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quinta-feira, 6 de junho de 2024

Acontece: De deserto em deserto







Por Juliana Rehfeld

Esta semana aconteceram juntas duas celebrações em 5 de junho: Iom Ierushalaim - dia de Jerusalém (que é móvel com o calendário lunissolar judaico) - e o dia Internacional do Meio Ambiente. Coincidência. São esses encontros no tempo que nos instigam, pelo menos a mim, a explorar o significado e dar um novo sentido… e mais: este encontro acontece no 45o dia da contagem do Omer, 1o dia do mês de Sivan, na semana em que lemos, neste ano de 5784, a 1a parashá - Bamidbar- de um novo livro da Torá, o 4o, chamado Números… o que significa esta coincidência ? Ela significa mesmo alguma coisa? Sinaliza algo especial? E, mais importante, o que fazemos com isso, que sentido damos a isso?



 

Iom Ierushalaim celebra a conquista da parte oriental da cidade na Guerra dos 6 dias de 5 a 10 junho de 1967. Ou seja, a reunificação de Jerusalém. Esta guerra, que foi iniciada pelo grito dos países árabes e seguiu com um ataque relâmpago de Israel, é conhecida pela contagem de dias que durou - apenas seis - e pela quantidade de aviões destruídos no solo no próprio dia 5 de junho: 240 egípcios (de um total de 450), 45 sírios (dentre 142). Números. E é fundamental lembrar que também conquistamos nessa guerra o deserto de Sinai! E Gaza e a Cisjordânia. Foi um dos feitos militares mais comentados da história das guerras, considerado uma façanha impressionantemente bem sucedida, e pelas conquistas, uma nova fase, auspiciosa, um “turning point”, um ponto de inflexão (copiando o termo que Regina usou na semana passada) para Israel. O crescimento econômico e populacional e o desenvolvimento tecnológico surfaram em altas ondas a partir daí… mas sabemos que também aí foram iniciados grandes problemas com os quais nos debatemos até agora: a sequência de dificuldades para administrar os territórios conquistados e a progressiva construção da narrativa palestina que hoje nos “devora” na mídia e nas universidades. Em 1982, para fazermos a paz com o Egito, devolvemos o deserto do Sinai! E em 2004 nos retiramos de Gaza. E mesmo assim tudo continua difícil para nós… ontem houve muita cantoria e bandeiras no Muro, basicamente eleitores dos partidos de direita celebraram ruidosamente. Já para grande parte da população atual do país que é pacifista e após esses 8 meses pós 7 de outubro, a comemoração deste dia foi pesada. 


Já o dia Internacional do Meio Ambiente foi criado pela ONU em 5 de junho de 1972 durante a Conferência de Estocolmo que, por sinal, cunhou o termo “desenvolvimento sustentável" e foi registrado em um relatório intitulado “Our Common Future” - nosso futuro comum. Um evento que, sim, iniciou um ponto de virada no modo de viver da humanidade no planeta e que “explodiu” vinte anos depois na Eco-92, em junho de 1992 aqui no Brasil. Muita coisa mudou a partir daí: nosso vocabulário incorporou termos como preservar, reutilizar, reciclar, reduzir, emissão de carbono, gestão de resíduos sólidos, etc… mas o que realmente fará diferença na sobrevivência da humanidade neste planeta, que é o nosso comportamento, as nossas escolhas do que comprar, o que guardar e o que e como descartar, estes ainda precisam mudar muito! O que acontece se não fizermos a lição de casa em tempo de não aumentar a temperatura em mais de 2 graus Celsius? Muitos cantos desta Terra esgotarão sua capacidade de resistir e se tornarão desertos, onde nos desacostumamos a viver há muitos séculos. Este dia de 5 de junho de 2024, cujo tema é “restauração do solo, desertificação e resiliência à seca”, é um alerta, um despertador que toca todo ano lembrando-nos do quanto estamos atrasados neste cuidado com nossa “casa”.




