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sexta-feira, 25 de agosto de 2023

Acontece - Mês de Elul - o último mês judaico - um tempo especial

Este é um mês em que as mentes e os corações olham o passado para construir o futuro. Elul, mês em que se escuta o Shofar, de forma a lembrar que há algo especial para chegar: O NOVO ANO. Um período que faz eco no judaísmo de todas as nominações e também nos judeus que não seguem religião. Um povo para o qual o tempo é algo importante. Este mês dançamos e escutamos o tempo passar e refletimos o que foi e o que virá. Como ilustração do texto, temos o Chazan da Comunidade Esh Tamid Daniel Markus tocando o Shofar em um pôr de sol especial em São Paulo. Um berrante que acorda e que embala, um som que faz lembrar e faz sonhar, um som que une o passado ao futuro, através das gerações.




Neste mês é lido o último livro da Torah - DEVARIM (Deuteronômio). O Livro é o Discurso que Moshé (Moisés) faz antes dos israelitas cruzarem o Rio Jordão e entrarem na Terra de Israel. Como sabemos, o líder que trouxe o povo do Egito até as margens do Jordão em uma viagem que durou 40 anos não cruza. Seu último discurso relembra a história e cria expõe regras de conduta que possam permitir a sobrevida até tempos que não se podia contar. 

Esta porção - Ki Tetsê (כִּי–תֵצֵא ) começa com a frase "Quando saíres à guerra contra teus inimigos" e então seguem 74 regras de conduta referentes a relacionamentos com "o outro", "a propriedade", "a natureza". Ao tratar dos relacionamentos entre pessoas, vai desde o inimigo que é capturado na guerra, passando pelas relações familiares com os bons e maus. Os comentários dos talmudistas e dos comentadores mais modernos trazem explicações muitas vezes conflitantes. Olhando com a perspectiva de nossos dias, vemos um mundo em que todas as interpretações chegam à tona. Um mundo difícil de se entender e coordenar, que mostra de forma aguda as várias arestas dos relacionamentos humanos e as dificuldades de encontro de linhas que mais parecem a definição pura e simples de linhas paralelas que aprendemos na escola "retas em um plano que estão sempre à mesma distância uma das outras". Retas que não se cruzam. Fazendo um jogo com as palavras "retas lembram correto; certo; direito", será que as duas retas estão certas? Seguem paralelas sem se encontrarem até o infinito? Usando o sistema das parábolas, midrashim, sabemos que não vivemos em um único "plano" e portanto a definição básica de "retas paralelas" deve ser amoldada a diferentes planos. É desta forma que todos os comentaristas, os sábios e os comuns, lançam luz a um texto que rompe os tempos. As retas se encontram... os planos se alternam... 

De todas as 74 regras vou comentar uma única conforme escutei e li em alguns posts esta semana; Rav Oury Cherki de um site conhecido como Shalom 39 (https://youtu.be/Px244R5-CPQ). É feita uma análise dos comentaristas Maimonides (Moshe ben Maimon - 1138-1204), Nachmanides (Moshe ben Nachman, 1194 - 1270) e Maaral de Praga (Judah Levy ben Bezalel, 1525-1609). 

Deuteronômio 22:6-7: "Quando encontrares algum ninho de ave diante de ti, pelo caminho, numa árvore ou no chão, com pintinhos ou ovos, e a mãe sobre os pintinhos ou sobre os ovos, não tomarás a mãe estando com os filhos. Mas deixarás ir livremente a mãe e os filhos poderá tomar para ti, a fim de que te seja bem e prolongues os teus dias".

A leitura deste texto pode ter uma visão humanitária e biológica levando em consideração o respeito à mãe e a necessidade de alimentos. Esta é a forma simples de avaliar o texto. Mas, olhando a simbologia da mãe que prepara o futuro, as mesmas palavras - "mãe sobre os filhos" é proferida por Jacob quando encontra Esaú. Mahahral de Praga, e a Mishná, trazem a interpretação misericordiosa, Nachmanides define a mãe como sendo a Scherriná (o próprio D'us na forma feminina), os filhotes, os filhos de Israel e o ninho a terra de Israel. E Rambam que acredita ser a Torah e Talmud não apenas registros históricos comentados, mas fonte de grandes princípios de pensamento, abre espaço para interpretações.

Rav Oury Cherki comenta que hoje podemos ampliar nossa forma de interpretar o que ocorre quando a Mãe se ausenta: o ovo representa a Torah escrita, os filhotes a Torah oral e os filhos a Cabala. Estes pontos podem também ser ligados aos tempos de distanciamento do ninho, aos tempos do exílio, que foram anunciados por Isaías quando a Scherriná não está presente. A Torah foi revelada após o Exílio no Egito, o Talmud Babilônico representa a Torá Oral e a Cabala foi escrita durante o Exílio de Edom, que inicia-se com a conquista dos romanos e termina com o estabelecimento do Estado de Israel no século XX.

E chegando ao século XXI, na semana em que lemos esta parashá, que necessita de tantas explicações para poder ser entendida ao longo dos anos, atrevo-me a dizer que estamos em outra encruzilhada. Em um momento no tempo em que as retas deixam de ser paralelas porque estamos mudando de plano. Isto acontece não apenas em relação ao Estado de Israel, mas em todo o mundo! 

Mas... e sempre tem um mas.... que pode trazer outros lados de um cubo, ou outros filtros para entender o que é a realidade, o ensinamento báscio da Torah, que baseia o futuro na capacidade de uma geração educar a próxima e permitir que valores verdadeiros possam ser transmitidos e adaptado aos tempos ainda é válido.

Que o som do Shofar seja um alerta para todos.

Regina P. Markus








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