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quinta-feira, 18 de abril de 2024

Iachad (juntos - יחד) - por André Naves: Ophicleide

 



         Hoje em dia é muito fácil. É só a gente entrar no Google que as respostas vêm, como formigas comendo restos. Na minha época tudo era diferente... Melhor, diriam os saudosistas...

            Tinha a Barsa, a Mirador, a Larousse... Até o Manual do Escoteiro Mirim eu tinha! Pra quem gosta de passado, amarelo como ouro, tudo é motivo de lembrança! As memórias são rios que passam, mas nos deixam felizes e molhados.

            Tem uma turma, entretanto, que acha que essa aparente facilidade veio para ficar. É a turma de cabelo ao vento, que pensa que o novo sempre vem. Pra essa gente, é só dar uma gugada e pronto.

            Um dia meu avô passou lá em casa como era o costume. Ele queria ver os netinhos e o canarinho. Depois ia pra praça da Matriz conversar com o seu Tosta. Eu não sei bem o motivo, mas fui levado naquele dia.

            Lá na praça, enquanto eles conversavam, dava pra sentir o cheirinho de pão quente ali da padaria Paris. Aliás, naquela rua que descia até o Mercadão tinham vários comércios árabes e uma loja de uma família judaica.

            O tio Jimmy adorava contar a história de como fora salvo e acolhido pela comunidade árabe de Jacareí quando, como que por milagre, um pequeno, mas gigante, sinal o tirou do trem para Auschwitz, e os trouxeram para Jacareí.

            Aquele cheirinho de pão me lembrava da minha avó... Qual? A Rosinha. A Tereza era uma das melhores cozinheiras que já pisara nas terras jacarienses, mas era a vó Rosinha que fazia chás, bolos, quitutes mineiros e pãezinhos...

            A vó Tereza era uma (quase que sai um palavrão agora) duma cozinheira. Mas as especialidades dela eram outras... Feijão, arroz, carnes, frangos, empadas... E o melhor bolinho caipira!

            Vamos combinar que um cheirinho de fornada lembra mais a vó Rosinha...

            Sabe quem tava na praça aquele dia? O Miguelzinho... Enquanto a gente corria e brincava, o avô dele tocava no coreto. Parecia até uma pintura de Heitor dos Prazeres... Era um grupo de Chorinho e ele tocava o Ophicleide!

            Eu fui ouvindo aquelas notas e um encanto subiu pela minha espinha. Dizem que foi um alumbramento, uma epifania... Vai saber... Eu já era uma criança precoce e excêntrica. Gostava de Playboys e Óperas... Aprender Ophicleide já era demais!

            Fora que, onde achar um professor disso em Jacareí? Se o povo mal sabia que esse instrumento existia... A verdade é que já não tava na moda. Não era um violão nem um piano...

            OPHICLEIDE!

Quando a dona Raquel Pick chegou no Brasil, esse era um instrumento do gosto popular. Chorinho, na praça Onze, era com Ophicleide.

            Teve uma vez, no finzinho da aula, que a gente tava jogando STOP. De repente, instrumento musical com “o”. Estufei o peito e escrevi OFICLEIDE! Na hora a turma começou a reclamar.

            “Isso nem existe!” “É o nome da amiga da sua vó!” “Você tá robando!” “Vai perder os pontos!”. E o Miguelzinho quieto! Quieto! Eu nem acreditava naquela milonga... De repente, tava sobrando pescoção pra todo mundo!

            Se existisse Google na época!

            Quando eu escrevo, e talvez seja isso, eu nunca costumo deixar tudo mastigado para o leitor. Quero que ele se envolva comigo, igual os cavaletes de cristal da Lina Bo Bardi que obrigam o movimento para o conhecimento total da obra!!

            Dê uma gugada! Procure na Barsa! Use a imaginação! Escreva comigo!

            Vamos, juntos, descobrir que saber tocar é muito mais importante que só ouvir a música, por mais linda que seja!

André Naves

Defensor Público Federal, especialista em Direitos Humanos, Inclusão Social e Economia Política. Escritor e Comendador Cultural.

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