Como escrevi acima estamos no 45o dia da anual contagem do Omer que se inicia em Pessach com a saída dos nossos antepassados do Egito, justamente para o deserto, e completa 49 - sete semanas, daqui 4 dias com a lembrança da entrega da Torá. Precisamos naquele tempo de todos esses dias para o nosso “rito de passagem”, para estarmos prontos para receber coletivamente as leis, os valores e a responsabilidade que nos foram atribuídos para, assim, nos tornarmos um povo e merecermos a terra Prometida. Há interpretações deste período como sendo aquela fase de estarmos mais próximos de Deus, ou na ventania silenciosa do deserto, mais próximos de nós mesmos, como comunidade, vivendo igualitariamente, sem a hierarquia (com exceção dos Levitas) e as brigas por poder que logo mais virão e nos levarão a guerras…

Lemos justamente nesta última das sete semanas do Omer a parashá Bamidbar - que significa, em hebraico, no deserto. E nela Deus ordena a Moisés que faça um censo para saber-se de quantos homens era composto esse novo povo. Sim, só interessavam homens aptos, acima de 20 anos, porque alegadamente seriam apenas eles os chamados para as guerras que se seguiriam. Esse argumento é muito discutido nos nossos dias de equidade de gêneros, mas na minha opinião faz todo o sentido para aquele momento. Israel independente em 1948 resolveu esta questão alistando mulheres junto aos homens, e a partir dos 18 anos de idade, já que precisou, e precisa até hoje, de todos em condições de combater nas tantas guerras de defesa que enfrentou desde o início. Neste início do mês de Sivan de 5784 estamos justamente em meio a uma guerra que se iniciou como defesa da barbárie, como solução para erradicar o mais vil dos inimigos, mas, longe de façanha militar de um exército poderoso… enfrenta uma dificílima guerra urbana e não parece ter chance de fato de nos defender . 

Então, estas lembranças, celebrações, releituras e os fatos que coincidem nesta semana têm algo em comum? Faz sentido olhar para todos juntos e tirar alguma lição, uma direção? 

As engrenagens do passar do tempo, a matemática que faz a contagem do tempo trazer toda a humanidade junta, fizeram o calendário lunossolar judaico juntar neste ano o dia de Jerusalém ao dia do Meio Ambiente. 2024 é ano bissexto, ganhou um dia mais. 5784 é um שנה מעוברת - “ano grávido” , e tem um desses a cada 3 que ganham um mês a mais - Adar 2. 

Nós, os ex-escravos fugidos do Egito, sem condições de trazer pão fermentado para comer, ganhamos um período de sete semanas no qual recebemos maná do céu, e convivemos conosco e nosso Deus, no qual nos fortalecemos para assumir as responsabilidades por conquistar uma terra nova, uma vida nova com leis e valores novos. 

Nós, humanos, judeus, israelenses, contemporâneos, ganhamos em 2024 - simultaneamente em 5784, um mês e um dia a mais, para sair melhor de um deserto inóspito, buscar a paz e harmonia equitativa em um país merecido e ao mesmo tempo, a oportunidade de perseguir um modo de vida mais sustentável para deixar aos nossos filhos e filhas uma possibilidade de não voltar a um deserto inóspito causado pelas mudanças climáticas e sem dúvida, por más escolhas.

Shabat Shalom

3 comentários:

  1. Gosto de associações entre números que marcam eventos separados, e o judaísmo, infelizmente mais para tristeza do que alegria, tem muitas dessas associações. Sobre Jerusalém antes da reunificação, uma imagem: estive em Israel pela primeira vez aos 11 anos, em 1966. Fomos a Jerusalém. Lembro-me concretamente da cerca de arame farpado - isso mesmo, não havia muro, nem barreira, apenas uma vasta cerca de arame farpado - que nos separava do Kotel. Ao segurar essa cerca, com meu rosto o mais próximo possível, senti a revolta, a injustiça de não poder atravessar. Acho que meu sionismo nasceu naquele momento.
    Outra imagem: a capa da revista Time logo após a Guerra dos Seis Dias, um Superman, mas com uma estrela de David estilizada, enorme, no lugar do símbolo do personagem.
    E por último: estivemos no Egito em 1993, portanto já eram 11 anos de tratado de paz com Sadat. Ao visitar um dos prédios modernos, o equivalente ao Itamaraty aqui no Brasil, vimos um enorme mural com o mapa do Oriente Médio no luxuoso hall de entrada. Detalhe: não havia Israel nesse mapa. Ao interpelar a nossa guia egípcia, muito culta e aberta, sobre isso, ela respondeu que ainda não era possível tratar esse assunto - a existência de Israel - publicamente. E mais: informou-nos que a Guerra dos Seis Dias, lá, era (talvez ainda seja) chamada de Guerra dos Três Dias, porque nos primeiros 3 dias parecia impossível que Israel vencesse. Foi apagada da memória coletiva oficial a vitória inconteste, que aconteceu a partir do quarto dia. E nos surpreendemos, agora em 2024, ao encontrar evidências concretas do envolvimento do Egito com o Hamas em Rafah? Nada de novo sob o sol.

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  2. comentário de Vivian Schlesinger.

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  3. Parabéns! Quais os interesses a que o governo brasileiro se subordina?

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