Ronit
Elkabetz: uma homenagem
Por Bruno Szlak
Entre os dias
27 de julho e 2 de agosto ocorreu a II Mostra de Cinema Israelense IBI/SESC. O
eixo curatorial da Mostra procurou mostrar filmes dirigidos por
mulheres. É notório nos últimos anos a presença de mulheres em todos os
estágios da produção de filmes e séries televisivas. Conforme Yael Munk,
“Durante muitos anos, as mulheres desempenharam um papel secundário no cinema
israelense, com pouca voz própria e limitadas principalmente ao olhar masculino.
Mais recentemente, por meio do trabalho de cineastas mulheres, as
representações das mulheres passaram da objetificação para uma representação
humana complexa, e as personagens femininas foram libertadas das restrições
patriarcais. Com o surgimento de cineastas mulheres, que muitas vezes enfatizam
narrativas autobiográficas, a representação das mulheres israelenses finalmente
atingiu um ponto de crítica autêntica à construção cinematográfica anterior que
as marginalizava, e proporcionou novas maneiras de usar o cinema como uma
ferramenta de empoderamento.”
Neste
sentido, a Mostra também escolheu homenagear a atriz e diretora Ronit Elkabetz,
precocemente falecida em 2016. Ronit nasceu em Beersheba em 1964 em uma família
judia marroquina religiosa. Sua mãe falava francês e árabe marroquino, mas seu
pai insistia em falar apenas hebraico. Ronit era a mais velha de quatro filhos,
com três irmãos mais novos. Seu irmão mais novo Shlomi também se tornou
diretor, e eles trabalharam juntos na trilogia Gett: The Trial of Viviane
Amsalem. Ronit nunca estudou atuação e começou sua carreira como modelo. Ela
dividia seu tempo entre suas casas em Paris e Tel Aviv. Durante seus últimos
anos, ela foi presidente honorária do movimento feminista Mizrahi "Ahoti -
para mulheres em Israel", e foi voluntária nas atividades da organização,
como a loja de comércio justo e campanhas de roupas. Em 2015, ela foi
selecionada para ser a Presidente do Júri da seção Semana da Crítica
Internacional do Festival de Cinema de Cannes de 2015. A escolha da Mostra foi
mostrar os filmes da trilogia com VeLakachta Lecha Isha – To take a wife
(2004), onde Ronit Elkabetz escolheu interpretar o papel principal neste drama
familiar, que foi seguido por Shiv'a – Os Sete Dias (2009) e Gett: The Trial of
Viviane Amsalem (2014).
Ao longo
desta trilogia, a heroína Viviane Amsalem percebe que é uma vítima da tradição
ancestral mizrahi, na qual o divórcio nunca é uma opção. Ambientado no final
dos anos 1970 em uma cidade remota de Israel, VeLakachta Lecha Isha conta a
crescente decepção de Viviane, uma mãe de três filhos que sente que não
realizou seus sonhos e agora está aprisionada em um casamento miserável com um
homem sem ambições que encontra conforto apenas entre seus amigos homens na
sinagoga local. O amargo sentimento de oportunidades perdidas acompanha a
protagonista em sua infeliz vida familiar, e ela decide pedir um
"get" (documento de divórcio), que seu marido se recusa a conceder.
A tragédia de
Viviane Amsalem continua em Shiv'a, quando toda a família se reúne após a morte
do irmão mais velho. O filme se passa durante a Guerra do Golfo, e o marido de
Viviane, Eliyahu, ainda se recusa a conceder o divórcio a ela. A semana do
shiva (sete dias de luto) revela que toda a família está sendo dilacerada pela
lacuna intransponível entre a aderência às tradições judaicas e a adoção de
novos costumes da vida israelense secular. Nesse sentido, Shiv'a oferece uma
visão mais ampla das mudanças nos papéis de gênero nas famílias mizrahi
patriarcais, especialmente em relação à perda da autoridade masculina na
família após a imigração e à pressão para abandonar os velhos hábitos.
O terceiro
filme da trilogia, Gett: The Trial of Viviane Amsalem, se passa inteiramente no
tribunal rabínico. Quinze anos se passaram desde os eventos retratados em
VeLakachta Lecha Isha, e Viviane finalmente decide recorrer ao tribunal com a
ajuda de um advogado que defenderá sua causa. No entanto, o tribunal rabínico
ainda não está pronto para reconhecer o caso de Viviane. Os juízes rabínicos
argumentam que o fato de ela não amar seu marido não pode ser considerado um
motivo suficiente para o divórcio, especialmente diante da insistência de seu
marido em querer salvar o casamento deles. Todo o filme é filmado no espaço
confinado do Tribunal Rabínico de Jerusalém, e as várias testemunhas que entram
nesta sala lotada proporcionam o drama. Essa estratégia cinematográfica
desperta uma sensação de aprisionamento, como se os personagens estivessem
cativos pelo sistema rabínico, sem possibilidade de escapar. Após uma série de
depoimentos de todos os membros da família, amigos e vizinhos de Viviane, os
juízes finalmente renunciam à opção de reconciliação matrimonial (shalom ba'it
em hebraico) e decidem a favor de Viviane: Eliyahu deve conceder o divórcio a
sua esposa.
A trilogia de
Ronit Elkabetz representa um passo adicional na construção filmica das mulheres
israelenses: trabalhando contra o instinto voyeurístico do cinema, Ronit
Elkabetz passa por uma transformação visual, de uma mulher com maquiagem pesada
no primeiro filme para aparecer sem maquiagem no tribunal rabínico, como se
permitisse aos espectadores notarem as marcas dos anos que se passaram, os anos
que ela passou em suas tentativas de obter o divórcio.
Ronit
Elkabetz faleceu pouco depois do lançamento deste filme, deixando um imenso
vazio no cinema israelense. No ano passado, seu irmão Shlomi produziu e dirigiu
uma série documental em 5 episódios para o canal Kan israelense chamada de
Cadernos Negros em homenagem a Ronit. A série, posteriormente transformada em
dois filmes, coloca a relação de Ronit e Shlomi com seus pais e o quanto o
cinema de ambos, especialmente na trilogia reflete a relação destes pais.
Juntando imagens dos próprios filmes (especialmente Gett) com imagens de making
off e imagens caseiras (parece que Shlomi anda sua vida toda com uma câmera na
mão), a montagem e edição faz estes diferentes meios dialogarem entre si e
constroem uma narrativa emocionante e pungente. Parte de Cadernos Negros mostra
os últimos meses de Ronit enfrentando a doença e as perdas ao longo do caminho.
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