ENTRE O CRISTAL e a FUMAÇA (Entre le cristal e la fumeé: Essai sur la organization de vivant, 1979), livro escrito pelo biofísico francês Henri Atlan, viaja entre os dois opostos do mundo: a rigidez do cristal e a efemeridade da fumaça, e defende que a vida ocorre entre estes dois estados. Um livro que foca o caos, o ruído e a desordem, mostrando que estas situações momentâneas são essenciais para que a vida ocorra tanto do ponto de vista da biologia quanto da sociedade.
Os acontecimentos deste mês no Brasil, no mundo e no Estado de Israel indicam que precisamos de um pouco de distanciamento para poder avaliar e seguir em frente - caso contrário, corremos o risco de nos enredarmos na malha criada entre as chamadas esquerda e direita, ou entre progressistas e ortodoxos, e com isto entrarmos em um debate que imobiliza cada um dos atores em conceitos pré-formados sem nem mesmo permitir ao mais honesto deles identificar que está sendo guiado por um “preconceito”.
Pensando um pouco no caos, Atlan exemplifica usando a imagem de uma escrivaninha, aquela mesa de trabalho em que o dono mantém em uma bagunça respeitável. Tem que achar um espacinho para apoiar algo mais no meio de pequenas torres que parecem prontas a desmoronar. E nesta hora entra um colega e pede um documento... imediatamente, o dono da escrivaninha pega no meio da pilha da esquerda o documento solicitado. Mas alguns dias depois, uma boa alma resolve ajudar o mestre e limpa sua mesa, coloca todos os papeis em ordem perfeita, arrumados por cor e tamanho. Que maravilha! É de se admirar a ordem do trabalho. Mas, ao se pedir algum documento, nada pode ser encontrado. Atlan com isto identifica com facilidade o que é o “caos determinista”- o caos em que vivemos.
A primeira parte do livro segue analisando a biologia e a segunda, a vida dos judeus: um povo que vive e sobrevive porque é caótico. Caótico em suas regras, caótico em seus costumes e até em suas etnias. Ensina as crianças a fazerem perguntas e seu livro de regras (Talmud) é uma coleção de perguntas respondidas por personagens ao longo de seis séculos. Pratica uma religião que tem mil facetas e que, às vezes, tem dificuldade de encontrar mais do que poucos pontos de contato. Do judaísmo ortodoxo ao judaísmo progressista, sem falar dos que se consideram judeus e ateus ao mesmo tempo. Um povo que contém todas as etnias, que viveu por dois milênios sem ter um idioma comum, uma terra física comum, e que usou o imaginário coletivo para se manter coeso.
Neste mês de julho foi iniciado um novo processo caótico. Não há dúvida de que o atual Estado de Israel é o lar nacional judaico. Não há dúvida de que o idioma oficial em Israel é o hebraico. Também não há dúvida de que em Israel habitam pessoas de diferentes etnias e diferentes religiões, e que outros idiomas, incluindo o árabe, são aceitos no dia a dia apesar de não fazerem parte dos documentos oficiais ou bancários, e estão nas placas de ruas e nas escolas.
Mas, ao tornar este processo uma lei aprovada pela Knesset, o parlamento, surgem reações em série entre os judeus, entre os árabes, entre os curdos e entre muitos mais. Ooops – até a nossa imprensa abriu espaço em várias páginas para comentar o tema.
Assim, ao mesmo tempo em que o sul de Israel queima diariamente por bombas incendiárias enviadas pelo Hamas, e que a vida do dia a dia segue com pais e filhos se relacionando de forma carinhosa e especial, aparece um furacão e gera vários debates.
Parafraseando ATLAN: entre a beleza do cristal e da fumaça, podemos ver a vida fluindo em ondas como as do mar, em alguns momentos mais calmas e em outros mais revoltas e todos os momentos são necessários para continuarmos em frente.
Editoras do EshTá na Mídia - Regina, Juliana e Marcela
Nenhum comentário:
Postar um comentário