DE REPENTE, APÓS 7 DÉCADAS, UM SURPREENDENTE HOLOCAUSTO RESSURGIU NA
AMÉRICA.
“Tememos um pogrom, tememos deportações”, escreveu Renia Spiegel
na primavera de 1942. “Ó Deus Todo-Poderoso! Ajude-nos! Cuide de nós, dê-nos sua bênção” - assim Renia
suplicou ao Criador em seu diário.
Você sabia que depois de várias décadas adormecido, abandonado e
sem ser reconhecido, o diário de uma jovem judia polonesa assassinada pelos
nazistas em 1942 finalmente chegou às mãos de sua irmã em Nova York, em 1969?
Renia Spiegel nasceu em 1924 e cresceu na casa de seu pai perto da
fronteira da Polônia com a Romênia. Sua mãe morava em Varsóvia para desenvolver
a carreira musical da irmã mais jovem, Ariana, a “Shirley Temple” polonesa.
Renia com a mãe Róza e a irmã caçula Ariana.
Durante este tempo as meninas moravam com os avós na calma
cidadezinha de Przemysl, na fronteira ao longo do rio San.
Aos 15 anos de idade, Renia iniciou seu diário num ímpeto de
desabafo:
“Why
did I decide to start a diary today? Has something important happened? Have I
discovered that my friends are keeping diaries of their own?”
“Por que decidi iniciar um diário hoje? Aconteceu
alguma coisa importante? Descobri que meus amigos estão escrevendo seus
próprios diários?”
Assim Spiegel inicia seu texto (em tradução para Smithsonian por
Anna Blasiak e Marta Dziurosz).
“No! I just want a friend. Somebody I can
talk to about my everyday worries and joys. Somebody who will feel what I feel,
believe what I say and never reveal my secrets.”
“Não! Eu
só preciso de um amigo. Alguém com quem possa falar sobre minhas preocupações e
alegrias diárias. Alguém que sentirá o que eu sinto, acreditará em mim e nunca
revelará meus segredos.”
Como toda adolescente preocupada com as mudanças em seu corpo e em
seus pensamentos infantis, Renia dedica-se com afinco às suas narrativas plenas
de introspecção e análise do novo mundo que a envolve.
Sua melhor amiga, Nora, também é receptáculo de suas ideias,
críticas e decisões.
Assim surgem suas descrições pessoais sobre colegas, professores, férias
visitando a mãe em Varsóvia e muitas, muitas saudades da mãe adorada.
Sua obsessão pela mãe é algo incontestável.
Seu texto é intercalado com ilustrações e poesias próprias:
Aos poucos a violência se aproxima, o medo surge, a instabilidade
a aflige, o tratado da Rússia com a Alemanha deixa toda a população local em
alerta e todos começam a estocar alimentos.
Vem a tristeza e a humilhação da estrela de David obrigatória, a
mudança e reclusão no gueto, o medo constante por tudo e por todos, a separação
dos membros da família, a ausência de paz.
Relata com orgulho seu trabalho de servir chá aos soldados
poloneses e de lutar com o resto da Polônia pela vitória de seu país.
Em 1º. de setembro de 1940, Renia conheceu Zygmunt Schwarzer e aos
poucos o romance começou. Viveu então momentos de grande alegria, paixão e
muito amor. Muita poesia também. E êxtase!
“Esta é a melhor história nunca contada",
disse o cineasta Tomasz Magierski após a descoberta e leitura do diário em
apenas três dias (700 páginas em 6 cadernos costurados).
O diário já foi publicado na Polônia e
brevemente será publicado em inglês, porém o mistério persiste: o nome de Renia
ainda não foi encontrado em qualquer das listas de vítimas do Holocausto, tanto
na Polônia como em Israel.
Magierski já voltou várias vezes a
Przemsyl a fim de pesquisar sobre os últimos dias da jovem tentando encontrar
mais detalhes relevantes sobre o seu fim.
“Durante a segunda quinzena de julho, Renia
testemunhou o início das deportações em massa para o campo de extermínio
nazista Belzec, onde até 600.000 judeus foram assassinados em câmaras de gás.
