Platero
Não sei bem como foi...
Nem
lembro direito em que escritório a gente tava! Acho que era na Comedoria do
SESC Pompeia. Era lá sim!
A
memória é esse suco da verdade. Os fatos só existem pelo que a gente
experimenta. Como um suco de caju! Será que falta doce? Será que amarra a boca?
Será que tá aguado? A gente tem de tomar para descobrir se tá no ponto!
De
repente a gente vai esquecendo os detalhes, misturando os acontecidos, mas a
lição fica. Eu não lembro bem onde nem quem. Só lembro da conversa... E, aos
poucos, fui juntando as pecinhas desse quebra-cabeças para conseguir enxergar a
cena toda.
Ou
seja, o acontecido pouco interessa! A certeza é o saci que prega peças na
gente! O legal é essa dúvida que aos poucos vai sendo dissipada. Parece até
aquele nevoeiro de beira de estrada...
É
como dizem: neblina que baixa é Sol que racha!
Então
a gente tava lá na Comedoria falando sobre a Lina. O Zé, o João e eu, como
sempre. Não tem como entrar no SESC Pompeia sem falar dela. É um tributo que a
gente paga à genialidade.
É
igual no MASP... A gente entra, fica boquiaberto com o vão livre, com o
concreto bruto, e se encanta com a sutileza sublime dos cavaletes de cristal.
Força
e Beleza unidas. Tempestade e calmaria. Essa era a Lina.
O
concreto também é poético, dizia o João.
Isso!
O Zé, como de costume, falava com um resmungo. A gente nunca adivinhava se era
a casmurrice ou o sotaque... A gente tem de aprender a língua de tudo! Tudo
ensina: a gente tem que aprender a aprender!
O
idioma em que sou mais fluente hoje é o dos olhares da Pilar! Depois de tanto
juntos, se eu não o soubesse, era frito tal qual as sardinhas na brasa de
Lisboa.
Luz
Boa! Lisboa é a Salvador da Europa! O André que é calado, né Zé? Como que a
gente aprende com isso?
Quem
é calado, observa. Quer aprender. Quem quer aprender, também ensina. Sabe os
nossos personagens? As nossas tramas? Tudo é ensinamento. Lembra do Nelson
Rodrigues? A cada livro, história, ele ia aprendendo, ficando mais rico, mais
complexo, mais ele... Cada um deles... Sabe os atores de teatro? Os leitores? A
plateia? Todo mundo vai aprendendo...
Eu
não sou calado, João. É que quem fala demais dá bom dia a cavalo. Não posso
fingir costume nessa mesa... Salvador é a Roma negra!
Mas
Lisboa é a Salvador européia!
Lá
na península a gente tem a lenda do Platero, um burrico extremamente simpático
e gentil. Ele aparece, inclusive, em vários livros meus.
Vamo trazer o Platero pro Brasil, André?
“Platero
é pequeno, peludo, suave, tão macio por fora, que se diria todo de algodão.”
Olha a singeleza disso. Um burro, de trabalho bruto e pesado, mas de algodão,
suave e carinhoso. Essa é uma lição! Essa é A lição!
Tempestade
e Calmaria! Mar calmo não faz viagem próspera, mas tempestade leva todos para
os braços de Netuno! Platero é aula de harmonia, de equilíbrio!
Balaão
se recusava a aprender com os sinais. A jumentinha precisou falar pra ele
entender... Ele precisava enxergar, mas se recusava a perceber o quadro todo.
No fim é isso! A gente precisa é estar aberto aos sinais, aos símbolos.
Precisamos falar o idioma além das palavras...
Precisamos
ouvir os burricos, as jumentinhas! Escutar os ventos, enxergar a Luz!
André Naves
www.andrenaves.com
Instagram: @andrenaves.def
Faltou citar (e citar as nossas fontes na perspectiva judaica, é mandatório) que a bela frase é o início de "Platero y yo", de Juan Ramón Jiménez.
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