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quarta-feira, 13 de setembro de 2023

Cinema - Por Bruno Szlak: HaUshpizim (os visitantes)

 


HaUshpizim (os visitantes)

Por Bruno Szlak


Em Israel, no final da década de 1980, um novo cenário social se desenvolve decorrente do esgotamento do modelo do Sionismo Trabalhista acompanhado por muitas mudanças no cenário global: a derrocada do bloco soviético, a queda do muro de Berlim, entre outros - representados pelo que se costumou chamar de globalização e em conjunto com a rápida expansão das mídias e das tecnologias da informação, processo que se acelerou nas décadas de 1980 e 1990. Nesse cenário, a filmografia israelense encontra o espaço para criar diferentes visões e construções de imagens de grupos até então colocados na periferia e que com a mudança do panorama sócio-político, isto é, com o esgotamento do partido trabalhista e a ruptura do consenso nacional em várias dimensões, começam a ter importante expressão.

A partir do final da década de 1990, início dos anos 2000, começam a aparecer filmes que se engajam mais seriamente com o judaísmo como religião. Certamente, no princípio, sob uma perspectiva política, senão crítica. O cinema precede à televisão na temática.

Aproveitando esta época do ano, das Grandes Festas, incluindo aí a festa de Sucot (cabanas), trago hoje um filme chamado HaUshpizin de Gidi Dar, lançado em 2004. Ele é um filme completamente diferente dos filmes que de alguma maneira apontam os conflitos entre o universo religioso nacionalista por um lado, e a sociedade laica e o Estado de Israel por outro, tema que está fortemente na pauta atual.  É um filme que trata do valor intrínseco do judaísmo como forma de vida. O filme transcorre em Jerusalém, numa comunidade ortodoxa hassídica, e conta a história de um casal pobre (Moshe e Mali Bellanga) que não tem filhos. A história acontece durante a festividade de Sucot e inspirada na tradição dos contos hassídicos, a trama coloca o casal frente a inúmeros testes de fé. Apenas após passar por esses testes, é que o casal é “abençoado” com a gravidez de Mali. O nome do filme vem também de uma tradição que diz que em cada um dos 8 dias da festa de Sucot, há um patriarca diferente que visita a Sucá.

É importante observar que o ator que faz o papel de Moshe (Shuli Rand) e a atriz que faz o papel de Mali (Michal Bat-Sheva Rand) são eles mesmos judeus ortodoxos, mais precisamente Chozrim betshuvá. Eles formam um casal na vida real, dado importante, já que se não estivessem casados, não poderiam, enquanto judeus religiosos ortodoxos, atuar como um casal na tela do cinema.

Os elementos da narrativa hassídica em conjunto com os aspectos de um romance moderno criam uma imagem mais positiva da comunidade ortodoxa, comunidade que desperta reações negativas para boa parte dos israelenses. Os elementos hassídicos foram desenhados para expressar a totalidade de uma fé religiosa genuína, enquanto que o amor do casal ressoa para os espectadores seculares. De fato, HaUshpizin é também uma comédia romântica onde os milagres têm um importante papel dramático e acompanham a charmosa ingenuidade romântica do casal.

Fica claro que HaUshpizin conta a história de uma comunidade que é muito diferente do resto da sociedade israelense e, ainda assim, o filme não pede para que os espectadores acolham a comunidade ortodoxa dentro da comunidade maior. Seu único apelo é de que os ortodoxos sejam reconhecidos como uma comunidade separada da comunidade nacional, mas legítima. Ainda que o filme permaneça com os olhos voltados para um grupo específico, no sentido de que mostra um grupo único, ele pede que os ortodoxos como um todo sejam representados igualmente como parte integrante da sociedade israelense. 

HaUshpizin consegue, ao contrário de outros filmes israelenses anteriores, representar a comunidade ortodoxa através de um olhar que que não é desagradável, pelo menos para o público laico. HaUshpizin consegue mostrar a experiência dessa comunidade estranha e apartada de maneira graciosa e cômica. Em outras palavras, um filme que não tem a pretensão de apresentar a experiência de vida desse outro salientando o seu exotismo, ainda que muitos dos rituais mostrados no filme possam ser vistos como exóticos pela população secular. Vale acrescentar que seus diretores e atores (o casal Rand) exigiram, que mesmo em cinemas regulares, o filme não fosse exibido no Shabat.

Assim, o filme consegue mostrar uma pequena e isolada comunidade hassídica como uma comunidade genuína que desperta empatia entre os espectadores, e seus membros como pessoas reais e “normais”. Fica claro que ao mostrar todas as personagens religiosas como boas, profundas, humildes e puras o filme exagera. Entretanto, tendo a história de amor como motor da trama associado ao modo de vida da pequena comunidade o filme se coloca em forte contraste com a caricaturização anteriormente mostrada em filmes como Kuni Lemel ou Salach Shabati. Mesmo em filmes mais dramáticos, como Kadosh, a representação sempre seguia o padrão ideológico essencialmente de esquerda e antirreligioso.

Como já expressado anteriormente, o conflito entre a sociedade secular e a parcela ortodoxa da população israelense está na pauta do dia. O cinema através de suas expressões mais diversas tem o poder de suscitar não apenas a reflexão sobre estes temas, mas também colocar pontos de vista diversos e que colaboram para uma maior aceitação entre os diferentes.


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