva, em contrapartida, lhe parece inteiramente inadequada a expressão “criptojudeus”, pois para ele judeus e cristão-novos eram “entidades inteiramente existentes e distintas, embora haja entre elas uma ligação histórica” (Saraiva 24). Reforça o estudioso português que, em pouco tempo, devido à intensa pressão exercida no reino, os cristãos-novos deixaram quase por completo sua velha lei. No entanto, não é isso que vemos na história e mesmo na construção dos personagens judeus de Mário Cláudio, sejam convertidos ou não, como nos casos de Abel e Barnabé respectivamente. Suas mentalidades são embasadas nas crenças e nos imaginários da religião de origem que, intensificados pelos desterros, os tornam eternas crianças: “[. . .] o meu único encantamento consistia em fixar por horas perdidas o maravilhoso de estrelas a que chamam Oríon” (Oríon 154). Esse sintoma pode ser claramente percebido no fato de que Abel, ao herdar o governo do engenho que antes pertencia ao seu antigo chefe Daniel Vecchio Alves / Exílio e imaginário │ 205 e um dos descobridores da ilha, João de Santarém, pouco dedica a vida aos trabalhos diários: Se dantes avaliava a alegria pelo número de fardos de açúcar produzidos e negociados, calculava agora que só a descoberta do segredo da figura que na abóbada se estampava me obteria a paz de que tanto carecia...“

FONTES

Texto do Professor José Manuel Azevedo e Silva “ A importância dos espaços insulares na construção do mundo atlântico.”  Universidade de Coimbra

A História dos Judeus – 1º. Volume – Simon Schama ( historiador  britânico atualmente trabalhando no 2º. Volume )

Os Judeus que Construíram o Brasil – Anita Novinsky



Este texto é uma colaboração de Itanira Heineberg para o grupo Esh Tamid. 

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