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quarta-feira, 9 de agosto de 2023

Cinema - Por Bruno Szlak: Uma homenagem a Ronit Elkabetz

 



Ronit Elkabetz: uma homenagem

Por Bruno Szlak


Entre os dias 27 de julho e 2 de agosto ocorreu a II Mostra de Cinema Israelense IBI/SESC. O eixo curatorial da Mostra procurou mostrar filmes dirigidos por mulheres. É notório nos últimos anos a presença de mulheres em todos os estágios da produção de filmes e séries televisivas. Conforme Yael Munk, “Durante muitos anos, as mulheres desempenharam um papel secundário no cinema israelense, com pouca voz própria e limitadas principalmente ao olhar masculino. Mais recentemente, por meio do trabalho de cineastas mulheres, as representações das mulheres passaram da objetificação para uma representação humana complexa, e as personagens femininas foram libertadas das restrições patriarcais. Com o surgimento de cineastas mulheres, que muitas vezes enfatizam narrativas autobiográficas, a representação das mulheres israelenses finalmente atingiu um ponto de crítica autêntica à construção cinematográfica anterior que as marginalizava, e proporcionou novas maneiras de usar o cinema como uma ferramenta de empoderamento.”

Neste sentido, a Mostra também escolheu homenagear a atriz e diretora Ronit Elkabetz, precocemente falecida em 2016. Ronit nasceu em Beersheba em 1964 em uma família judia marroquina religiosa. Sua mãe falava francês e árabe marroquino, mas seu pai insistia em falar apenas hebraico. Ronit era a mais velha de quatro filhos, com três irmãos mais novos. Seu irmão mais novo Shlomi também se tornou diretor, e eles trabalharam juntos na trilogia Gett: The Trial of Viviane Amsalem. Ronit nunca estudou atuação e começou sua carreira como modelo. Ela dividia seu tempo entre suas casas em Paris e Tel Aviv. Durante seus últimos anos, ela foi presidente honorária do movimento feminista Mizrahi "Ahoti - para mulheres em Israel", e foi voluntária nas atividades da organização, como a loja de comércio justo e campanhas de roupas. Em 2015, ela foi selecionada para ser a Presidente do Júri da seção Semana da Crítica Internacional do Festival de Cinema de Cannes de 2015. A escolha da Mostra foi mostrar os filmes da trilogia com VeLakachta Lecha Isha – To take a wife (2004), onde Ronit Elkabetz escolheu interpretar o papel principal neste drama familiar, que foi seguido por Shiv'a – Os Sete Dias (2009) e Gett: The Trial of Viviane Amsalem (2014).

Ao longo desta trilogia, a heroína Viviane Amsalem percebe que é uma vítima da tradição ancestral mizrahi, na qual o divórcio nunca é uma opção. Ambientado no final dos anos 1970 em uma cidade remota de Israel, VeLakachta Lecha Isha conta a crescente decepção de Viviane, uma mãe de três filhos que sente que não realizou seus sonhos e agora está aprisionada em um casamento miserável com um homem sem ambições que encontra conforto apenas entre seus amigos homens na sinagoga local. O amargo sentimento de oportunidades perdidas acompanha a protagonista em sua infeliz vida familiar, e ela decide pedir um "get" (documento de divórcio), que seu marido se recusa a conceder.

A tragédia de Viviane Amsalem continua em Shiv'a, quando toda a família se reúne após a morte do irmão mais velho. O filme se passa durante a Guerra do Golfo, e o marido de Viviane, Eliyahu, ainda se recusa a conceder o divórcio a ela. A semana do shiva (sete dias de luto) revela que toda a família está sendo dilacerada pela lacuna intransponível entre a aderência às tradições judaicas e a adoção de novos costumes da vida israelense secular. Nesse sentido, Shiv'a oferece uma visão mais ampla das mudanças nos papéis de gênero nas famílias mizrahi patriarcais, especialmente em relação à perda da autoridade masculina na família após a imigração e à pressão para abandonar os velhos hábitos.

O terceiro filme da trilogia, Gett: The Trial of Viviane Amsalem, se passa inteiramente no tribunal rabínico. Quinze anos se passaram desde os eventos retratados em VeLakachta Lecha Isha, e Viviane finalmente decide recorrer ao tribunal com a ajuda de um advogado que defenderá sua causa. No entanto, o tribunal rabínico ainda não está pronto para reconhecer o caso de Viviane. Os juízes rabínicos argumentam que o fato de ela não amar seu marido não pode ser considerado um motivo suficiente para o divórcio, especialmente diante da insistência de seu marido em querer salvar o casamento deles. Todo o filme é filmado no espaço confinado do Tribunal Rabínico de Jerusalém, e as várias testemunhas que entram nesta sala lotada proporcionam o drama. Essa estratégia cinematográfica desperta uma sensação de aprisionamento, como se os personagens estivessem cativos pelo sistema rabínico, sem possibilidade de escapar. Após uma série de depoimentos de todos os membros da família, amigos e vizinhos de Viviane, os juízes finalmente renunciam à opção de reconciliação matrimonial (shalom ba'it em hebraico) e decidem a favor de Viviane: Eliyahu deve conceder o divórcio a sua esposa.

A trilogia de Ronit Elkabetz representa um passo adicional na construção filmica das mulheres israelenses: trabalhando contra o instinto voyeurístico do cinema, Ronit Elkabetz passa por uma transformação visual, de uma mulher com maquiagem pesada no primeiro filme para aparecer sem maquiagem no tribunal rabínico, como se permitisse aos espectadores notarem as marcas dos anos que se passaram, os anos que ela passou em suas tentativas de obter o divórcio.

Ronit Elkabetz faleceu pouco depois do lançamento deste filme, deixando um imenso vazio no cinema israelense. No ano passado, seu irmão Shlomi produziu e dirigiu uma série documental em 5 episódios para o canal Kan israelense chamada de Cadernos Negros em homenagem a Ronit. A série, posteriormente transformada em dois filmes, coloca a relação de Ronit e Shlomi com seus pais e o quanto o cinema de ambos, especialmente na trilogia reflete a relação destes pais. Juntando imagens dos próprios filmes (especialmente Gett) com imagens de making off e imagens caseiras (parece que Shlomi anda sua vida toda com uma câmera na mão), a montagem e edição faz estes diferentes meios dialogarem entre si e constroem uma narrativa emocionante e pungente. Parte de Cadernos Negros mostra os últimos meses de Ronit enfrentando a doença e as perdas ao longo do caminho.


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