Hoje em dia é muito
fácil. É só a gente entrar no Google que as respostas vêm, como formigas
comendo restos. Na minha época tudo era diferente... Melhor, diriam os
saudosistas...
Tinha a Barsa, a Mirador, a
Larousse... Até o Manual do Escoteiro Mirim eu tinha! Pra quem gosta de
passado, amarelo como ouro, tudo é motivo de lembrança! As memórias são rios
que passam, mas nos deixam felizes e molhados.
Tem uma turma, entretanto, que acha
que essa aparente facilidade veio para ficar. É a turma de cabelo ao vento, que
pensa que o novo sempre vem. Pra essa gente, é só dar uma gugada e pronto.
Um dia meu avô passou lá em casa
como era o costume. Ele queria ver os netinhos e o canarinho. Depois ia pra
praça da Matriz conversar com o seu Tosta. Eu não sei bem o motivo, mas fui
levado naquele dia.
Lá na praça, enquanto eles
conversavam, dava pra sentir o cheirinho de pão quente ali da padaria Paris.
Aliás, naquela rua que descia até o Mercadão tinham vários comércios árabes e
uma loja de uma família judaica.
O tio Jimmy adorava contar a
história de como fora salvo e acolhido pela comunidade árabe de Jacareí quando,
como que por milagre, um pequeno, mas gigante, sinal o tirou do trem para
Auschwitz, e os trouxeram para Jacareí.
Aquele cheirinho de pão me lembrava
da minha avó... Qual? A Rosinha. A Tereza era uma das melhores cozinheiras que
já pisara nas terras jacarienses, mas era a vó Rosinha que fazia chás, bolos,
quitutes mineiros e pãezinhos...
A vó Tereza era uma (quase que sai
um palavrão agora) duma cozinheira. Mas as especialidades dela eram outras...
Feijão, arroz, carnes, frangos, empadas... E o melhor bolinho caipira!
Vamos combinar que um cheirinho de
fornada lembra mais a vó Rosinha...
Sabe quem tava na praça aquele dia?
O Miguelzinho... Enquanto a gente corria e brincava, o avô dele tocava no
coreto. Parecia até uma pintura de Heitor dos Prazeres... Era um grupo de
Chorinho e ele tocava o Ophicleide!
Eu fui ouvindo aquelas notas e um
encanto subiu pela minha espinha. Dizem que foi um alumbramento, uma
epifania... Vai saber... Eu já era uma criança precoce e excêntrica. Gostava de
Playboys e Óperas... Aprender Ophicleide já era demais!
Fora que, onde achar um professor
disso em Jacareí? Se o povo mal sabia que esse instrumento existia... A verdade
é que já não tava na moda. Não era um violão nem um piano...
OPHICLEIDE!
Quando
a dona Raquel Pick chegou no Brasil, esse era um instrumento do gosto popular.
Chorinho, na praça Onze, era com Ophicleide.
Teve uma vez, no finzinho da aula,
que a gente tava jogando STOP. De repente, instrumento musical com “o”. Estufei
o peito e escrevi OFICLEIDE! Na hora a turma começou a reclamar.
“Isso nem existe!” “É o nome da
amiga da sua vó!” “Você tá robando!” “Vai perder os pontos!”. E o Miguelzinho
quieto! Quieto! Eu nem acreditava naquela milonga... De repente, tava sobrando
pescoção pra todo mundo!
Se existisse Google na época!
Quando eu escrevo, e talvez seja
isso, eu nunca costumo deixar tudo mastigado para o leitor. Quero que ele se
envolva comigo, igual os cavaletes de cristal da Lina Bo Bardi que obrigam o
movimento para o conhecimento total da obra!!
Dê uma gugada! Procure na Barsa! Use
a imaginação! Escreva comigo!
Vamos,
juntos, descobrir que saber tocar é muito mais importante que só ouvir a
música, por mais linda que seja!
André Naves
Defensor Público
Federal, especialista em Direitos Humanos, Inclusão Social e Economia Política.
Escritor e Comendador Cultural.
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