Shaar Shalom,
na Jamaica: uma das poucas sinagogas caribenhas com um chão que abafa o som de
passos.
Você sabia
que, com a maldade e injustiça da Inquisição no final do século XV, todos os
judeus que puderam fugir da península ibérica levaram consigo sua religião, seus
livros, torás e objetos sagrados e construíram suas próprias sinagogas em
vários recantos do mundo?
Os judeus jamaicanos
hoje constituem uma pequena, mas vibrante comunidade religiosa estabelecida atualmente
na capital de Kingston.
“Enquanto o núcleo da comunidade traça sua
ascendência à Península Ibérica e ao êxodo judaico que começou no final do
século XV, os judeus jamaicanos hoje vêm da Polônia, França, Itália, África,
Israel, Turquia e muitos outros lugares. Eles têm suas próprias receitas
exclusivas para os pratos tradicionais jamaicanos mais amados - incluindo ackee
e peixe salgado, bammy frito (um pão achatado de mandioca), fruta-pão, e outras
guloseimas típicas - e sua principal sinagoga é uma de apenas um punhado no
mundo com um piso de areia.
Enquanto
cerca de 22.000 judeus viviam na ilha, a população judaica hoje é de apenas
cerca de 450 pessoas.”
As origens
destes judeus divergem: de Portugal, onde foram traídos pelo rei D. Manuel I da
Espanha, já fugindo nas naus de Cristóvão Colombo; das colônias portuguesas de Hamburgo,
Londres, Livorno; de Amsterdã para o nordeste do Brasil, especificamente Pernambuco,
onde viveram em paz durante o governo de Maurício de Nassau, um nobre holandês
que dirigiu a colônia lá estabelecida pela Companhia das índias Ocidentais até
serem expulsos pelos portugueses em 1654.
Em 1655 os
britânicos colonizaram a Jamaica e uma nova onda de imigrantes judeus para lá
se dirigiu.
“Sob os
britânicos, tornou-se legal praticar o judaísmo, o que por sua vez levou ao
estabelecimento da primeira sinagoga da ilha em Port Royal, um movimentado
centro comercial conhecido como base de piratas. Pouco se sabe sobre esta
sinagoga, que foi destruída junto com grande parte da cidade em um terremoto e
tsunami em 1692.”
Lápide de
cemitério com letras judaicas e o símbolo dos piratas - caveira com dois ossos. |
Muitos judeus
foram expulsos de suas propriedades praticamente com a roupa do corpo, viajando
fugitivos nos navios pelo Oceano Atlântico. Sem posses, sem documentos, bastardos
e sem pátria, ficaram conhecidos como vagabundos, muitos unindo-se aos piratas
europeus que os aceitavam e com eles partilhavam os lucros das conquistas. E
assim, nas ilhas do Caribe, criaram uma vida nova e fortaleceram-se,
tornando-se piratas orgulhosos de suas origens, encontrando uma liberdade que
na Europa dominada pela Inquisição já não possuíam.
E com os
resultados de suas conquistas marítimas, ajudavam os judeus mais pobres e a
comunidade de um modo em geral, sempre obedecendo o preceito judaico primordial
de praticar a caridade e seguindo ”kol Israel arezim ze baze” , outro preceito
judaico que aprendi com nosso colega Guilherme Susteras, “cada um é responsável
por aqueles ao seu redor”.
“Unindo-se
às naus piratas de holandeses e ingleses, tomavam os produtos de saques
espanhóis e portugueses roubados dos indígenas e povos pré-colombianos do
México, das Antilhas e da América do Sul, principalmente ouro, prata e
diamante, a fim de que estes tesouros não chegassem às mãos de governantes da
península Ibérica e Itália, que eram comandados pela Igreja, com consequente
enriquecimento desta. Era a vingança contra todos e tudo que passaram na
Europa, constituindo um verdadeiro golpe contra as gloriosas armadas espanhola
e portuguesa, ditas como invencíveis, espalhando terror entre todos.”
De
mercadores, intelectuais e astrônomos a intrépidos aventureiros nos mares do
Caribe... uma desforra inusitada... |
Já no século
XXI, Edward Kritzler pesquisava a história de Jamaica na Biblioteca Nacional da
capital quando se deparou com uma interessante narrativa de 1642 no diário de
William Jackson, um pirata britânico. Ali, ele relata o encontro na ilha com
judeus portugueses que sub-repticiamente se ofereceram a desvendar o local onde
os espanhóis guardavam suas riquezas.
Edward
aprofundou seus estudos e em 2008 publicou o livro “Piratas Judeus do Caribe”
onde relata todos os acontecimentos humilhantes e dolorosos pelos quais os
judeus passaram com a Inquisição e os caminhos que estes judeus percorreram
para se salvar, recomeçar uma nova mas santa vida e proteger seus descendentes.
E na sequência da história, Edward apresenta a saga daqueles que se lançaram ao
mar como uma opção de sobrevivência.
Ali aparecem
os irmãos Abraão e Moisés Cohen Henriques, Yaakov Koriel e David Abravanel,
judeus ‘Portugueses’ ao lado dos holandeses ou dos ingleses contra os espanhóis,
a Inquisição e o Santo Ofício. É interessante lembrar que estes piratas observavam
o Shabat, elevavam sinagogas com solos arenosos para os serviços e nomeavam
seus veleiros de “A Rainha Ester”, “O Profeta Samuel” ou “Escudo de Abraão”.
Sob a areia
do solo existe sempre um bom soalho de madeira como suporte e de anos em anos
deve-se acrescentar mais areia para repor aquela consumida com o movimento das
pessoas.
De onde
surgiu esta prática?
Não há uma resposta definitiva, e as explicações variam: talvez a origem seja Amsterdã onde usava-se areia para secar o barro dos sapatos dos participantes, há quem diga que a areia lembra o terreno do deserto por onde os judeus vagaram por 40 anos, mas a mais aceita é simplesmente que a prática se originou no Brasil, no início de 1600, quando os convertidos que voltaram ao Judaísmo optaram por manter os costumes de seus familiares.
O que será
que pensam estas pessoas ao pisar na areia de sua sinagoga?
Lembram a
história das perseguições? Estranham este costume? Agrada-lhes esta sensação de
liberdade que a areia da praia nos traz?
Nesta
sinagoga abrangente encontramos mais uma vez a beleza do Judaísmo, a
diversidade de pessoas, sítios geográficos, edificações... sempre sob a palavra
da Torá, e a fidelidade a um só D’us!
Crianças da
Sinagoga em 2015, um templo progressista que a todos acolhe sempre a lembrar da
história de seu povo e de suas adversidades! |
FONTES:
https://www.jewsofjamaica.com/articles/united-congregation-mission
https://www.facebook.com/ucijamaica/
https://cityseeker.com/kingston/76823-shaare-shalom-synagogue
https://yellow.place/pt/shaare-shalom-synagogue-kingston-jamaica
https://anussim.org.br/piratas-ou-usurpadores-judeus-do-caribe/
https://www.shavei.org/pt-br/blog/2021/05/27/piratas-judeus-no-caribe/
https://journals.openedition.org/lerhistoria/5043
http://zivabdavid.blogspot.com/2012/02/piratas-judeus.html
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