Por Ana Ruth Kleinberger
“Nunca
diga que você está traçando sua trilha final/Mesmo que os céus plúmbeos
obstruam os dias de céu azul” cantavam os combatentes do gueto. “A hora que
estamos esperando ainda virá/Nossos passos irão ecoar – estamos aqui”.
Você sabia
que em abril de 2023 comemoramos 80 anos de uma luta inglória travada pelos
judeus do gueto de Varsóvia contra seus carcereiros nazistas?
A energia
e a intensidade demonstradas pelos 700 jovens e mal armados lutadores judeus
refletiu a compreensão de que a batalha pelo gueto não era uma das que iriam
vencer.
Ben Cohen,
jornalista baseado em Nova York e colaborador do JNS em assuntos judaicos, emocionou-se
ao ler “Lutas no Gueto” de Marek Edelman, líder do Bund, partido socialista
judeu pré-guerra e que participou do levante contra os inimigos nazistas.
Edelman descreveu o fim da batalha iniciada em 19 de abril quando os alemães,
muito bem armados, decidiram acabar com o gueto munidos de veículos blindados,
tanques e artilharia pesada colocada ao redor das paredes do gueto. E em seu
artigo de reconhecimento pela luta dos habitantes do gueto, Ben Cohen homenageia
os heróis desprovidos do mínimo dos mínimos para enfrentar os soldados nazistas,
relatando a história que mais o impressionou.
Ele
a leu pela primeira vez anos atrás e reviu a cena desesperadora dos habitantes
do gueto cercados pelas tropas armadas dos alemães.
“Mas
os combatentes da resistência judaica tinham antecipado sua chegada; no combate
que se seguiu, os alemães foram emboscados no cruzamento das ruas Miła
e Zamenhof, com sua tentativa de uma retirada segura fatalmente exposta às
armas dos combatentes da ZOB e da ZZW, duas organizações militares judaicas no
gueto. Edelman escreveu: “nem um único alemão saiu vivo dali”.
Ao
mesmo tempo, mais unidades alemãs foram paradas nas ruas Nalewki e Gęsia.
“O sangue alemão inundou a rua”, lembrou Edelman. “As ambulâncias alemãs
transportavam continuamente seus feridos para a pequena praça próxima aos
prédios da Comunidade. Ali os feridos jaziam em filas na calçada esperando sua
vez de darem entrada no hospital”. Pelas duas da madrugada do mesmo dia, os
combatentes judeus perceberam que tinham vencido uma batalha chave contra seus
invasores.
Os
alemães voltaram para os muros do gueto depois de 24 horas e novamente foram
recebidos com saraivadas de balas e ataques mortíferos utilizando o que
atualmente chamamos de Dispositivos Explosivos Improvisados (DEI). Foi nesse
ponto que os três oficiais alemães descritos por Edelman vieram implorar um
cessar fogo de forma a recolher seus mortos e feridos.
Naquele
preciso momento, o papel do Judeu e do Alemão, o “Untermensch” “Homen Inferior”
e o “Ariano” cimentados na década anterior pelo crescente poder do Terceiro
Reich – foi completamente invertido.
Cada bala disparada contra os alemães
foi uma resposta ao grotesco slogan gravado nos portões de Auschwitz “Arbeit
macht frei” (O trabalho liberta). E cada Alemão que caiu tentando salvar seu
companheiro ferido foi um sinal de que a humanidade dos Judeus não tinha sido
extinguida – que eles eram agentes reais, tomando decisões verdadeiras,
inclusive a decisão de negar ao inimigo qualquer forma de misericórdia ou
consideração durante o calor da batalha.
Varsóvia,
Polônia, 1943, tropas do Comandante das SS, General Jurgen Stroop ao lado de
edifícios em chamas durante a supressão do Levante do Gueto (Créditos: Yad
Vashem)
A energia e a intensidade demonstradas
pelos 700 jovens combatentes mal armados refletiu o entendimento, no fundo de
seus corações, que a batalha pelo gueto não era uma batalha que eles venceriam.
“Nós sabíamos que não poderíamos vencer” escreveu Mira Fuchrer, de 21 anos, uma
das mulheres combatentes que veio das fileiras do Hashomer Hatzair. “Nós
lutamos de modo a morrer com dignidade”.
Para
o namorado de Mira Fuchrer, o jovem combatente de 22 anos do ZOB, Mordechai
Anielewicz, apenas o fato de existir o Levante foi um estímulo para os judeus
europeus em sua hora mais negra e, portanto, em si, já constituía uma vitória”.
“O sonho da minha vida, tornou-se realidade” disse ele durante a luta. “A autodefesa
no gueto será uma realidade. A resistência judaica armada e a vingança são
fatos! Eu fui testemunha da magnífica e heroica luta dos combatentes judeus”.
Assim como outros aspectos do
Holocausto e da II Grande Guerra, os detalhes do Levante do Gueto de Varsóvia
se tornaram mais ricos e complicados com as pesquisas realizadas ao longo dos
anos. Graças ao trabalho minucioso de
Moshe Arens, um ex-ministro da Knesset, agora sabemos que não havia apenas um,
como foi presumido por várias décadas, mas dois grupos militares no gueto.
Como a ZOB (Organização de Luta Judaica), que tinha entre seus apoiadores o Bund não sionista e sionistas de esquerda como os membros do Dror e Hashomer Hatzair, havia a ZZW (União Militar Judaica) comandada por Pawel Frank e com raízes no Movimento sionista revisionista Betar de Vladimir Jabotinski.
Mas como o imperativo de vencer os
alemães era predominante, então o ZOB, ZZB, o pessoal do Betar e do Bund,
forjaram uma aliança estratégica. O ZOB distribuiu seus combatentes em
diferentes pontos do gueto, ao passo que o ZZB concentrou suas forças na praça
Muranowski, alçando uma bandeira sionista azul e branca ao lado da bandeira
polonesa em sua sede, enquanto lutavam contra o avanço alemão.
O combate feroz durou quase um mês
antes que os alemães fossem capazes de declarar sua vitória. “O antigo quarteirão
judeu não existe mais” anunciou o comandante das SS Jurgen Stroop em 16 de maio
de 1943, num telegrama a seus superiores em Berlim.
Naquela ocasião o gueto foi arrasado e
a maioria dos combatentes sobreviventes cometeu suicídio ao invés de enfrentar
a captura e a humilhação nas mãos nazistas. Os 42.000 judeus que ainda
permaneciam no gueto dois anos depois dos alemães terem iniciado a deportação
em massa da comunidade, foram transportados para o campo de concentração de
Majdanek ou para os campos de trabalhos forçados de Poniatow e Trawniki. A
maioria deles foi assassinada nestes locais durante uma operação de fuzilamento
em massa em novembro de 1943.
Krystyna
Budnicka (91) é uma das raras sobreviventes da revolta |
Oitenta
anos depois, seus descendentes lutam com o ressurgimento do antissemitismo
(embora em circunstâncias muito mais favoráveis - a existência de um estado
judeu, plenos direitos civis e políticos na maioria dos países onde vivem os
judeus). Não deveríamos desejar apenas que sua memória permaneça uma benção,
mas que nos fortaleça também.”
Fontes:
Texto escrito por Ben Cohen, jornalista baseado em Nova York e autor que
escreva uma coluna semanal sobre assuntos judaicos e internacionais no JNS.
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