Por Juliana Rehfeld
Começamos esta semana com a sempre impactante lembrança das vítimas do Holocausto, na data afinal festiva em que ocorreu a libertação do campo de concentração de Auschwitz. A libertação, redondos 80 anos atrás, começou a fazer o mundo se dar conta da inimaginável tragédia que acontecia sob o silêncio de não tão poucos assim: até hoje continuamos descobrindo detalhes e facetas de histórias sobre este período que trazem a complexidade do ser humano. Este ser que é capaz de surpreendentes atos de sacrifício e generosidade mas também de crueldade e ódio inadmissíveis… Autoridades locais ou continentais, vizinhos, movimentos de voluntários, concidadãos das populações judaicas da Europa, foram todos capazes de delatar ou proteger, silenciar ou denunciar, violentar ou acolher, ignorar ou interceder, conviver. Lembrarmos com profunda emoção e dor das vítimas também nos faz lembrar com firmeza e sonoros protestos do abominável comportamento humano que se quer, a cada grito, evitar que se repita. Gritamos para que não sejam esquecidos fatos que queremos extintos, impossíveis no futuro, e gritamos para que aqueles que não conviveram, não leram ou não ouviram aqueles gritos dos guetos e campos, possam ouvir o nosso grito dolorido e preventivo. E neste atual, anual, grito por seis milhões de judeus incluímos as demais vítimas da barbárie, todos os que sucumbiram aos regimes ditatoriais, supremacistas, desumanos apesar de humanos da época, e gritamos também sobre os atuais regimes que reproduzem leis e atitudes similares.
A principal ideia por trás do grito é informar para impedir que ocorra novamente. Informar o que e quem, explicar o como é a partir de que é essencial para que se possa nos dias de hoje “cortar o próximo mal pela raiz”, interromper a evolução de mentiras, desinformação, preconceitos e decisões equivocadas, para que nunca se tornem discriminações injustas ou perseguições.
Em tempos de guerra real, como a de Israel contra o Hamas, Hezbollah, Irã, terroristas do Iêmen…., cresce mais ainda a desinformação que leva diariamente a erros de julgamento e posicionamento mal intencionado, manipulador… o preconceito se realimenta e rearma para continuamente deseducar…
Continuamos esta semana com boas notícias de volta de reféns, mas com a certeza de que em breve serão devolvidos apenas cadáveres. É uma profunda dor que, provavelmente, poderia ter sido antecipada mas reduzida… e continua a preocupação sobre os próximos passos necessários a caminho, de volta, para o sonho de paz. Vi hoje a imagem de uma bandeira que foi carregada em várias manifestações dos muitos meses: uma mistura da bandeira de Israel com a da Palestina, uma esperança de coexistência pacífica que parece tão distante mas é ainda tão desejada!
Na parashá que lemos esta semana - Bo, vá - Deus diz a Moisés que vá ao faraó para demandar novamente a libertação dos israelitas pois Ele “endureceu o coração do faraó, e de seus cortesãos para que Ele possa então mostrar seus poderes através das últimas pragas. Os israelitas estão próximos à saída do Egito e da escravidão, Moisés poderia lhes falar sobre esta liberdade a ser adquirida, ou poderia prepará-los para as dificuldades que terão de enfrentar a caminho da Terra Prometida; ele poderia discursar sobre a terra em si, sobre o tipo de sociedade que deverão construir e ainda sobre as responsabilidades que vêm com esta iminente liberdade. Mas seu discurso é outro: ele fala sobre educação, os deveres dos pais para com seus filhos, ele fala sobre as perguntas que as crianças farão aos pais quando todas estas pragas, fuga, construção e dificuldades estiverem no passado distante e então, diz que o importante é contar a história. Contem e recontem esta história a seus filhos e aos filhos de seus filhos, e fale como Deus os libertou e o que fez por eles. Numa interpretação menos literal, como a que escolho, contemos e recontemos a história que vivemos para esclarecer e para reviver a força que temos. Contemos o holocausto e o que permitiu que acontecesse, contemos o que foi construído depois e como defendemos não só a terra mas os valores que valem na terra…
Continuemos a sonhar e lutar por esse sonho. Por mais difícil e dolorido que seja…para que possamos garantir, ou tentar garantir, que as futuras gerações tenham um mundo melhor e continuem sonhando.
Shabat Shalom