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quarta-feira, 29 de maio de 2024

Iachad (juntos - יחד) - por André Naves: Chutzpah

 


Chutzpah

          Vários idiomas têm suas peculiaridades, seus lirismos. O Português, por exemplo, tem a palavra saudade... Essa palavra, sem similar em outras línguas, vale como uma poesia. Tá certo que é até possível traduzir para outros idiomas, mas o essencial, a alma do verbo, acaba se perdendo...

          “Eu sinto falta” só é igual a “eu tenho saudades” para quem nunca enxerga com o coração... Aliás, enxergar com o coração...

Acho que gosto tanto dessa língua portuguesa tão abrasileirada pelo tamanho do lirismo que ela sopra. É uma linguagem adubada pela diversidade. Temperada pelo diferente. Com suas curvas e rococós que obrigam todo literato, se quiser se comunicar, a sair de suas limpas celas de alabastro para se lambuzar com o melaço popular!

          Língua Portuguesa do Brasil! LÍNGUA BRASILEIRA!

          Chutzpah não é português. Vocês já devem ter desconfiado, claro. Na verdade, nem se fala como se lê. É assim, Rrutzpá! Pra gente, brasileiro, ela também não tem exata tradução...

          Audácia, ousadia... É o mais perto que eu consigo chegar. A gente precisa abrir o entendimento da alma para beber desse significado. Ela é uma palavra que vale uma poesia inteira!

Talvez com arte, com literatura, seja mais fácil levar esse entendimento ao sentimento...

Yayoi Kusama! Artista japonesa das mais vibrantes e criativas. Ela traduz as alucinações que ela vê em imagens... O que ela tem? Não faz diferença... A verdade é que ela mora numa ala psiquiátrica de um hospital, e a dificuldade dela virou sua facilidade!

Ela só se expressa por ter essa condição mental!

Mas, cadê a chutzpah? Bem, ela nem sempre foi tão conhecida e famosa. Por volta dos anos 60 ela ainda era uma anônima, uma aspirante a artista... Deu 5 minutos nela, e saiu a vender tudo que tinha.

Estava com uma ideia fixa! Ia expor na Bienal de Veneza, mesmo sem ter sido convidada... Depois de tudo vendido, ela conseguiu comprar uma única passagem de ida até La Serenissima de São Marcos.

Ganhou fama!

Virou Yayoi Kusama! Sua mensagem ganhou o mundo!

Foi e fez!

Vamos sair da Terra do Sol Nascente, e voltar para o Brasil?

Ruy Barbosa era daqui. Bahiano arretado! Ficou indignado com a injustiça do caso Dreyfus, e mesmo sendo de uma terra exótica, distante e caricata, pôs a boca no trombone! Vestiu as sandálias de dreyfusard e foi um dos primeiros a escrever sobre isso.

Antes até do J´accuse do Zola!

Foi e fez!

Ainda falando de uma brasileira, mas em terras alemãs, que tal lembrar da “Justa entre as Nações” Aracy Guimarães Rosa, o “Anjo de Hamburgo”? Ela, esposa de Guimarães Rosa, chefiava o serviço de passaportes do Brasil na Alemanha. Era época de trevas. Perseguições. Injustiças. Extermínio.

Ela, Luz que aniquilava a escuridão imperante, salvou milhares de judeus concedendo-os vistos para que entrassem no Brasil.

Foi e fez!

Seu marido até se inspirou nela e na chutzpah para escrever que “o que a vida quer da gente é coragem!”.

Que coisa! As lágrimas descem dos meus olhos sempre que penso nas violências cometidas, nas fogueiras das iniquidades! Mas, ao mesmo tempo, sinto um pingo de esperança com todos esses seres humanos iluminados...

Só um pingo, infelizmente...

André Naves

Defensor Público Federal, especialista em Direitos Humanos, Inclusão Social e Economia Política. Escritor e Comendador Cultural. Conselheiro do grupo Chaverim. Embaixador do Instituto FEFIG. Amigo da Turma do Jiló. Membro do comitê de inclusão do LIDE.


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