Para evitar a captura, deixou o gueto para a parte ariana da cidade. Junto com
os pais de Schwarzer, ela se viu escondida no sótão de um prédio ligado ao tio
de Schwarzer, um membro do Conselho Judaico.
Alguns dias depois, em 30 de julho, ela foi
capturada junto com os pais de Schwarzer. Eles foram mortos em frente ao prédio
ou ao cemitério judeu, conforme narrativas variadas.
“Três
tiros! Três vidas perdidas! Aconteceu ontem à noite às 10:30 da noite. O
destino decidiu tirar meus entes queridos de mim”, escreveu Schwarzer. Ele não
escreveu essas palavras em seu próprio diário, mas no diário de páginas
amarelas de Renia, que lhe havia sido confiado alguns dias antes.
“Minha
vida acabou”, escreveu Schwarzer. “Tudo que eu posso ouvir são tiros, tiros. .
.shots! Minha querida Renia, o último capítulo do seu diário está completo.”
Assistamos agora ao início do diário no filme de Magierski:
FILME - UPDATE
22 by Tomasz Magierski
First
entry in Renia's diary on Jan 1939 spoken by Ola Bernatek in my film.
Zygmunt sobreviveu a vários
campos nazistas.
Róza, mãe de Renia, e sua irmã
Ariana também. Ficaram escondidas em casa de uma família cristã. Após a guerra,
ambas foram para a América.
Nos anos 1950, Zygmunt
encontrou-as e deu-lhes o diário.
As duas mulheres, em choque, não
tiveram forças para lê-lo e mais uma vez o diário foi olvidado.
Após a morte de Róza, Alexandra
Bellak, filha de Ariana, decidiu então que algo devia ser feito; consultou a
mãe e, com seu consentimento, encontrou um tradutor que o reescreveu em inglês.
Ariana e o diário (em polonês)
de sua irmã.
Após a leitura emocionante com
relatos do dia a dia dos judeus aprisionados no gueto, suas necessidades e
sofrimentos, Alexandra convenceu sua mãe a procurar o cineasta já mencionado
acima. E assim, este texto vibrante e pungente da adolescente Renia veio à tona e ao conhecimento do mundo.
JUDEUS REUNIDOS PARA TRABALHOS FORÇADOS EM PRZEMYSL, POLÔNIA,
OUTUBRO DE 1939 (DOMÍNIO PÚBLICO)
Em 15 de julho de 1942, Renia escreveu:
“Remember this day; remember it well,”
“You will tell
generations to come. Since 8 o’clock today we have been shut away in the
ghetto. I live here now. The world is separated from me and I’m separated from
the world.” Leaving the ghetto without a pass, she writes, is “punishable by
death”.
“Lembrem-se
deste dia; lembrem-se bem,
Vocês
contarão às próximas gerações.
Desde as 8
horas da manhã estamos trancados no gueto. Agora eu vivo aqui. O mundo está
separado de mim e eu estou separada do mundo. Sair do gueto sem uma permissão
por escrito é sentença de morte.”
Renia Spiegel in 1939, in
Skole, Ukraine (then Poland). Photograph: Bellak Family Archive
|
Página do diário de Renia Spiegel. Photograph: Bellak Family Archives |
“Inside, there are only our people, close
ones, dear ones. Outside, there are strangers. My soul is so very sad. My heart
is seized with terror,” “Israel, save
us, help us. You’ve kept me safe from bullets and bombs, from grenades. Help me
survive! And you, my dear mamma, pray for us today, pray hard. Think about us
and may your thoughts be blessed. Mamma! My dearest, one and only, such
terrible times are coming. I love you with all my heart. I love you; we will be
together again.”
“Aqui dentro
só tem o nosso povo, pessoas conhecidas
e queridas. Lá fora estão os estranhos, desconhecidos. Minha alma está tão
triste. Meu coração está tomado de terror. Israel, salva-nos, ajuda-nos. Você
tem nos mantido a salvo dos tiros e bombas, das granadas.
Ajuda-me a
sobreviver! E tu, minha querida mamãe, reza hoje por nós, reza de verdade.
Pensa em nós e que teus pensamentos sejam abençoados! Minha querida, uma e
única mamãe, terríveis tempos estão vindo. Eu te amo com todo meu coração. Eu
te amo: nós nos reuniremos outra
vez .”
FONTES:
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