Chutzpah
Vários idiomas têm suas
peculiaridades, seus lirismos. O Português, por exemplo, tem a palavra saudade...
Essa palavra, sem similar em outras línguas, vale como uma poesia. Tá certo que
é até possível traduzir para outros idiomas, mas o essencial, a alma do verbo,
acaba se perdendo...
“Eu sinto falta” só é igual a “eu
tenho saudades” para quem nunca enxerga com o coração... Aliás, enxergar com o
coração...
Acho
que gosto tanto dessa língua portuguesa tão abrasileirada pelo tamanho do
lirismo que ela sopra. É uma linguagem adubada pela diversidade. Temperada pelo
diferente. Com suas curvas e rococós que obrigam todo literato, se quiser se
comunicar, a sair de suas limpas celas de alabastro para se lambuzar com o
melaço popular!
Língua Portuguesa do Brasil! LÍNGUA
BRASILEIRA!
Chutzpah não é português. Vocês
já devem ter desconfiado, claro. Na verdade, nem se fala como se lê. É assim,
Rrutzpá! Pra gente, brasileiro, ela também não tem exata tradução...
Audácia, ousadia... É o mais perto que
eu consigo chegar. A gente precisa abrir o entendimento da alma para beber
desse significado. Ela é uma palavra que vale uma poesia inteira!
Talvez
com arte, com literatura, seja mais fácil levar esse entendimento ao
sentimento...
Yayoi
Kusama! Artista japonesa das mais vibrantes e criativas. Ela traduz as
alucinações que ela vê em imagens... O que ela tem? Não faz diferença... A
verdade é que ela mora numa ala psiquiátrica de um hospital, e a dificuldade
dela virou sua facilidade!
Ela
só se expressa por ter essa condição mental!
Mas,
cadê a chutzpah? Bem, ela nem sempre foi tão conhecida e famosa. Por
volta dos anos 60 ela ainda era uma anônima, uma aspirante a artista... Deu 5
minutos nela, e saiu a vender tudo que tinha.
Estava
com uma ideia fixa! Ia expor na Bienal de Veneza, mesmo sem ter sido
convidada... Depois de tudo vendido, ela conseguiu comprar uma única passagem
de ida até La Serenissima de São Marcos.
Ganhou
fama!
Virou
Yayoi Kusama! Sua mensagem ganhou o mundo!
Foi
e fez!
Vamos
sair da Terra do Sol Nascente, e voltar para o Brasil?
Ruy
Barbosa era daqui. Bahiano arretado! Ficou indignado com a injustiça do caso
Dreyfus, e mesmo sendo de uma terra exótica, distante e caricata, pôs a boca no
trombone! Vestiu as sandálias de dreyfusard e foi um dos primeiros a
escrever sobre isso.
Antes
até do J´accuse do Zola!
Foi
e fez!
Ainda
falando de uma brasileira, mas em terras alemãs, que tal lembrar da “Justa
entre as Nações” Aracy Guimarães Rosa, o “Anjo de Hamburgo”? Ela, esposa de
Guimarães Rosa, chefiava o serviço de passaportes do Brasil na Alemanha. Era
época de trevas. Perseguições. Injustiças. Extermínio.
Ela,
Luz que aniquilava a escuridão imperante, salvou milhares de judeus
concedendo-os vistos para que entrassem no Brasil.
Foi
e fez!
Seu
marido até se inspirou nela e na chutzpah para escrever que “o que a
vida quer da gente é coragem!”.
Que
coisa! As lágrimas descem dos meus olhos sempre que penso nas violências
cometidas, nas fogueiras das iniquidades! Mas, ao mesmo tempo, sinto um pingo
de esperança com todos esses seres humanos iluminados...
Só
um pingo, infelizmente...
André Naves
Defensor Público
Federal, especialista em Direitos Humanos, Inclusão Social e Economia Política.
Escritor e Comendador Cultural. Conselheiro do grupo Chaverim. Embaixador do
Instituto FEFIG. Amigo da Turma do Jiló. Membro do comitê de inclusão do LIDE.
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