Por Bruno Szlak
Haesder
Este filme de 2000 é a estreia do roteirista e diretor
Joseph Cedar. Embora nascido em Nova York, ele cresceu em uma comunidade
ortodoxa de religiosos nacionalistas em Israel desde os seis anos de idade. Um
ex-paraquedista de infantaria com background de Ieshiva, Cedar retornou
brevemente a Nova York para estudar cinema na NYU's Tisch School of Arts. Em
relação à sua decisão de fazer carreira na indústria cinematográfica
israelense, em vez de Hollywood, Cedar disse ao The Jerusalem Post: “Tenho um
filme americano na cabeça, mas não é a hora certa. [Para trabalhar na América],
eu teria que abrir mão do controle sobre meus filmes que eu tenho em Israel”.
As experiências de vida de Cedar, incluindo viver em um assentamento por mais
de um ano enquanto escrevia este filme, dão a ele uma perspectiva altamente
relevante sobre as questões que ele levanta, como a ideia de “pertencer” a uma
comunidade e o conflito entre o indivíduo e o grande esquema de uma missão
ideológica.
Embora o filme seja de 2000, o que hoje vem ocorrendo em
Israel, com a ascensão ao governo dos grupos nacionalistas religiosos, nas
figuras de Ben Gvir e Smotrich nos dá a dimensão do que é retratado no filme já
naquele então e permite que pensemos em sua atualidade.
O filme se passa em uma yeshiva em um assentamento da
Cisjordânia, onde um triângulo amoroso envolvendo a filha do rabino ameaça
empurrar um dos pretendentes para uma ação violenta em relação ao Monte do
Templo, onde estão as mesquitas de Al Aqsa e o Domo da Rocha. Através de uma
trama que narra a formação de um terrorista judeu, este filme investiga
questões de lealdade, a tensão entre o poder político e o pessoal e o valor de
um indivíduo. Com esses temas, o filme explora a linha entre a devoção e
fanatismo e o que poderia levar alguém a atravessá-lo, e o preço que um
indivíduo deve pagar por causa de um grupo maior dentro do grande esquema de
uma missão ideológica.
Em uma yeshiva em um assentamento na Cisjordânia, as
tentativas do rabino Meltzer de bancar o casamenteiro tiveram resultados
desastrosos. Ele deseja que seu pupilo Pini se case com sua filha contestadora
e de pensamento independente, Michal. No entanto, Michal está ligada ao belo
Menachem, que comanda uma unidade do exército israelense composta inteiramente
por religiosos nacionalistas, alunos de Meltzer. Quando Pini percebe que saiu
do lado perdedor do triângulo amoroso, ele decide perpetrar uma ação drástica e
violenta. Ele coopta Itamar, outro pupilo do rabino Meltzer e soldado da
unidade de Menachem, em uma trama para explodir o Monte do Templo. O Rabino
Meltzer já está sob escrutínio do Mossad (agência de inteligência israelense)
devido aos seus ensinamentos radicais que defendem a recuperação do Monte do
Templo. Mas, quando questionado, ele insiste que seus alunos entendem aquilo
que ele diz apenas no plano das ideias e não da concretude. Apesar da
intervenção do Mossad e do militar, parece que, em última análise, apenas
Menachem e Michal podem ser capazes de impedir a terrível trama de seu amigo.
HaHesder
O cenário para uma boa parte deste filme é um yeshiva
hesder, daí o nome do filme em hebraico (em inglês o filme recebeu o nome de
Time of Favor). Em hebraico, hesder significa “arranjo”. Homens israelenses são
geralmente obrigados a servir três anos no exército, mas os homens
ultraortodoxos que estudam na yeshiva são normalmente isentos do serviço
militar. Matricular-se em um yeshiva hesder é um arranjo que permite que homens
religiosos desempenhem seus deveres do serviço militar e estudo religioso
simultaneamente. No programa hesder, os homens são oficialmente soldados nas forças
de defesa de Israel por cinco anos.
Haesder foi um fenômeno de bilheteria israelense que ganhou
cinco prêmios de a Academia de Cinema de Israel em 2000. Embora o filme seja
fictício, há um número surpreendentemente inesperado de cruzamentos entre as pessoas e colocações do
filme e fatos históricos. As pesquisas para o filme ainda estavam em andamento
quando, em 5 de novembro de 1995, o primeiro-ministro Yizhak Rabin foi
assassinado durante uma manifestação pela paz em apoio aos Acordos de Oslo. O
assassino, Yigal Amir, discordava veementemente dos Acordos de Oslo, que exigia
a retirada israelense de partes da Faixa de Gaza e Cisjordânia e afirmou o
direito palestino de autogoverno nessas áreas. Embora ele vá passar o resto da
sua vida na prisão, Yigal Amir acredita até hoje que seu assassinato de Rabin
foi justificado de acordo com sua interpretação da lei judaica. Amir afirma ter
colocado em prática din rodef (“lei do perseguidor”), um conceito talmúdico
que, em uma leitura controversa, sanciona o assassinato de um judeu para
impedi-lo de entregar a terra judaica para não-judeus e que foi muito usado por
rabinos do movimento estimulando o assassinato de Rabin. Amir, um radical de
direita, estudou por cinco anos na Yeshivat Kerem B'Yavneh, a primeira yeshiva
hesder. Em 28 de setembro de 2000, Ariel Sharon visitou o complexo Al Aqsa no
Monte do Templo. Embora ele não tenha entrado em qualquer mesquita muçulmana,
atiradores de pedras palestinos atacaram a polícia israelense assim que ele
saiu. Fontes palestinas citam repetidamente esta ocasião como o estopim da Segunda Intifada, uma campanha
mortal do terrorismo palestino (embora se saiba que a liderança palestina
estava planejando estrategicamente esta Intifada desde a retirada das
negociações de paz de Camp David). O fato de que este evento poderia ser
considerado para justificar a morte de centenas de civis israelenses demonstra
que a visão do Rabino Meltzer de orar no Monte do Templo é um ideal que, se
praticamente tentado, provavelmente teria consequências terríveis e sangrentas.
Em outra peculiaridade histórica, o rabino radical Meltzer, que clama por uma
tomada judaica do Monte do Templo é interpretado pelo ator e diretor israelense
Assi Dayan. O próprio pai deste ator, General Moshe Dayan, era na verdade um
herói da Guerra dos Seis Dias de 1967, na qual os israelenses finalmente
ganharam o controle de toda Jerusalém. Ironicamente, seguindo este importante
reunificação, foi o próprio General Dayan quem deu o controle administrativo do
Monte do Templo ao Conselho Muçulmano e ordenou que as bandeiras israelenses
fossem removidas do Domo da Rocha. Como um kibbutznik secular e pragmático, Moshe
Dayan acreditava que o Monte do Templo era mais importante para o judaísmo
historicamente do que como um local sagrado. Quando ele viu rabinos reunidos no
Monte do Templo imediatamente após Israel assumir a jurisdição, ele teria dito:
“O que é isto? O Vaticano?"
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