Texto de ESTHER MUCZNIK, ESTUDIOSA DE TEMAS JUDAICOS, para o Jornal
público de portugal.
13 de Dezembro de 2017
Ó Jerusalém!
Independentemente do que vier a acontecer,
Jerusalém não deixará de ser a capital do Estado de Israel.
Palco de sucessivas
disputas ao longo da história, nenhuma cidade no mundo desencadeia tantas
paixões como Jerusalém. A reacção à recente proclamação de Donald Trump
reconhecendo Jerusalém como capital de Israel e anunciando a transferência da
embaixada dos EUA vem mais uma vez comprovar esta realidade.
Na verdade, Trump
vem apenas reconhecer uma realidade já existente: Israel é um país soberano e,
independentemente de ser ou não reconhecida como tal, Jerusalém é a sua capital
e não Telavive, como alguma ignorância mediática já o afirmou.
Não vou aqui
invocar o carácter sagrado de Jerusalém para o judaísmo, nem os três mil anos
de presença ininterrupta judaica na cidade. Vou apenas lembrar que depois da
Guerra da Independência de 1948/49, movida por cinco Estados árabes contra o
recém-proclamado Estado de Israel, uma das primeiras medidas do seu Governo foi
a declaração de Jerusalém como capital do novo Estado: a 13 de Dezembro de
1949, o Parlamento israelita, o Knesset, é transferido para Jerusalém, seguido
em Janeiro de 1950 por todo o Governo
Um século antes, em
1855, Sir Moses Montefiori fundara as primeiras casas fora da Cidade Velha de
Jerusalém, no bairro que ainda hoje ostenta o seu nome. A população da cidade,
maioritariamente judaica, vivia essencialmente dentro das suas muralhas e o
novo bairro, assim como outros que lhe seguiram, alargaram para ocidente as
fronteiras de Jerusalém, permitindo o crescimento e desenvolvimento da cidade
que em vésperas da Primeira Grande Guerra contava com 70.000 habitantes, dos
quais 50.000 judeus.
Mas no final da
Guerra da Independência e pela primeira vez na sua história, Jerusalém foi
dividida. Israel ficou com o lado ocidental e a Jordânia com o oriental,
incluindo a Cidade Velha, anexando esse território em 1950. Resistindo às
pressões das forças militares judaicas que insistiam em libertar Jerusalém e
obrigar a Legião Árabe a recuar para lá do Jordão, o Governo israelita resolve
manter o statu quo e não prosseguir a guerra. Com efeito, para
David Ben-Gurion, era mais importante consolidar o Estado judaico do que
aumentá-lo: “Confrontados com a questão da tot alidade do país sem Estado
judaico, ou um Estado judaico sem a totalidade do país, escolhemos o Estado
judaico sem a totalidade do país.” Ao assinar o acordo de armistício com o rei
jordano Abdallah, o Governo de Israel também esperava salvaguardar a hipótese
de um acordo futuro de paz mútua.
Mas a paz não
existiu: sob controlo jordano e em contradição com o acordado, os judeus
ficaram impedidos de orar nos seus lugares sagrados, incluindo no Muro
Ocidental, dito “Muro das Lamentações”. Foram destruídas 58 sinagogas ou
transformadas em estábulos e aviários, assim como numerosas pedras tumulares.
Por seu turno, os cristãos, embora pudessem frequentar os seus lugares santos,
também eram sujeitos a restrições várias e a um controlo severo.
No seguimento da
Guerra de 1967 — na qual Israel conquista Jerusalém oriental e reunifica a
cidade —, o Governo israelita restabelece a liberdade de acesso a todos os
espaços sagrados das três religiões. Apesar de uma lei do Parlamento de 1980
oficializar a anexação de Jerusalém oriental, mais tarde, no quadro de negociações
israelo-palestinianas de Camp David no ano 2000, o então primeiro-ministro Ehud
Barak propõe ao então líder da Autoridade Palestiniana, Yasser Arafat, a
entrega de parte de Jerusalém oriental para futura capital de um Estado
palestiniano. Mantendo a política suicida d e tudo ou nada, a proposta é
rejeitada.
Hoje, 17 depois,
apesar de a maioria das embaixadas estarem sediadas em Telavive, os consulados
de oito países estão em Jerusalém, mantendo relações diplomáticas com a
Autoridade Palestiniana: Grã-Bretanha, Turquia, Bélgica, Espanha e Suécia estão
em Jerusalém oriental, enquanto os consulados dos EUA, França, Itália e Grécia
se encontram em Jerusalém ocidental. Mesmo sem reconhecer a anexação de
Jerusalém oriental por Israel, nada impede a instalação das embaixadas em
Jerusalém ocidental que, independentemente do que possa vir a acontecer, não
deixar& aacute; de ser a capital do Estado de Israel. Tal como acaba de
anunciar a República Checa, que decidiu instalar a sua embaixada em Jerusalém
ocidental dentro das fronteiras de 1967. Talvez seja esta uma forma de
desbloquear a situação...
Não tenho simpatia
nenhuma por Donald Trump, nem pelas suas políticas externas e internas.
Acredito que esta decisão foi essencialmente motivada por motivos internos, sem
qualquer consideração pelas suas consequências que, do ponto de vista político,
recaem sobretudo sobre Israel, unindo contra si o mundo árabe e islâmico mesmo
que esporadicamente. Mas neste caso concreto pior é a hipocrisia da União
Europeia que, invocando um “processo de paz” inexistente, mais não faz do que
perpetuar um statu quo que torna a “paz” cada vez mais
distante.
A desgraça
palestiniana não é uma coisa boa para Israel. Quer se goste ou não, ambos os
destinos estão ligados: ambos os povos têm o direito a viver entre o Jordão e o
Mediterrâneo e a sua coexistência pacífica apenas será possível no quadro de
dois Estados independentes e soberanos. Não adianta negar a ligação histórica
de um ou outro à terra tão disputada, porque não é de história, sonhos ou mitos
que se fará a paz. Foi a lucidez de David Ben-Gurion e de Haim Weizmann, ao
reconhecerem a existência de um outro povo na Palestina, que permitiu a cri
ação do Estado de Israel. Da mesma forma que foi essa negação que levou os
palestinianos à sua própria tragédia.
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