Solilóquio
do Esperançar!
E
não é que a flor desabrochou e trouxe Luz para onde antes as trevas pareciam
dominar? Aquela flor, sublime, suave e muito frágil... Uma flor de Esperança! Com
o klezmer, esse nosso lamento vira dança!
É
a vida que insiste, é a Beleza sempre triunfa! Uma flor semeada por quem menos
se esperava... Quem, em sã consciência, poderia imaginar? Eu, jamais! Mas rio,
danço e celebro!
Olho
para meu relógio de algibeira — hoje chamamos de telefone celular, um tal
telefone que serve pra tudo, mas que, ironicamente, quase nunca usamos para
ligar. Perto das seis da manhã. O sol pinta o céu. Laranja, azul e branco!
É
a Luz na janela, na alma... Vejo na tevê a multidão nas ruas, do outro lado do
mundo. E a Memória, tal qual a flor, também desabrocha. Era com o cheiro e o
som de um tempo alegre, feliz.
Tempo
de Esperança! Tempo da Esperança!
2002,
rua no centro de Jacareí. Brasil pentacampeão! Cheiro de asfalto e cerveja! Uma
celebração popular, espontânea! Canto, abraços em irmãos anônimos! Manhã de
domingo e a Esperança era verde e amarela, pintada no rosto.
A
gente sentia o Futuro chegando... E não chegou? Ah, quanta coisa mudou. O mundo
girou. A gente mudou!
Hoje,
a festa é deles. O povo nas ruas lá! O Futuro é deles. Um telão na Hebraica
para ver o retorno daqueles que nunca deveriam ter ido, filhos de uma violência
inexplicável! O choro vira dança. A saudade vira abraço. Se fosse aqui, o
Galvão ia chamar o Pelô!
A
Timbalada faria o chão tremer. E os bonecões de Olinda? Seria a mesma festa. A
mesma lágrima!
Já
pensaram que ninguém quer saber da ideologia deles. Será que votavam no Likud,
no Shas, no Hadash? Qual a orientação sexual? O time de futebol? Maccabi?
Hapoel? O passado, a ficha corrida, a posição social? Usavam drogas? Moravam na
Cracolândia?
Nada.
Tudo se desfaz. Tudo que antes parecia sólido se desmancha no ar! É um instante
sagrado em que nossa alma fica na pele, e a gente só enxerga a HUMANIDADE. As
máscaras se apagam e só fica o brilho de dentro. O SER HUMANO.
Já
reparou que nesses momentos de descuido, quando a felicidade nos pega de
surpresa, a gente ri à toa? A gente se abraça? Compartilha o pão, o canto, a
vitória... Sempre! É a nossa natureza, a nossa essência mais funda: a partilha,
a ausência de muros.
Essa
é a nossa PUREZA!
E
ela é igual à Esperança: é uma decisão! É uma escolha diária, uma teimosia! Quase
uma Chutzpá! Para ser puro, a gente precisa decidir, precisa escolher varrer o mofo
do cinismo que se acumula desde o berço...
A
gente precisa estar DECIDIDO, ESCOLHIDO! E pra ter Esperança também! Não é
sentar e esperar. É construir juntos. É verbo, não substantivo. É ESPERANÇAR. É
lutar por cada tiquinho de dignidade, em cada sorriso, em cada olhar...
A
Pureza Humana, a verdadeira Santidade, eu sinto, está nisso.
Em
abraçar nossas próprias contradições, nossas sombras e nossa Luz e escolher
novos caminhos... É na coragem de se
reconhecer incompleto que a gente se consegue trabalhar para ser inteiro.
E,
acima de tudo, é escolher, a cada amanhecer, a cada rosto, a cada linha
escrita... escolher enxergar a HUMANIDADE! Ela tá lá! Naquele que sofre,
naquele que luta e, também, naquele que celebra.
É
essa escolha que faz a flor, mesmo na laranjeira mais improvável, desabrochar.
E
essa é a única Luz que realmente importa.
·
André
Naves, Defensor Público Federal especialista em Direitos Humanos e Inclusão
Social.
· contato@andrenaves.com

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